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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Adoçantes são zero caloria, mas não são zero efeito na saúde intestinal

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/06/2021 04h00

Nos últimos anos, o açúcar tem sido demonizado e os adoçantes (ou edulcorantes) tornaram-se muito populares como aditivos alimentares utilizados pela indústria e como um ingrediente utilizado para adoçar sucos, bebidas, bolos e sobremesas em substituição ao açúcar.

Os adoçantes artificiais (ou não nutritivos) como sucralose, aspartame e sacarina não apresentam calorias, o que contribui ainda mais para aumentar a sua popularidade em todo o mundo.

Diante disso, eles passaram a ser bastante utilizados tanto por quem deseja perder peso quanto por aquelas pessoas que convivem com o diabetes ou resistência à insulina e necessitam controlar a quantidade de carboidratos da alimentação, sendo vistos por muita gente como uma opção mais saudável.

No entanto, apesar de serem zero caloria não são zero efeito na saúde. Ainda há muito o que pesqui\sar, mas um estudo publicado na International Journal of Molecular Sciences é um dos primeiros a mostrar efeitos negativos de adoçantes sintéticos em bactérias intestinais.

Bactérias, células do intestino e adoçantes sintéticos

Outras pesquisas indicaram que aditivos alimentares, como os adoçantes, podem ter impacto na composição e função das bactérias intestinais. No entanto, os dados sobre como a microbiota é afetada e sobre as causas da patogenicidade são limitados.

Dessa forma, o estudo em questão buscou investigar o papel dos adoçantes sintéticos mais comumente consumidos na patogenicidade bacteriana intestinal e nas suas interações com as células intestinais.

Para isso, foram utilizadas células do epitélio intestinal conhecidas como Caco-2 e dois tipos de bactérias intestinais: Escherichia coli e Enterococcus faecalis. Essas bactérias são facilmente isoladas e cultivadas em laboratório, habitam o trato gastrintestinal humano, são comensais (ou seja, benéficas ao organismo humano, podendo contribuir para a digestão de alimentos, melhora da imunidade, entre outras funções), mas também podem se tornar patógenas.

As bactérias intestinais foram expostas a diferentes concentrações de três adoçantes sintéticos:

  • Sacarina: adoçante descoberto em 1878, foi o primeiro sintético. É de 200 a 300 vezes mais doce que a sacarose (açúcar comum) e por suas características, como estabilidade e temperaturas elevadas, pode ser utilizado em diversos alimentos, sejam líquidos ou secos. No entanto, altas concentrações desse adoçante deixam um gosto residual e por isso é muito utilizado em combinação com o ciclamato de sódio para mascarar o amargor.
  • Sucralose: esse adoçante descoberto em 1976 é obtido a partir de um processamento da sacarose, mas possui poder de doçura 600 vezes maior que esta. Não apresenta sabor residual e é bastante utilizado como adoçante de mesa.
  • Aspartame: é sintetizado a partir de dois aminoácidos, o ácido aspártico e a fenilalanina, por isso não deve ser consumido pelas pessoas que têm fenilcetonúria (doenças caracterizada pela incapacidade de metabolizar a fenilalanina). Não é totalmente isento de calorias, apresentando 4 kcal por grama, mas por ser 200 vezes mais doce que o açúcar comum, pequenas quantidades são suficientes para adoçar os alimentos, com uma contribuição energética muito baixa.

A partir disso, foram avaliadas, in vitro, a patogenicidade e interações com as células Caco-2 a cada 12 horas, por 4 dias.

Bactérias intestinais expostas a adoçantes podem tornar-se patogênicas

Os resultados mostraram que os adoçantes aumentam a capacidade das bactérias de formarem um biofilme (película protetora de comunidades bacterianas que permitem sua adesão a superfícies e tecidos) e na capacidade de a microbiota intestinal aderir, invadir e atacar o epitélio intestinal do hospedeiro.

Os pesquisadores observaram que em uma concentração equivalente a duas latas de refrigerante diet todos os adoçantes estudados aumentaram de forma significativa a adesão das bactérias E. Coli e E. faecalis às células intestinais, como também a formação de biofilme.

Todos os três adoçantes levaram as bactérias patogênicas a invadir as células Caco-2 encontradas na parede intestinal, com exceção do adoçante sacarina que não teve efeito significativo na invasão de E. coli.

Em relação à formação do biofilme de E. faecalis, houve um aumento com todos os três tipos de adoçantes, mas apenas a exposição ao aspartame causou uma elevação significativa.

Vale lembrar que as bactérias que formam biofilme são mais propensas a secretar toxinas e expressar fatores de virulência, provocando doenças.

Os autores também apontam que as bactérias utilizadas como modelo para esse estudo foram expostas a adoçantes artificiais por 24 horas. No entanto, considerando que hoje em dia os adoçantes artificiais estão muito presentes em uma variedade de alimentos e bebidas, é provável que a microbiota seja continuamente exposta aos efeitos desses edulcorantes.

Assim, um estudo mais aprofundado sobre as modificações genéticas de cada bactéria após a exposição aos adoçantes é necessário para fornecer uma compreensão mais profunda sobre os mecanismos que regulam a patogenicidade a nível molecular.

Adoçante não é solução para menos açúcar!

Venho dizendo há um bom tempo: os adoçantes são zero caloria, mas não são zero efeito na nossa saúde. Apesar de não vê-los como vilões da alimentação saudável, é preciso estar atento às consequências de seu consumo excessivo, e não apenas com o excesso de açúcar.

Até porque os adoçantes não são a solução para comer menos açúcar. Precisamos diminuir o consumo dos dois!

Isso se torna ainda mais preocupante quando pensamos na indústria de alimentos. Aqui no Brasil não é obrigatório colocar em destaque nos rótulos que o alimento contém adoçante, essa informação só é descoberta naquelas letrinhas miúdas da lista de ingredientes.

Por outro lado, uma nova rotulagem entrará em vigor em 2022 e aponta a obrigatoriedade de incluir um aviso no rótulo central de que o produto apresenta excesso de açúcares e gorduras. Isso é interessante para o consumidor, no entanto também dá margem para que haja uma adição excessiva dos adoçantes.

Para que o produto não venha com o indicativo do excesso de açúcar, a indústria poderá utilizar uma menor quantidade de açúcar e mais edulcorantes para se encaixar na legislação. Assim, a quantidade de açúcar pode até ser reduzida, mas iremos consumir ainda mais adoçantes, que não são a solução para comer menos açúcar e parece afetar a nossa saúde intestinal.

Veja bem, não precisamos de mais adoçantes, mas sim de alimentos de melhor qualidade, com menos aditivos e mais sabor!

Bon appétit!

Sophie Deram