Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pediatras nos EUA fazem recomendações contra o estigma de peso em jovens
A sociedade, em geral, acredita que ter vergonha por ser gordo leva à perda de peso, mas na verdade isso se chama "estigma de peso" e não contribui em nada para a diminuição da obesidade. Pelo contrário, o estigma de peso apresenta inúmeras consequências para a saúde física e mental, incluindo resultados adversos que podem reforçar comportamentos não saudáveis e contribuir para a obesidade e o ganho de peso.
Os próprios profissionais de saúde se esforçam para tratar a obesidade, mas muitas vezes são preconceituosos e geram estigma em suas consultas. Isso pode ser especialmente complicado para a qualidade de vida de crianças e adolescentes que ainda estão formando hábitos e uma imagem sobre si mesmos.
Diante disso, em 2017, foi publicada na revista Pediatrics uma declaração política conjunta entre a AAP (Academia Americana de Pediatras) e a The Obesity Society com o objetivo de aumentar a conscientização sobre os efeitos negativos do estigma de peso em pacientes pediátricos e suas famílias.
O documento fornece seis recomendações para os profissionais de saúde utilizarem na prática clínica e quatro formas de atuar para além dos consultórios.
Entendendo o estigma de peso em crianças e adolescentes
O estigma de peso se refere à desvalorização de uma pessoa porque ela tem excesso de peso. Isso também inclui estereótipos de que pessoas com obesidade são preguiçosas, sem força de vontade e por isso não perdem peso.
Esses estereótipos se manifestam de maneiras diferentes, levando ao preconceito e à rejeição social. Podem surgir muito cedo, ainda no início da infância, expressos principalmente como provocação e bullying com base no peso.
As crianças e adolescentes podem estar expostas ao estigma de peso:
- Em casa: a gordofobia na família pode provocar ou intimidar as crianças em relação ao peso.
- Na escola: professores podem demonstrar expectativas mais baixas em relação aos alunos com obesidade.
- Nos serviços de saúde: os profissionais de saúde costumam perceber os pacientes com obesidade como preguiçosos e sem autocontrole, o que afeta negativamente a qualidade do atendimento.
- Na mídia: muitos programas e filmes infantis reforçam o estigma de peso ao retratar personagens com corpos maiores como agressivos, impopulares e alvo do ridículo.
As consequências disso são inúmeras, podendo levar a comportamentos compulsivos, isolamento social, diminuição de atividade física, evasão dos serviços de saúde e outras barreiras para as mudanças de comportamentos mais saudáveis.
Por isso, os autores da declaração política "Stigma Experienced by Children and Adolescents With Obesity" consideram importante reconhecer, abordar e se posicionar contra o estigma de peso em todo e qualquer ambiente, e oferecem orientações para profissionais de saúde sobre como reduzir o estigma de peso e educar outras pessoas sobre as consequências negativas de tais ações.
Como reduzir o estigma de peso na prática clínica?
Para reduzir o estigma de peso na prática clínica, a AAP propõe seis estratégias aos profissionais de saúde:
1. Ter um modelo de conduta
Os profissionais de saúde pediátrica devem considerar que a obesidade é um problema de saúde multifatorial, cujas causas incluem fatores genéticos, socioeconômicos, ambientais, escolhas individuais, tradições familiares e culturais. Ter isso como um modelo de conduta pode ajudar a dissipar suposições e estereótipos que colocam na pessoa toda a responsabilidade pela obesidade e pela dificuldade para perder peso.
2. Escolher a linguagem e as palavras
As palavras têm poder, por isso é importante que os profissionais de saúde usem uma linguagem adequada, sensível e não estigmatizante ao se comunicar com jovens, suas famílias e mesmo com outros profissionais. Recomenda-se utilizar a expressão "criança com obesidade" em vez de "criança obesa" e evitar expressões carregadas de julgamentos como "problema de peso", "extremamente obeso" ou "gordo", que podem provocar sentimento de tristeza, constrangimento e vergonha.
3. Documentação clínica
A obesidade deve ser bem avaliada e diagnosticada, pois apresenta consequências reais para a saúde, como também as crianças e famílias devem entender seus riscos atuais e futuros. Mas isso deve ser feito de forma sensível, com empatia e sem assustar os pacientes e seus familiares.
Registros de saúde eletrônicos e a nomenclatura médica podem considerar o uso dos termos "peso não saudável" e "peso muito prejudicial" em vez de "obesidade" e "obesidade mórbida".
4. Aconselhamento para mudança de comportamento
Além de escolher palavras mais neutras e que não denotem um julgamento, a AAP recomenda uma abordagem de mudança de comportamento centrada no paciente, com uso de entrevista motivacional, ferramenta de aconselhamento que contribui para a motivação e sensibilização do paciente na busca por mudanças de hábitos.
Por meio da entrevista motivacional, os profissionais de saúde envolvem o paciente e seus familiares de forma colaborativa, determinam objetivos juntos e identificam barreiras impeditivas para o alcance de mudanças de comportamento de saúde.
5. Ambiente clínico
Os profissionais de saúde devem criar um espaço clínico acolhedor para as crianças, adolescentes e suas famílias. Isso diz respeito a um ambiente que acomode pessoas de todos os tamanhos e formas corporais, desde a entrada da clínica até a sala de exames.
6. Saúde comportamental
Lidar com o estigma de peso exige que os pediatras e profissionais de saúde avaliem os pacientes não apenas quanto à saúde física, mas também identifiquem questões emocionais e experiências negativas associadas à obesidade, como bullying, baixa autoestima, baixo rendimento escolar, depressão e ansiedade.
Combatendo o estigma de peso para além dos serviços de saúde
Os autores da declaração conjunta acreditam, ainda, que os profissionais de saúde podem ser importantes defensores da redução de estigma de peso em outros ambientes e indicam algumas formas de atuação com as escolas, a mídia, a formação de profissionais e os pais:
- Escolas: em conjunto com a comunidade escolar, os pediatras e outros profissionais de saúde podem contribuir para garantir que as ações escolares antibullying também envolvam o estigma de peso.
- Mídia direcionada a jovens: é importante que os profissionais de saúde defendam um tratamento responsável e respeitoso das pessoas com obesidade na mídia. Isso pode ser feito ao se posicionarem nas redes sociais, congressos, revistas etc. contra representações estigmatizantes, aumentando a consciência do estigma de peso, particularmente prejudicial para as crianças e os adolescentes.
- Formação de profissionais: pediatras e instituições devem defender a inclusão de treinamento para lidar com o estigma do peso nas universidades e nos currículos de residência por meio de programas contínuos de educação médica, o que, acrescento, deve se estender a todos os profissionais de saúde.
- Pais: as famílias e os pacientes devem ser educados sobre como lidar com o estigma de peso em diversos lugares, incluindo a própria casa. Os profissionais de saúde podem orientá-los sobre como agir diante do preconceito de familiares e amigos e estimulá-los a questionar a escola quanto à existência de ações de combate ao estigma de peso.
Essa publicação da AAP me deixa muito contente, pois é mais uma iniciativa que busca um novo olhar sobre obesidade, indicando que estamos cada vez mais atentos à necessidade de uma perspectiva respeitosa e de um tratamento sem preconceito para as pessoas que vivem com excesso de peso. Vamos em frente!
Sophie Deram
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