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Microbiota intestinal pode ter influência na covid-19 longa, sugere estudo
Um estudo publicado na revista Gut sugere que a microbiota intestinal pode ter influência na covid-19 longa, termo criado para descrever a persistência de sintomas após o fim da infecção pelo coronavírus.
Covid-19, microbiota intestinal e imunidade
Os sintomas de covid-19 durante a infecção são bem conhecidos. Febre, tosse, cansaço, coriza, dor de garganta, perda de paladar e olfato estão entre os mais comuns. No entanto, pouco se sabe sobre a síndrome pós-covid ou covid-19 longa, condição caracterizada pela persistência de sintomas ou presença de complicações após a eliminação da doença.
Embora a maioria das pessoas se recupere totalmente, uma parte relata sintomas quatro semanas ou mais após a covid-19, como problemas respiratórios, fadiga, fraqueza muscular, dificuldade para dormir e perda de olfato e paladar.
Sabe-se que perturbações na imunidade, danos celulares causados pela infecção viral ou sequelas da doença grave podem contribuir para a covid-19 longa, mas a razão para o seu desenvolvimento ainda não está muito clara.
Estudos também têm mostrado que o desequilíbrio da microbiota intestinal (população microbiana que habita nosso intestino desenvolvendo diversas funções importantes no corpo humano) pode estar associada com a gravidade da infecção e com a persistência de sintomas após a resolução da covid-19, provavelmente porque o trato gastrointestinal é o maior órgão imunológico do organismo e os micro-organismos residentes nele podem afetar o processo de recuperação da doença.
Diante disso, o grupo de pesquisadores da Universidade Chinesa de Hong Kong resolveu investigar se a microbiota intestinal está ligada à covid-19 longa, avaliando a composição do seu microbioma, ou código genético dos micro-organismos.
Pesquisando a ligação entre covid-19 longa e a microbiota intestinal
Esse estudo foi realizado em três hospitais regionais (Prince of Wales, United Christian e Yan Chai) de Hong Kong.
O recrutamento de voluntários ocorreu entre 1 de fevereiro e 31 de agosto de 2020, após diagnóstico confirmado de covid-19 por meio do teste PCR-RT. Todos os pacientes com covid-19 confirmada foram obrigatoriamente internados no hospital, seguindo a política do governo local.
A covid-19 longa foi definida como a presença de pelo menos um sintoma persistente após 4 semanas da eliminação do Sars-CoV-2, sem explicação por um diagnóstico alternativo. Foi avaliada a presença de 30 sintomas mais comumente relatados em 3 a 6 meses pós-covid.
Após 6 meses de alta, os pacientes foram submetidos a um teste de caminhada de 6 minutos para avaliação funcional simples da capacidade e resistência aeróbica e os resultados foram correlacionados com a análise da microbiota intestinal.
Como a alimentação pode afetar a microbiota, também foram realizados registros alimentares de todos os pacientes com covid-19 durante o período de hospitalização. Refeições padronizadas foram fornecidas pelos serviços de alimentação dos hospitais e após a alta eles foram aconselhados a continuarem seguindo uma alimentação chinesa habitual e diversificada.
No total, o estudo foi realizado com 106 pacientes que tiveram covid-19, acompanhados desde a admissão até 6 meses após a alta, e com 68 controles (não infectados), recrutados entre setembro de 2019 e novembro de 2019.
Para a análise do microbioma, um total de 258 amostras de fezes foram coletadas (na admissão e após 1 mês e 6 meses da alta hospitalar) e seu material genético sequenciado.
Microbiota intestinal pode influenciar covid-19 longa
Os resultados mostraram que o perfil do microbioma intestinal pode afetar a suscetibilidade à covid-19 longa.
Os pacientes tinham em média 48 anos e 56 deles (52,9%) eram mulheres. A maioria teve covid-19 de leve a moderada (81,1%).
A covid-19 longa foi relatada em 86 (81,1%) e em 81 (76,4%) pacientes após 3 meses e 6 meses da alta hospitalar, respectivamente. Dos 106 pacientes diagnosticados com covid-19, 47 tiveram amostras de fezes coletadas na admissão, 64 com 1 mês e 68 com 6 meses. Entre estes últimos, 50 tiveram covid-19 longa.
Os sintomas mais comuns relatados foram: fadiga (31,3%), memória fraca (28,3%), queda de cabelo (21,7%), ansiedade (20,8%) e dificuldade para dormir (20,8%).
Não foram encontradas diferenças significativas quanto à idade, sexo, presença de comorbidades, uso de antibióticos, uso de antivirais e gravidade da doenças em pacientes com ou sem covid-19 longa aos 6 meses.
Apesar de a carga viral não apresentar associação com a covid-19 longa, a composição do microbioma intestinal de pacientes nessa condição foi menos diversificada do que os microbiomas dos voluntários sem covid longa ou do grupo controle, que não foram infectados.
A composição da microbiota intestinal na admissão foi associada à ocorrência da covid-19 longa. Pacientes sem covid longa apresentaram perfil de microbioma intestinal recuperado em 6 meses quando comparado ao grupo controle.
O microbioma intestinal de pacientes com covid-19 longa foi caracterizado por níveis mais altos de bactérias patogênicas, como Ruminococcus gnavus, Bacteroides vulgatus e níveis mais baixos de bactérias benéficas, como Faecalibacterium prausnitzii, conhecida por suas propriedades imunomoduladoras.
Sintomas respiratórios persistentes foram correlacionados com patógenos intestinais oportunistas, enquanto sintomas neuropsiquiátricos e fadiga foram relacionados com patógenos intestinais hospitalares, como Clostridium innocuum e Actinomyces naeslundii. Bactérias produtoras de butirato, ácido graxo de cadeia curta fruto do metabolismo de probióticos, mostraram as maiores correlações inversas com a covid-19 longa.
A presença de bactérias produtoras de butirato apresentou correlação forte com o teste de caminhada de 6 minutos, indicando os papéis potenciais desenvolvidos por esses micro-organismos na redução de complicações sistêmicas após infecções agudas.
Os dados apresentados parecem estar de acordo com estudos anteriores, que relatam perturbações da microbiota intestinal em doenças crônicas, como doenças inflamatórias, gastrointestinais, metabólicas e até neurológicas.
Mais estudos sobre microbioma e covid-19 longa são necessários
De acordo com os pesquisadores, esse é o primeiro estudo a demonstrar a ligação entre o desequilíbrio da microbiota intestinal e a covid-19 longa após 6 meses de infecção.
Eles indicam que o estudo pode apresentar limitações por fatores que afetam o microbioma intestinal, como o ambiente do hospedeiro, a alimentação, o estilo de vida, o uso de medicamentos, além do possível viés de respostas subjetivas dos pacientes.
Assim, apontam também a necessidade de mais investigações sobre a modulação da microbiota na recuperação da covid-19 longa serem realizadas.
Apesar disso, acreditam que essas descobertas podem fornecer evidências sobre a intrincada associação entre o microbioma intestinal e as sequelas de longo prazo após a infecção por covid-19, bem como ser uma ferramenta na estratificação de risco precoce deste problema de saúde.
Sophie Deram
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