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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

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Uso paterno de metformina foi ligado a defeitos congênitos em meninos

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

07/04/2022 04h00

Estudo publicado em março deste ano na Annals of Internal Medicine sugere que o uso de metformina (um medicamento hipoglicemiante oral utilizado no tratamento de diabetes tipo 2) pelo menos três meses antes da concepção de um bebê pode estar associado a um risco 40% maior de defeitos congênitos em crianças do sexo masculino. Vamos entender melhor e com cautela esse estudo.

Diabetes tipo 2, medicamentos e saúde reprodutiva

O diabetes tipo 2 é uma condição de saúde na qual o corpo pode produzir insulina, mas ser resistente a esse hormônio, causando níveis elevados de açúcar (glicose) no sangue, a hiperglicemia.

Para ficar mais claro, a insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas e que atua como um porteiro, permitindo que a glicose entre nas células e seja utilizada como energia. Já no caso do pré-diabetes tipo 2, apesar de haver produção de insulina, as células não respondem bem a ela, dificultando a entrada da glicose.

Os níveis elevados de açúcar no sangue são prejudiciais ao organismo e podem causar problemas de saúde graves.

O controle e tratamento do diabetes, em geral, incluem a busca de uma alimentação saudável, prática de atividade física, bem como o uso de medicamentos.

Sabemos que o diabetes cada vez mais atinge um grande número de pessoas, incluindo jovens em idade fértil. Também temos conhecimento que esse problema de saúde pode afetar a qualidade do sêmen na idade reprodutiva e prejudicar a fertilidade, bem como que alguns medicamentos para diabetes podem interferir na saúde reprodutiva masculina.

Diante disso, pesquisadores da Universidade do Sul da Dinamarca e da Universidade Stanford tiveram como objetivo avaliar o risco de defeitos congênitos nos filhos de pais diabéticos que receberam medicamentos para diabetes antes da concepção.

Estudo dinamarquês avaliou dados de mais de 1 milhão de bebês

Esse estudo de coorte contou com dados de mais de 1 milhão de nascidos vivos de mães sem histórico de diabetes ou hipertensão, a partir do Registro Médico de Nascimento da Dinamarca, de 1997 a 2016.

Os pesquisadores compararam o risco do bebê ter defeitos congênitos com base no uso paterno de medicamentos para diabetes. Os bebês foram considerados expostos a um medicamento para diabetes se o pai tivesse recebido pelo menos um medicamento nos três meses anteriores à concepção.

Os pesquisadores compararam defeitos congênitos e sua incidência nos bebês com base nos medicamentos para diabetes tomados pelo pai, nas vezes em que a medicação foi tomada e em comparação com os irmãos não expostos. O estudo observou apenas crianças nascidas de mulheres com menos de 35 anos e homens com menos de 40 anos.

Os medicamentos considerados foram:

Metformina: medicamento usado para tratar diabetes tipo 2 e ajudar na prevenção de alguns casos. Faz parte de uma classe de medicamentos chamada biguanidas, conhecidas como sensibilizadores de insulina, pois aumentam a resposta do organismo à insulina.

Sulfonilureias: esses fármacos, considerados secretagogos de insulina, aumentam a quantidade do hormônio insulina que o pâncreas produz, sendo geralmente indicados nos casos de secreção insulínica deficiente. Glibenclamida e gliclazida são algumas das sulfonilureias mais utilizadas.

Insulina: como já disse, a insulina é um hormônio secretado pelo pâncreas que regula a glicose que entra e sai das células. As insulinas usadas no tratamento do diabetes são semelhantes ao hormônio produzido no nosso corpo e atua no controle da glicemia. Mais utilizadas em caso de diabetes tipo 1 (insulino dependente), mas também recomendadas para casos de diabetes tipo 2 nos quais outros medicamentos não são suficientes para o controle da glicemia.

Outros medicamentos foram utilizados, mas poucos pais participantes do estudo fizeram uso deles, de modo que foram excluídos da análise.

Uso de metformina pode estar associado a maior risco de defeitos congênitos em meninos

Exatamente 1.116.779 de recém-nascidos foram observados, dos quais 7.029 foram expostos a medicamentos para diabetes, sendo:

  • 5.298 expostos à insulina;
  • 1.451 à metformina;
  • 647 às sulfonilureias.

A análise revelou que:

  • Dos 1.116.779 bebês incluídos no estudo, 3,3% tinham um ou mais defeitos congênitos.
  • Bebês do sexo masculino cujos pais tomaram metformina tiveram um risco aumentado (40% maior) de defeitos congênitos.
  • Defeitos congênitos genitais foram os únicos defeitos congênitos estatisticamente significativos observados, após o uso paterno de metformina e apenas em bebês do sexo masculino.
  • Pais que tomaram metformina antes ou após o período de três meses da concepção não tiveram um risco aumentado de ter um bebê com defeitos congênitos. Da mesma forma, os irmãos não expostos não foram afetados.
  • Bebês cujos pais utilizaram insulina não apresentaram risco aumentado de defeitos congênitos em comparação com o grupo geral.
  • Havia poucos bebês cujos pais tomavam sulfonilureias, de modo que não foi possível determinar os riscos de defeitos congênitos com precisão.

Mais pesquisas sobre medicamentos para diabetes e malformações congênitas são necessárias

Os pesquisadores concluíram que bebês nascidos de pais tratados com metformina durante o período pré-concepcional têm um risco maior de desenvolver malformações congênitas, particularmente defeitos congênitos genitais em meninos. Eles não encontraram nenhuma associação significativa entre defeitos congênitos e exposição paterna a medicamentos para diabetes que não a metformina.

No entanto, eles também esclarecem que mais pesquisas como esta devem ser replicadas para esclarecer a causa dessa associação, além de indicarem algumas limitações, como ausência de dados sobre controle glicêmico ou adesão efetiva à medicação.

Também observaram que os bebês que tiveram exposição paterna à metformina tendiam a ter pais mais velhos e de nível socioeconômico mais baixo, que podem ter alguma interferência na associação encontrada.

Com isso, vemos que o estado de saúde do pai é tão importante quanto o da mãe no momento da concepção e os autores sugerem que o tratamento de futuros pais com diabetes, incluindo não apenas o manejo com medicamentos, como também o aconselhamento sobre alimentação e exercício físico deve ser objeto de estudos adicionais.

Enquanto aguardamos mais descobertas científicas, seja mais ativo e coma melhor, cozinhando mais e dando preferência à comida caseira e fresca. E, claro, não esqueça que o comportamento é tão importante quanto as escolhas alimentares, por isso adicione prazer ao seu cardápio e sempre cultive uma relação de paz com a comida e com o corpo!

Bon appétit!

Sophie Deram