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Vergonha pode ser sintoma de transtorno alimentar, mostra estudo
Estudo publicado no International Journal of Eating Disorders mostrou que vergonha do corpo e em torno da alimentação são sintomas fortemente associados a transtornos alimentares.
Transtornos alimentares são transtornos mentais que afetam o comportamento alimentar, gerando sofrimento e comprometendo tanto a saúde física quanto a psicossocial.
Já a vergonha é geralmente definida como uma emoção dolorosa caracterizada por avaliações globais negativas de si mesmo.
Já sabemos que a vergonha pode ser comum entre as pessoas que sofrem com transtornos alimentares, podendo gerar efeitos negativos, contribuir com a desregulamentação das emoções e desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento e manutenção de transtornos alimentares.
Diante disso, os pesquisadores Diana-Mirela Nechita, Samuel Bud e Daniel David, da Universidade Babes-Bolyai, em Cluj-Napoca, na Romênia, resolveram investigar a associação entre a vergonha e os sintomas de transtornos alimentares, utilizando para isso uma meta-análise, análise estatística que combina resultados de múltiplos estudos científicos.
Associação entre vergonha e transtornos alimentares foi encontrada em 195 estudos
Para a meta-análise, os pesquisadores identificaram os estudos através de pesquisas em cinco bancos de dados (PubMed, PsycINFO, Scopus, Web of Science e Central Cochrane Register of Controlled Trials), considerando publicações até fevereiro de 2021.
Para ser incluído, um estudo tinha que apresentar dados a respeito da associação entre vergonha e sintomas de transtornos alimentares e ser publicado em língua inglesa.
Eles revisaram associações tanto com sintomas gerais de transtornos alimentares, quanto com sintomas específicos (por exemplo, anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar).
Também foram avaliados diferentes tipos de vergonha, além da vergonha geral:
- vergonha do corpo: quando o tamanho e forma do corpo é foco da avaliação negativa;
- vergonha de comer ou em torno da alimentação: dirigida para a avaliação de hábitos e comportamentos alimentares;
- vergonha caracterológica: quando as avaliações são focadas em habilidades e hábitos pessoais;
- vergonha interna: quando as avaliações são ligadas a visões negativas que uma pessoa tem de si mesma;
- vergonha externa: quando a pessoa imagina julgamentos que os outros fazem dela;
- vergonha de estado: ou "no momento", acontece especialmente diante de pessoas consideradas importantes. Fisicamente, pode ser sentida como a sensação de calor, rubor no rosto, náusea etc.
Após a seleção, os pesquisadores sintetizaram os resultados de 195 estudos que examinaram a associação entre vergonha e transtornos alimentares.
A vergonha foi associada significativamente a todos os tipos de transtornos alimentares
Os 195 estudos incluíram um total de 64.267 participantes. Quanto aos transtornos alimentares:
- 153 analisaram os sintomas gerais de transtornos alimentares;
- 3 analisaram sintomas de anorexia nervosa;
- 16 analisaram sintomas de bulimia nervosa;
- 23 analisaram sintomas de compulsão alimentar.
Já em relação aos diferentes tipos de vergonha:
- vergonha geral foi avaliada em 29 estudos;
- vergonha do corpo em 125 estudos;
- vergonha de comer ou em torno da alimentação em 5 estudos;
- vergonha caracterológica em 4 estudos;
- vergonha interna em 16 estudos;
- vergonha externa em 25 estudos;
- vergonha de estado em 6 estudos.
Mais de 95% de todos os estudos foram transversais, que envolvem observar dados de uma população em um ponto específico no tempo e não permitem determinar a causa de algo. Apenas 9 estudos apresentaram associação longitudinal (ocorreu por um maior período de tempo) entre sintomas de transtornos alimentares e vergonha.
A maioria desses estudos longitudinais foi realizada em adolescentes ou universitárias, um deles focado em mulheres com transtornos alimentares e outro em pessoas com doenças crônicas. Seus períodos de acompanhamento variaram entre 1 mês e 3 anos (a maioria em torno de 1 e 2 anos).
A maioria dos estudos foi realizada em adultos, 14 foram realizados em adolescentes (idade média entre 12 e 18 anos) e apenas 1 em crianças (6 a 11 anos).
Os resultados mostraram que a vergonha foi significativamente associada a todos os tipos de sintomas de transtornos alimentares. Porém, como esperado, a vergonha corporal e a vergonha em torno da alimentação foram mais fortemente relacionadas aos transtornos alimentares, já que o controle do peso e da forma corporal estão entre as principais características dessas doenças.
Ao investigar a relação da vergonha com sintomas de anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar, um padrão de associações surgiu, mas houve poucos estudos em cada categoria (especialmente quanto aos sintomas de anorexia), portanto, os resultados devem ser considerados preliminares.
Quanto a possíveis explicações para essa associação com transtornos alimentares, outras evidências científicas explicam que a vergonha torna as pessoas mais vulneráveis a resultados sociais negativos, como a rejeição. Num esforço para evitar essas ameaças, tenta-se mudar a aparência do corpo. Quando esse objetivo é alcançado, é comum sentir-se orgulhoso, mas o contrário leva a mais sensações vergonhosas, gerando um ciclo de vergonha-orgulho.
Assim, parece que as tentativas de controlar a alimentação podem ser usadas para prevenir a vergonha, enquanto que a vergonha também pode ser vista como uma consequência de comportamentos alimentares desordenados que, por sua vez, mantêm o problema, desencadeando novas tentativas de controlar o peso e a forma para regular essa dolorosa emoção.
Investigar a vergonha pode ajudar a entender melhor a etiologia e manutenção dos transtornos alimentares
Por fim, os pesquisadores concluíram que o efeito da associação entre a vergonha e os transtornos alimentares é de tamanho médio a grande, sendo as vergonhas do corpo e em torno da alimentação as mais estreitamente relacionadas com os transtornos alimentares.
No entanto, eles também apontam limitações dos estudos pesquisados, muitos dos quais são de baixa qualidade, de modo que os dados disponíveis parecem limitados para sugerir que a vergonha é mais uma causa de transtornos alimentares, sendo necessárias mais investigações.
De qualquer forma, avaliar a experiência da vergonha pode ajudar a entender melhor as causas e a manutenção dos transtornos alimentares, a percepção das barreiras para a procura de ajuda e, finalmente, como aumentar a acessibilidade dos tratamentos baseados em evidências.
Enquanto aguardamos mais evidências científicas, cuide da sua saúde física e mental, buscando uma relação de paz com a comida e com o corpo e não hesite em buscar ajuda de profissionais especializados e competentes em caso de sofrimento relacionado à alimentação e à forma corporal.
Sophie Deram
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