Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Antibióticos podem ter relação com doença inflamatória intestinal em idosos
Pesquisa apresentada na Digestive Disease Week mostra que o uso de antibióticos pode estar associado a um maior risco de desenvolver doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcerativa) em pessoas idosas.
Digestive Disease Week é o maior encontro internacional de médicos, pesquisadores e acadêmicos nas áreas de gastroenterologia, hepatologia, endoscopia e cirurgia gastrointestinal.
O evento acontece anualmente e recebe o patrocínio conjunto da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD), do American Gastroenterological Association (AGA) Institute, da American Society for Gastrointestinal Endoscopy (ASGE) e da Society for Surgery of the Alimentary Tract (SSAT).
A edição de 2022 aconteceu virtualmente entre os dias 21 e 24 de maio em San Diego, Califórnia. Contou com 3.100 resumos e centenas de palestras sobre os últimos avanços científicos, médicos e tecnológicos envolvendo as doenças do trato gastrointestinal.
Uma das pesquisas, cujo resumo está publicado no Journal of Crohn's and Colitis, foi liderada por Adam Faye (professor assistente de medicina e saúde populacional da NYU Langone Health, de Nova York) e desenvolvida por outros pesquisadores dos Estados
Unidos e da Dinamarca. Eles estudaram a associação entre o uso de antibióticos e o desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais em pessoas idosas.
Qual o impacto do uso de antibióticos no desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais?
As doenças inflamatórias intestinais incluem a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, ambas caracterizadas por uma inflamação crônica no sistema digestório.
A doença de Crohn pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca ao ânus, atingindo múltiplas camadas de suas paredes, de modo que se percebe segmentos inflamados próximos de tecidos saudáveis.
Já a retocolite ulcerativa ocorre no intestino grosso e no reto e aparece como áreas inflamadas contínuas, atingindo apenas a camada mais interna que reveste o intestino.
Diarreia, dores abdominais, fezes com sangue e perda de peso são os sintomas mais comuns.
Até o momento as causas dessas doenças são desconhecidas. Sabemos, no entanto, que os idosos são a população de pacientes com doenças inflamatórias intestinais que mais cresce, bem como que o componente genético e o ambiente influenciam e desempenham um papel significativo no desenvolvimento da doença de Crohn e da retocolite ulcerativa.
Entre as interferências do ambiente, o uso de antibióticos tem sido associado ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais em jovens. Esses medicamentos podem reduzir a diversidade geral de espécies da microbiota intestinal, causar alterações
metabólicas, aumentar a suscetibilidade do intestino a infecções e estimular o desenvolvimento de resistência bacteriana a antibióticos.
Diante disso, o grupo de pesquisadores liderado por Adam Faye resolveu, por meio de um estudo de coorte de base populacional, avaliar o impacto do uso cumulativo de antibióticos no desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais em idosos.
Estudo sobre doenças inflamatórias intestinais contou com banco de dados Nacional da Dinamarca
Os pesquisadores utilizaram um banco de dados nacional da Dinamarca (o Danish National Prescription Register, em tradução livre: Registro Nacional de Prescrição Dinamarquês). A partir dele foi possível ter acesso a informações sobre a exposição a antibióticos de pessoas residentes no país, com mais de 60 anos e recém-diagnosticadas com doenças inflamatórias intestinais, entre os anos de 2000 e 2018.
Os dados forneceram os ciclos de antibióticos, como foram prescritos em relação ao diagnóstico e as classes gerais e específicas desses medicamentos.
Não foram consideradas as prescrições feitas menos de um ano antes do diagnóstico de doença inflamatória intestinal, com o intuito de reduzir a chance de que o uso de antibiótico tenha sido para sintomas de uma doença gastrointestinal ainda não diagnosticada.
O uso de antibióticos, independentemente da classe, foi associado a doenças inflamatórias intestinais
Um total de 2.327.796 de pessoas entre 60 e 90 anos foram incluídas no estudo, das quais 10.773 foram diagnosticados com retocolite ulcerativa e 3.825 com doença de Crohn.
Qualquer uso de antibióticos foi associado ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais, com o risco aumentando a cada prescrição.
Pacientes que receberam uma prescrição apresentaram um risco 27% maior de serem diagnosticados com doenças inflamatórias intestinais. Para quem recebeu duas, o risco aumentou para 55%; para 67% no caso de três e para 96% para quatro prescrições.
Por fim, com cinco ou mais prescrições, os idosos apresentaram mais que o dobro de chances de receberem um diagnóstico de doença inflamatória intestinal em comparação aos participantes sem uso de antibióticos nos cinco anos anteriores.
Um risco mais alto foi observado entre o período de 1 a 2 anos antes do diagnóstico (87%) em comparação com 2 a 5 anos antes do diagnóstico (42%).
Todas as classes de antibióticos foram associadas ao desenvolvimento de doença inflamatória intestinal, incluindo aqueles que não são utilizados para tratar infecções gastrointestinais.
No entanto, os remédios comumente prescritos para infecções gastrointestinais foram os mais prováveis de estarem associados a um diagnóstico de doença inflamatória intestinal, como as fluoroquinolonas, nitroimidazóis e macrolídeos.
Com isso, os pesquisadores acreditam que os fatores ambientais são mais importantes do que os genéticos no caso do desenvolvimento de doenças inflamatórias em idosos. Ou seja, para eles, enquanto os pacientes mais jovens diagnosticados com doença de Crohn e retocolite ulcerativa recebem uma grande influência da genética, no caso dos idosos é o ambiente que interfere mais fortemente no desencadeamento dessas doenças.
É importante considerar o uso de antibióticos no diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais
Em resumo, os pesquisadores concluíram que o uso de antibióticos, independentemente da classe, foi associado a um risco aumentado de desenvolver doenças inflamatórias intestinais em idosos.
Os antibióticos são medicamentos muito importantes no tratamento de diversas doenças. Não é o caso de não utilizá-los quando necessário.
No entanto, esse é mais um estudo que indica cautela na prescrição desses medicamentos, o que já vem sendo alertado pela necessidade de prevenir o desenvolvimento de bactérias multirresistentes.
Mais diretamente, os resultados apontam para a necessidade de se considerar prescrições antecedentes de antibióticos no diagnóstico das doenças inflamatórias intestinais, principalmente na velhice, pois nesta fase da vida essas doenças podem passar despercebidas.
Sophie Deram
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