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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O léxico do luto: palavras fazem toda a diferença; veja o que não dizer

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

27/03/2023 04h00

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Recentemente, eu aprendi, com uma das maiores especialistas em luto no Brasil, a professora Maria Helena Franco, um termo que faz muito sentido e eu já adotei: ela sugere que, ao invés do substantivo "enlutado", a gente use "pessoas em situação de luto", para designar quem está vivendo o processo da perda de alguém querido.

Pode parecer apenas uma simples substituição de expressões com significado semelhante, mas é muito mais do que isso. Palavras mudam tudo e, no caso do luto, tão rodeado de tabus e desinformação, as que podem aliviar o estigma são muito bem-vindas.

A gente fala e ouve sem pensar, mas, como tantas palavras que vêm sendo justificadamente "canceladas" pelo conteúdo nocivo que acarretam, algumas expressões corriqueiras do luto têm o efeito contrário do que o desejado.

Há alguns dias, acompanhei no Twitter um exemplo clássico do mau uso (involuntário) desse léxico inadequado. Um jovem viúvo, claramente devastado, anunciou, naquela rede social, a morte, na véspera, de sua esposa. Seu post recebeu dezenas de comentários de solidariedade. Contei: a imensa maioria desejava a ele "força". Entendo que a intenção seja boa, mas será mesmo que a palavra é essa? Nesse momento de dor intensa, ele quer/precisa ser forte?

A ideia de desejar "força" é de que a pessoa seja capaz de resistir, lutar para não desmoronar, que aguente a dor, sobreviva a ela. Tudo certo, mas não é pedir muito a quem acaba de ver partir o amor da sua vida? Ele não precisa ser forte, precisa ser abraçado, acolhido, confortado. Precisa da permissão para ser fraco. Pode chorar, pode desabar, tá tudo certo. O que está errado mesmo é que, como não aprendemos a falar sobre a morte e o luto, usamos o repertório errado. Como fazer bom uso de um idioma que nunca nos foi ensinado?

No início do ano, a morte da jornalista Glória Maria, em decorrência de um câncer, foi anunciada, divulgada e comentada com uma avalanche de clichês bélicos. A realidade, no entanto, é bem diferente da "guerra" com a qual se tenta descrever situações como as que ela viveu.

Glória Maria se submeteu a diversos tratamentos que adiaram a progressão da enfermidade, mas não foram suficientes para eliminá-la. Chamar o processo, por mais sofrido que seja, de "luta", de "batalha" a ser travada e vencida, para no final chegar a uma "vitória" ou "derrota", não faz sentido para quem a vive ou para os familiares e amigos que acompanham o doente e seus sacrifícios até uma desejada cura.

Não é justo chamar quem se trata de um câncer de "guerreiro". Uma pessoa que se submete a um tratamento penoso não quer ser enaltecida como "guerreira", quer apenas ter sua dor acolhida e respeitada. Ao final de uma jornada que muitas vezes não chega à cura, ninguém merece que se refiram a ele ou ela como "derrotado" por uma doença. Entende o peso dessas palavras?

Não é culpa de quem fala assim, ou da mídia. Nós falamos o que aprendemos e é difícil mesmo encontrar as palavras certas, porque elas dificilmente serão suficientes ou eficazes para fazer aquilo que pretendemos quando estamos diante de alguém em situação de luto (obrigada, Maria Helena!): tirar da frente ou diminuir a dor da pessoa.

Se tivermos plena consciência do poder limitado do que seja lá o que possamos dizer, fica mais simples conter os votos de "força" e mandar um abraço apertado. Melhor do que tentar "matar a tristeza" é aceitá-la. Envie abraços, sentimentos, carinho, flores, amor, bons pensamentos. E se puder, mande também permissão para a pessoa chorar e sofrer sem culpa. É bom saber que alguém sente afeto e empatia nos momentos mais difíceis. Pessoas em situação de luto não esperam que alguém "resolva" sua tristeza. Querem apenas saber que sua dor importa.

Para ajudar a construção de um novo vocabulário, reproduzo aqui um breve manual de expressões que criamos no nosso site que podem ajudar nesse momento.

1. O que NÃO dizer: "Como você está?"

Quando você diz essa frase protocolar é como se você estivesse dizendo: "Por favor, diga que está bem, porque vou me sentir muito desconfortável se você disser que não está". Por isso, diante dessa pergunta, a pessoa provavelmente responderá "estou bem" ou "estou ok", ao invés de realmente expressar os seus sentimentos.

A pergunta é muito válida quando se trata de alguém próximo que você imagina que vá se sentir encorajada a se abrir. Neste caso, você pode perguntar como ela está quando estiver disposta e com tempo para ouvir a resposta.

  • Melhor dizer: "Deve ser realmente difícil para você neste momento". Assim, você reconhece que a pessoa está passando por um momento doloroso e não subestima seus sentimentos, dando a ela a chance de sofrer seu luto sem cobranças.

2. O que NÃO dizer: "Ele/ela está em um lugar melhor"

Neste momento tão perturbador, é melhor tomar cuidado antes de assumir que a pessoa em situação de luto tem ou não algum tipo de crença pós-morte. Essa frase pode desvalorizar a dor que ela está sentindo. O ente querido se foi e não está mais ao seu lado: é isso que é o mais difícil sobre as perdas.

  • Melhor dizer: "Sinto pelo seu sofrimento". Quem perdeu alguém que estava doente pode gostar que seu ente querido não sofra mais, mas isso não torna sua dor menor. Foque em quem está sofrendo naquele momento.

3. O que NÃO dizer: "Diga se há algo que eu possa fazer por você"

Receber muitas ofertas de ajuda pode ser opressor. E coloca sobre a pessoa em situação de luto a responsabilidade de escolher o que pedir a quem.

  • Melhor dizer: "Eu vou ajudar fazendo suas compras de supermercado, levando as crianças para a escola, trazendo o jantar hoje". A gente tende a aceitar ajudas específicas mais facilmente do que ofertas genéricas.

4. O que NÃO dizer: "Você ainda pode..."

Se alguém perdeu um parceiro ou um filho, dizer que ela ainda pode casar outra vez ou ter outro filho pretende fazer com que a pessoa veja algum horizonte melhor mais adiante. No entanto, o que a pessoa entende com essa frase é que quem se foi é substituível e isso toca em um dos seus maiores medos: o de pensar que um dia aquela pessoa amada que se foi não terá a mesma importância.

  • Melhor dizer: "Fale sobre o seu amor". Ao invés de focar no futuro, permita que a pessoa compartilhe memórias do ente amado e seja um ouvinte ativo.

5. O que NÃO dizer: "Eu sei o que você está sentindo"

Embora todos nós, em algum momento, tenhamos uma experiência de perda, ela é sempre absolutamente pessoal. Você nunca sabe o que a pessoa nessa situação está sentindo e sugerir isso pode fazê-la sentir que sua dor é subestimada.

  • Melhor dizer: "Eu posso imaginar o que você está sentindo". É melhor dar a ela a chance de dizer como de fato se sente.

6. O que NÃO dizer: "Isso acontece com todos nós em algum momento"

Sim, a morte é parte da vida e vai nos atingir em determinado ponto. Mas essa frase apenas minimiza a dor da perda que a pessoa está sofrendo naquela hora e não ajuda em nada.

  • Melhor dizer: "Você deve sentir muita falta dele". A perda de uma pessoa é a fonte da dor. Foque nela, ao invés de varrê-la para o lado como se ela fosse apenas um aspecto não negociável da nossa existência.

7. O que NÃO dizer: "Ele (ou ela) ia preferir que fosse assim"

A não ser que a pessoa que partiu tenha deixado instruções claras sobre como desejava o seu funeral, não há como saber as suas preferências. Falar pelo falecido pode gerar discussões desnecessárias entre amigos e familiares que têm diferentes pontos de vista sobre o que a pessoa que partiu realmente queria.

  • Melhor dizer: "Eu gostaria de homenageá-la assim". Use suas próprias memórias sobre a pessoa e prefira falar do relacionamento entre vocês do que falar como a pessoa era de forma absoluta.

8. O que NÃO dizer: "Você está lidando com isso melhor do que eu esperava"

A pessoa pode estar apenas vestindo "uma cara feliz" e sua afirmação pode reforçar a ideia de que ele ou ela não deveriam estar sofrendo tanto pela perda da pessoa amada.

  • Melhor dizer: "Você não deve estar bem, mas isso é ok". Dê a ela a liberdade de se sentir como quiser --mesmo se já houver passado algum tempo desde a morte da pessoa amada, é reconfortante reconhecer que cada momento sem eles pode ser difícil.

9. O que NUNCA dizer: nada

Muitas pessoas não dizem nada à pessoa em situação de luto e nunca mencionam o nome da pessoa que morreu porque se sentem desconfortáveis.

  • Muito melhor: "Lembra quando...?" Uma das coisas que mais ajudam uma pessoa enlutada é dividir a memória de seu ente querido, mesmo quando você não faz parte de seu círculo mais íntimo. Ao falar algo que vivenciou com aquele que partiu, você dá ao enlutado uma perspectiva sobre seu amado que ele não poderia ter de outra maneira. E isso é muito bom.