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OPINIÃO

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Nosso luto pela professora Elisabeth Tenreiro

28.mar.2023 - Alunos e pais penduram homenagem à professora Elisabeth Tenreiro, morta em ataque na escola escola Thomazia Montoro, em São Paulo - Felipe Perreira/UOL
28.mar.2023 - Alunos e pais penduram homenagem à professora Elisabeth Tenreiro, morta em ataque na escola escola Thomazia Montoro, em São Paulo Imagem: Felipe Perreira/UOL

Colunista do UOL

30/03/2023 04h00

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Essa semana começou de luto com a morte da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo. Ela foi esfaqueada por um aluno da escola de 13 anos, na segunda-feira de manhã.

É um país de luto pelas nossas crianças, pelos nossos professores, pela paz perdida, por um futuro comprometido. Meu respeito e solidariedade à família, aos amigos e alunos da professora Elisabeth e a toda a comunidade da Escola Thomazia Montoro.

Em um país onde a violência doméstica contra crianças e adolescentes é altíssima, cresce também os massacres no âmbito escolar e o luto pela perda da segurança na instituição que deveria ser um porto seguro para as crianças e adolescentes brasileiros.

Esse é um fenômeno recente no Brasil. O primeiro ataque a escolas brasileiras foi registrado em 2002, no Colégio Sigma, em Salvador (BA). Um jovem de 17 anos que usava um revólver calibre 38 do seu pai, um perito policial, foi apreendido após matar duas alunas em uma sala. Segundo sobreviventes, o aluno teria feito os disparos porque não havia gostado da pontuação que recebeu em uma gincana.

Depois disso, alguns ataques esporádicos até 2017, quando o ritmo acelerou e foram registrados dois grandes atentados em escolas: No Colégio Goyases, Goiânia (GO), um adolescente de 14 anos tirou da mochila uma pistola calibre 40, que havia pegado de sua mãe, e efetuou uma série de disparos matando dois alunos. O motivo foi bullying.

No mesmo ano, em Janaúba (MG), 13 crianças e funcionários morreram após o segurança Damião Soares dos Santos, 50, incendiar o Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente. O vigia trabalhava no local desde 2008 e não se sabe a motivação do crime, que também deixou mais de 40 feridos.

A partir daí os ataques com mortes ficaram bem mais frequentes, acontecendo a cada um ou dois anos. Por isso tamanho luto. Nossas crianças e adolescentes estão em perigo. E se nós, brasileiros, sentimos esse luto coletivo, as crianças da Escola Estadual Thomazia Montoro estão sofrendo cada uma do seu jeito uma perda tão próxima que poderia até ter sido com elas próprias. Sofrem pela professora Elisabeth e pelo sentimento de desesperança e medo de que viveram compulsoriamente.

Segundo um relatório apresentado durante os trabalhos de transição do governo federal, em dezembro de 2022, os ataques praticados por alunos e ex-alunos "são normalmente associados ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem".

São muitos fatores somados: uma convivência familiar problemática, o acesso a armas carregadas em casa, a influência negativa das redes sociais, a falta de exemplos positivos, a negação dos direitos humanos, tudo isso vai construindo esse cenário que já fez 36 mortes em escolas em 20 anos.

Alguns autores confirmam a força do contexto familiar e social para conduzir as crianças e adolescentes para distúrbios comportamentais e para a criminalidade, ponderando que a violência que as crianças e os adolescentes exercem é, antes de tudo, a que o meio exerce sobre eles.

A família, que também faz parte de um todo da sociedade, contribui para a formação da personalidade e conduta das crianças e dos adolescentes. Os maus tratos e a violência vividos no espaço familiar podem impulsionar violências futuras em que as crianças e adolescentes vão adquirir condutas de acordo com suas vivências.

Entre outros contextos, a escola também se tornou um espaço de violência e insegurança. Trata-se de um fenômeno mundial que grita por um conjunto de soluções onde pais, escolas, professores e instituições públicas atuem em conjunto. É preciso construir uma cultura de paz. É importante que a escola discuta temas como direitos humanos, diversidade, cidadania, responsabilidade social, democracia, ética, justiça, dignidade e solidariedade.

Segundo a doutora em psicologia e professora Ciomara Benincá, o entendimento da morte é difícil em qualquer fase da vida das pessoas, mas as crianças tendem a ter menos ferramentas para enfrentar seus lutos. No caso de massacres em escolas, Benincá fala que o principal complicador é a violência desmedida e o nível de vulnerabilidade em que a escola como um todo foi colocada.

"Sangue, ódio, doença mental não combinam com o espaço escolar, pois nenhum dos atores envolvidos está preparado para defender-se de assassinos naquele que é um ambiente de crescimento e desenvolvimento. Alia-se a essa vulnerabilidade a dor de perder pessoas queridas precocemente. É uma situação sempre muito difícil de lidar, mas que deve ser encarada de frente no coletivo, com muito acolhimento, compreensão e apoio, pois feridas não cicatrizadas tendem a se tornar uma doença muito mais grave e incurável", ressalta a professora, que também é coordenadora do Cepavi (Clínica de Estudos, Prevenção, Intervenção e Acompanhamento à Violência) da Universidade de Passo Fundo.

O ponto em que chegamos pede uma mobilização como sociedade. Uma questão que afeta a cada um de nós através de nossas crianças e adolescentes. Que eles tenham seus direitos preservados. Que onde hoje tem maus tratos e outras violências, elas tenham amor, atenção e segurança. Que seus lutos possam ser elaborados com conversas claras e acolhedoras. E que a escola possa discutir temáticas como o bullying, preconceitos e atitudes discriminatórias, mas que, acima de tudo, seja novamente um espaço de amor e confiança.