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Victor Machado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Jejum de 7 dias de Mayra Cardi: não podemos achar que prática é boa a todos

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Imagem: Getty Images

Colunista do VivaBem

10/05/2021 04h00

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O jejum de sete dias realizado pela influenciadora digital Mayra Cardi chamou recentemente a atenção de muita gente. A ex-participante do BBB disse ter ficado esse tempo sem comer para ter maior conexão espiritual através de oração e estudo bíblico, não por emagrecimento —mas postou foto da barriga definida, o que gerou muitas críticas. Independentemente dos motivos dela, a prática acabou dividindo a opinião de vários profissionais de saúde e praticantes do jejum intermitente.

É importante deixar claro que, de uns anos para cá, o jejum intermitente vem sendo utilizado por vários profissionais de saúde como forma de promover saúde e emagrecimento. Isso é algo que merece nossa atenção, pois muitos utilizam estudos científicos para embasar essa prática como a última maravilha do mundo.

Um estudo muito famoso para defender tais resultados é uma revisão sistemática publicada na revista Science. Porém, ela demonstra que a restrição calórica intermitente, em que você escolhe alguns dias do mês para fazer menos refeições e outros para comer igual você comia antes, gera perda de gordura semelhante a quem segue uma alimentação "tradicional", com restrição calórica e sem jejum. Assim, o artigo indica que o jejum pode ser mais indicado para quem tem boa adesão a esse método, não uma estratégia milagrosa e definitiva para todas as pessoas.

O fato é que, até o momento, existem poucos estudos comparando o jejum com outros métodos de restrição calórica comum. O mais importante é saber que, por enquanto, não temos estudos de longa duração para bater o martelo e definir o jejum como uma estratégia mais eficaz para todos.

Sobre o jejum de 7 dias feito pela influenciadora é importante citar que ela trouxe alguns artigos científicos para embasar seu posicionamento:

1. "Safety, health improvement and well-being during a 4 to 21-day fasting period in an observational study including 1422 subjects" (Segurança, melhora na saúde e bem-estar durante jejum de 4 a 21 dias em um estudo observacional com 1422 indivíduos --em tradução livre);

2. Effects of Periodic Fasting on Fatty Liver Index—A Prospective Observational Study (Efeitos do Jejum Periódico no Nível de gordura no fígado, um estudo observacional prospectivo);

3. Blood Pressure Changes in 1610 Subjects With and Without Antihypertensive Medication During Long‐Term Fasting (Alterações na pressão arterial com e sem medicamento anti-hipertensivo durante o jejum de longo prazo).

Se você for na parte de conflito de interesse desses três artigos, vai observar que todos foram financiados por uma clínica spa chamada Buchinger Wilhelmi, localizada na Espanha e na Alemanha, que vende programas de "jejum terapêutico".

Todos os estudos citam que existe uma ingestão calórica baixíssima, cerca de 250 calorias por dia e que essa ingestão ocorre com acompanhamento médico no spa. Isso demonstra que os artigos, na verdade, não estão falando em jejum intermitente, mas sim de uma restrição calórica severa. Esses estudos também não comparam os métodos da clínica com uma restrição calórica comum. Então, não tem com saber se, de fato, essa é a melhor estratégia para a saúde ou para atingir mais conexão espiritual. Pense bem, como podemos definir que algo é "melhor" sem compará-lo com outro método?

Outro fato é que, como já falei, após o jejum prologando a influenciadora demonstrou os resultados no seu corpo e o quanto sua barriga estava seca, além de ter feito a divulgação de um creme que promete reduzir medidas, o que vai contra a proposta de união do corpo com o espírito. Nesse caso, é importante destacar que ideia não é atacar ninguém, mas refletir o impacto que essas publicações têm para a população geral.

A questão da fome no Brasil é verdadeira e o país está acumulando uma população com cerca de 125 milhões de pessoas que sofrem com insegurança alimentar. O incentivo a ficar sem comer pode ser algo indelicado quando no país há pessoas que sequer têm comida para um dia. Pense que muitas dessas pessoas de baixo perfil sócioeconômico costumam seguir vários influenciadores digitais. Como será que essas pessoas se sentem ao verem essas divulgações?

Tanto a influenciadora como vários dos defensores do jejum disseram que cada um faz o que quer com o corpo e que, se você faz algo que te faz mal, então você tem problemas que precisam ser tratados. Esse comentário é injusto, já que a humanidade por si só é influenciável desde que o mundo é mundo.

Para uma mulher que já tem tendência a transtornos alimentares, ver uma influenciadora com a barriga chapada atribuindo esse resultado ao jejum pode ser sim gatilho suficiente para a piora do seu quadro de saúde. Tudo bem que cada um pode fazer o que quiser com o corpo, mas como se sentem essas mulheres e milhões de pessoas que estão insatisfeitas com o próprio corpo ao verem essas fotos da influenciadora após o jejum de sete dias?

A ideia aqui não é dizer que jejum faz bem ou mal nem atacar uma influenciadora digital, mas refletir quais os impactos das ações que esses influenciadores têm diante de toda uma população com tantas inseguranças. A partir do momento que temos milhões de pessoas acompanhando o seu trabalho, você se torna responsável por tudo aquilo que está sendo publicado no seu ambiente de trabalho ou nas redes sociais, e para lidar com as pessoas é muito importante ter empatia, sensibilidade e responsabilidade social.

Nem tudo se resume a "cada um faz o que quer" ou "não estou te incentivando a nada, só estou mostrando minha experiência".