Pensando com o intestino
Ele tem mais de 500 milhões de neurônios e pode interferir nas suas emoções, imunidade e bem-estar
Está sofrendo com estresse, sono irregular, baixa imunidade e obesidade? Pode ser tudo culpa do seu intestino. E tem mais: ele pode estar interferindo também no seu humor, nas suas emoções e até no seu comportamento. É isso que vêm mostrando estudos recentes sobre o papel do intestino na nossa saúde física e mental (1).
Considerado por médicos e pesquisadores um "segundo cérebro", o órgão abriga mais de 500 milhões de neurônios e pode funcionar sozinho, sem que o cérebro "principal" lhe diga o que fazer. Seu sistema nervoso próprio, chamado entérico, controla diretamente o sistema digestivo, e se comunica com o cérebro "de cima", em uma via de mão dupla (2).
Ele concentra também 50% de toda a dopamina e 80% a 90% de toda a serotonina do organismo, neurotransmissores relacionados ao humor e ao prazer, mas também ao foco e à produtividade (3). E abriga 70% das células do nosso sistema imunológico (4). Por isso pessoas com problemas intestinais estariam mais vulneráveis a doenças comuns, como gripes e resfriados, de acordo com pesquisas recentes.
Quando a bactéria é legal
Os pesquisadores ainda tentam entender de que maneira o intestino age sobre o cérebro, e a chave para esse entendimento pode estar na microbiota, ou flora intestinal, conjunto de bactérias que habita nosso abdômen (5).
São mais de 39 trilhões delas vivendo harmoniosamente em todo o nosso organismo, segundo um estudo publicado este ano pelo Weizmann Institute of Science, de Israel. Só no intestino, são mais de 300 espécies diferentes (4), (6). Essa quantidade é maior do que o número de células do nosso corpo, que fica na faixa dos 30 trilhões, o que dá uma ideia da sua importância.
O que já se sabe é que o intestino pode mandar na cabeça — e vice-versa. Quem tem diarreia ou fica constipado quando está muito ansioso, por exemplo, já sentiu isso na prática. Mas pesquisas recentes estão indo além, e já demonstraram que pessoas com mal de Parkinson, Alzheimer e obesidade abrigam em seu abdômen uma seleção de bactérias diferente das encontradas em pessoas saudáveis. O mesmo acontece com pessoas autistas, que têm déficit de um tipo específico de bactéria, os bacteroides.
Mão dupla
Essa "conversa" acontece não só entre intestino e cérebro. Uma microbiota desregulada tem reflexos dos pés à cabeça. O sintomas mais claros de que algo vai mal no seu intestino são bem conhecidos: gases, flatulência, constipação e diarreia estão entre os mais comuns.
Só a constipação, ou prisão de ventre, atinge cerca de 30% da população brasileira, especialmente mulheres, segundo a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP).
Mas como ele é responsável também pela absorção de nutrientes pelo organismo, seu desequilíbrio pode provocar outros males (6). Imagine que você começa a ter dificuldade para dormir, não consegue relaxar e a concentração vai pro espaço. Culpa do estresse, certo?
Sim e não. Lembra que o intestino é responsável por produzir até 90% da serotonina do nosso organismo? Para isso acontecer, sua alimentação deve ser rica em triptofano — aminoácido encontrado em alimentos como peixes, ovos, castanhas, leguminosas, arroz integral e chocolate amargo, e que é a base do hormônio do prazer.
Uma alimentação pobre dessa substância leva à redução da produção de serotonina, que afeta também a produção da melatonina, hormônio do sono, e pode ter como consequências aumento do estresse e insônia.
Esses distúrbios, por sua vez, impactam ainda mais na saúde do intestino, num ciclo vicioso e prejudicial.
Equilíbrio e diversidade
O primeiro passo para um intestino saudável — e consequentemente para um organismo saudável como um todo — é cuidar da alimentação (7).
Mas não basta ingerir as vitaminas e minerais: é preciso diversificar as fontes de micronutrientes. É como já diziam nossas avós: é preciso comer de tudo.
Vale ficar de olho também em alimentos ricos em probióticos, bactérias benéficas à flora intestinal. Mas como esse tipo de alimento não costuma fazer parte da nossa rotina alimentar — picles, kefir e coalhada são alguns deles —, pode ser feita sua suplementação através de cápsulas (8), (9).
Tudo isso porque também já se provou que quanto mais diversificada a alimentação, mais rica a microbiota.
E quanto mais rica a microbiota, maior a absorção das vitaminas e minerais, em um ciclo — agora sim! — dos mais saudáveis.
Referências bibliográficas
1. Filho RF, Zilberstein B. O óxido nitrico como neurotransmissor no sistema nervoso entérico: fisiopatologia e implicações no íleo adinâmico. Rev Col Bras Cir. 1998; 25 (5): 343- 348.
2. Lake JI, Heuckeroth RO. Enteric nervous system development: migration, differentiation, and disease. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2013; 305(1):G1-G24.
3. Vedovato K, Trevizan AR, Zucoloto CN, Bernardi MDI, Zanoni JN, Martins JVCP. O eixo intestinocérebro e o papel da serotonina. Arq Ciênc Saúde Unipar. 2014; 18(1):33-42.
4. Guarner, F, Malagelada, JR. Gut flora in health and disease. Lancet. 2003; 361(9356):512-519.
5. Wang H, Lee IS, Braun C, Enck P. Effect of Probiotics on Central Nervous System Functions in Animals and Humans: A Systematic Review. J Neurogastroenterol Motil. 2016; 22(4): 589-605.
6. PESTKA JJ. Food, diet, and gastrointestinal immune function. Adv Food Nutr Res. 1993; 37: 1-66.
7. Bernaud FS, Rodrigues TC. Fibra alimentar: ingestão adequada e efeitos sobre saúde do metabolismo. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2013; 57(6):397-405.
8. International Life Sciences Institute- ILSI Europe. Probióticos, prebióticos e a microbiota intestinal. Bruxelas; 2013.
9. Slavin J. Fiber and prebiotics: mechanisms and health benefits. Nutrients. 2013; 5(4): 1417-35.
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