Vencendo a Hemofilia
Data que marca mundialmente a importância de disseminar conhecimento sobre a doença lembra evolução dos cuidados e reforça atenção especializada e atividade física como rotina
A madrugada estava terminando quando o professor, mestre e doutor na área de hematologia, Francisco Careta, 40, alcançou o cume do pico da Bandeira, na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Apesar de já ter conseguido chegar àquele topo outras vezes, era a primeira em que ele acessava a terceira montanha mais alta do País pelo lado capixaba, cujo caminho é mais curto, com 4,5 quilômetros, porém mais íngreme.
Trilhas não são novidade na rotina do Francisco, apesar da hemofilia. Diagnosticado com um ano de idade, ele tem artrose avançada nos dois joelhos e em um dos tornozelos, causada pela doença, mas garante que consegue ter muito mais qualidade de vida desde que começou a fazer o tratamento profilático, que previne as hemorragias. "Sinceramente, eu quase não lembro da hemofilia, pois, praticamente, não tenho mais sangramento", afirma.
Conscientização é fundamental
A história desse paciente está muito distante do imaginário popular relacionado à hemofilia. E é justamente com o objetivo de disseminar conhecimento e aumentar a conscientização a respeito dessa desordem da coagulação que foi criado o Dia Mundial da Hemofilia, celebrado todo 17 de abril. A data é uma homenagem ao aniversário de Frank Schnabel, fundador da Federação Mundial de Hemofilia, que conviveu com a condição. É um marco importante para toda a comunidade de pacientes espalhados pelo mundo e também para os cerca de 13 mil brasileiros que possuem a enfermidade.
A hemofilia é uma doença hereditária crônica, que afeta predominantemente homens. "A pessoa com hemofilia nasce com uma mutação no gene que codifica os fatores VIII e IX, reduzindo a capacidade da coagulação sanguínea e, consequentemente, provocando sangramentos", explica Clarissa Ferreira, médica do Hemocentro do Rio Grande do Sul e mestre em Saúde da Criança e do Adolescente.
Segundo a especialista, normalmente, a doença se manifesta entre os seis meses e um ano de idade, de acordo com o perfil do paciente. "É quando o bebê passa a engatinhar e a aprender a andar que acontecem os primeiros traumas e começam a surgir as primeiras manchas roxas que chamam a atenção dos pais", diz. Apesar de não serem graves, essas marcas podem ser um indicativo de hemofilia e devem servir como alerta para que os familiares iniciem o acompanhamento com um hematologista, médico que cuida da desordem.
A evolução do tratamento
O tratamento profilático consiste na reposição dos fatores VIII ou IX e é feito por meio de injeções intravenosas, com doses personalizadas, de acordo com a necessidade de cada paciente. É importante que seja iniciado ainda na infância, a partir do primeiro episódio de sangramento. "A recomendação formal do protocolo do Ministério da Saúde é que a terapia comece após a primeira hemartrose, que é o sangramento dentro da articulação", relata. Mas, segundo a especialista, na prática, o início do tratamento pode ser antecipado, dependendo do entendimento dos pais. "Quando eu percebo que a família está organizada, entendeu o que é a doença e seu mecanismo e se estruturou para fazer as infusões, já acho possível começar a tratar", explica.
Apesar de ter sido diagnosticado com um ano de idade, a primeira ocasião em que Francisco recebeu o Fator VIII intravenoso foi aos 10. No entanto, o tratamento profilático começou apenas quando ele já estava com 31 anos. "Na época, o tratamento disponível no Brasil estava presente apenas nas grandes cidades. Como minha família morava em Castelo, interior do Espírito Santo, precisávamos fazer uma viagem de 450 quilômetros até o hemocentro do Rio de Janeiro, por isso eu tratava aproximadamente um a cada dez sangramentos", conta. De acordo com o professor, sua infância foi marcada por muito zelo e preocupação por parte dos pais e um controle rígido para que não se machucasse. Ele não podia participar das aulas de educação física e nem de brincadeiras de rua comuns para garotos da sua idade. "Como não tínhamos acesso ao tratamento, meus pais cuidavam para que eu não fizesse qualquer atividade que oferecesse o mínimo risco que fosse. Mas eu confesso que fui brincar escondido deles algumas vezes nas ruas", diverte-se.
A Dra. Clarissa explica que a recomendação sobre a prática de exercícios pelos pacientes com hemofilia mudou ao longo do tempo e hoje é fundamental. "Essa orientação vem sendo atualizada constantemente. Se, antes, os médicos pediam para que as pessoas com a doença evitassem as aulas de educação física e a prática de esportes, hoje sabemos que se exercitar é importante para o fortalecimento muscular, fundamental para a proteção da articulação quando houver qualquer impacto". Para Francisco, que frequenta academia pelo menos três vezes por semana, a musculação ajuda aliviar as dores da artrose. "Tento sempre me manter ativo. Infelizmente, por conta da pandemia, diminuí o ritmo e já percebo certo incômodo".
É evidente o aumento da qualidade de vida das pessoas com hemofilia no Brasil. A partir da disponibilização do tratamento profilático pelo SUS, em 2011, os pacientes têm conseguido adquirir um controle maior sobre a doença. "Hoje, muitos indivíduos já têm acesso à medicação adequada e têm a possibilidade de fazer a infusão em casa, conquistando independência para que consigam realizar qualquer atividade com a segurança necessária", conta a especialista, lembrando que as crianças atualmente ainda conseguem ter o tratamento individualizado que não existia na infância de Francisco. "Nós já aprendemos muito com a profilaxia, como podemos adaptá-la pensando nas necessidades de cada paciente. Se o menino gosta e quer jogar futebol, por exemplo, é possível recomendar a dose de profilaxia adequada imediatamente antes do início da atividade. E, caso ele se machuque, pode fazer uma dose de reforço até solucionar o problema. Mesmo que ele apresente um sangramento, será menor e vai estar mais controlado", esclarece Dra. Clarissa.
Ajuda especializada
Para Francisco, que cursou ciências biológicas e concluiu sua formação com especialização na área de hematologia e possui dois canais no YouTube onde fala sobre hemofilia, a falta de informação sobre a doença é uma das principais causas de complicações que poderia ser evitada. "Os pais dos pacientes precisam entender que quanto mais eficiente for a profilaxia mais qualidade de vida haverá. Infelizmente ainda vemos crianças com lesão de articulação, porque falta informação para famílias menos instruídas".
A médica concorda com o professor e reforça: "Além do desconhecimento é preciso combater a demora em procurar um profissional de saúde. Percebemos que alguns pais têm receio de receber o diagnóstico e por isso acabam atrasando a visita ao especialista. Mas é muito importante identificar a hemofilia o quanto antes para começar o tratamento, evitando e prevenindo muitas situações de riscos e de maior gravidade. Os pais devem ficar muito alertas aos sintomas e buscar atendimento em qualquer sinal de desconfiança, qualquer manifestação suspeita", conclui.
Além de aderir ao tratamento profilático e ter o acompanhamento do hematologista, o paciente com hemofilia deve contar com uma equipe multidisciplinar de cuidados, composta por enfermeiro, fisioterapeuta, ortopedista e psicólogo. "São profissionais preparados para lidar com as questões que envolvem as articulações, e o atendimento psicológico faz o paciente se sentir mais seguro e menos ansioso em relação aos sangramentos", elucida Clarissa.
Aos pais que acabaram de receber o diagnóstico de um filho e aos pacientes em geral, Francisco deixa uma mensagem: "Aprendam o máximo possível sobre a doença para que consigam entender os limites, busquem o tratamento mais adequado, fortaleçam a musculatura, pois é isso que leva ao empoderamento do paciente", finaliza.
Passo a passo do cuidado: iniciativas incentivam pacientes a se exercitarem
Com o objetivo de incentivar pacientes com hemofilia a incorporar hábitos mais saudáveis no seu dia-a-dia, a biofarmacêutica Takeda criou o Global Challenge, desafio por meio do qual enfermeiros ou outros profissionais de saúde dos hemocentros são encorajados a montar um time com até seis pacientes e incentivá-los a fazer e registrar suas atividades físicas, qualidade do sono, alimentação, humor e níveis de energia.
A segunda edição do evento, que foi lançado em 2019, conquistou resultados além do esperado. Apesar das restrições impostas pela pandemia, participaram da campanha, no último mês de novembro, 25 grupos de pacientes, liderados por profissionais de saúde dos principais hemocentros do Brasil.
Dos 25 grupos de brasileiros, 12 (48%) superaram a marca de 1 milhão de passos. Juntos, eles somaram 49 milhões de passos. As equipes registraram suas atividades na plataforma Virgin Pulse, além de responderem questionários antes e depois do desafio. Cinquenta e sete por cento dos participantes reportaram alto nível de energia - versus 39%, antes do desafio - e 63% passaram a se exercitar quatro ou mais vezes durante a semana, enquanto, anteriormente, essa frequência era menor, de 48%.
Para Abner Lobão, Diretor Executivo de Medical Affairs da Takeda no Brasil, o engajamento dos participantes, como já havia ocorrido na versão anterior do Global Challenge, foi excelente. "Tivemos uma ótima resposta", diz. "A grande recompensa é a mudança na qualidade de vida dos pacientes."
C-ANPROM/BR/ADV/0026 Abr21 - Material destinado ao púbico geral
Canal Papo Sangue Bom criado por Francisco Careta
Francisco falando sobre o Dia Mundial da Hemofilia no Instagram
Outras fontes confiáveis de informações sobre a doença:
Federação Brasileira de Hemofilia
Federação Mundial de Hemofilia
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