Câncer de esôfago: agressivo e frequente entre homens, é curável
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
05/04/2022 04h00
Por trás das advertências de médicos e cientistas sobre a importância de adotar um estilo de vida saudável, o que pressupõe deixar de lado hábitos como fumar e beber em excesso, manter o peso equilibrado e praticar algum tipo de atividade física, está a relação com um dos tumores mais graves e agressivos: o câncer de esôfago.
Também conhecido como câncer esofágico, ele pode acometer qualquer pessoa, mas é muito mais comum entre os homens, especialmente após os 50 anos. Com baixa taxa de sobrevivência, no Brasil ele é o 6º mais frequente no grupo masculino, é o 15º entre as mulheres, e ainda ostenta o 8º lugar entre os tumores mais frequentes em todo o mundo.
Embora tenha dois subtipos predominantes: o adenocarcinoma e o carcinoma epidermoide escamoso, este último é o responsável por 96% dos casos. A novidade é que o adenocarcinoma vem avançando progressivamente no país e no globo, dados os fatores de risco a ele relacionados: a obesidade, a doença do refluxo gastroesofágico e o esôfago de Barret.
Quando diagnosticado precocemente, esse tumor pode ser curado. Assim, a sugestão dos especialistas é não ignorar os sintomas relacionados e buscar avaliação médica o quanto antes.
Entenda esse tipo de tumor
O câncer é uma multiplicação descontrolada e desorganizada de células que possuem DNA alterado. Quando elas se formam no esôfago, órgão do tubo digestivo que conecta a faringe (garganta) ao estômago [esse órgão inicia no pescoço, passa por todo o tórax e termina na entrada do estômago], elas são definidas como câncer de esôfago.
Conheça os tipos mais comuns
Existem dois subtipos principais desse tumor, cujos nomes indicam o tipo de células cancerosas, mas também se relacionam às áreas de tecido do esôfago em que elas se localizam. Confira:
Carcinoma epidermoide (é também chamado de carcinoma de células escamosas ou espinocelular) - na maioria das vezes, aparece nas regiões mais próximas à garganta (2/3 superiores), cujo tecido (epitélio/mucosa) é chamado de pavimentoso estratificado: as células locais têm o formato de várias camadas planas;
Adenocarcinoma - geralmente aparece na parte inferior (1/3 inferior), na transição do esôfago para o estômago, onde o tecido local é chamado de colunar. Ali, as células são uma camada única e têm a forma cilíndrica, como uma coluna.
Quais são as causas desse tumor?
Assim como todos os cânceres, a sua origem é genética e sofre influência de fatores ambientais e hábitos de vida como o tabaco, o álcool, a obesidade, o sedentarismo, etc. Mais raramente, pode se relacionar a alguma predisposição hereditária (cerca de 10%).
Além disso, os fatores de risco podem ser diferentes, a depender do subtipo de câncer de esôfago. Veja quais são eles:
Carcinoma de células escamosas
- Uso de álcool
- Uso de tabaco
- Infecção por HPV
- Ingestão de soda cáustica (acidental ou provocado)
- Ingestão de bebidas [como chá ou chimarrão] em temperaturas acima de 65°C
- Exposição a agentes químicos ou poeira em ambientes profissionais
Adenocarcinoma
- Refluxo gastroesofágico
- Esôfago de Barret (refluxo crônico pode evoluir para essa enfermidade)
- Obesidade
Como reconhecer os sintomas?
Os mais frequentes são a dificuldade ou dor para engolir algum alimento sólido (disfagia) e perda de peso. As outras possíveis manifestações são as seguintes:
- Dor torácica
- Rouquidão
- Tosse
- Azia ou indigestão
- Refluxo gastroesofágico
- Halitose (mau hálito)
- Sangue no vômito
- Fezes escurecidas
Quem precisa ficar mais atento?
De acordo com a oncologista clínica Luiza Dib, do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, embora essa enfermidade possa acometer qualquer pessoa, ela é duas vezes mais frequente entre os homens, especialmente em idades entre 50 e 60 anos, e o subtipo de tumor que mais tem aparecido nessa população é o adenocarcinoma.
"Essa apresentação da doença está associada ao refluxo gastroesofágico, mas também a outras condições como a obesidade e o sedentarismo, que seguem avançando no país.
Já a relação do carcinoma de células escamosas com o abuso do álcool e do tabaco, colocam pessoas que se encaixem nesse perfil entre os mais suscetíveis à doença", esclarece a especialista.
Quando é a hora de procurar o médico?
Em sua fase inicial, esse tipo de câncer não apresenta sintomas, mas segundo o médico Luiz Ernesto de Almeida Troncon, professor da Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da USP de Ribeirão Preto, o sinal de alerta que faz as pessoas a buscarem ajuda imediata é a dificuldade de engolir, ou mesmo o entalo de algum alimento sólido na região, situação difícil de ser ignorada.
"Infelizmente, na maioria das vezes, essa manifestação indica que a doença já progrediu", fala Troncon.
Em geral, quem faz a primeira avaliação desses casos é o generalista (clínico geral), o gastroenterologista e até mesmo o otorrinolaringologista. A depender do diagnóstico, posteriormente, esses pacientes serão encaminhados para o cirurgião oncológico e o oncologista clínico.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico vai ouvir a sua queixa, coletar informações sobre seu histórico de saúde e fará o exame físico, que poderá incluir a identificação da presença de sinais indiretos, como a presença de linfonodos no pescoço ou axilas.
O profissional da saúde também solicitará um exame fundamental que é a endoscopia digestiva alta, para avaliar a região. Caso alguma lesão seja identificada durante o procedimento, já será coletado material (biópsia) para que se faça outro exame, o exame anátomo-patológico, que pode confirmar o diagnóstico.
O próximo passo é identificar a fase da doença, o que é chamado pelos médicos de estadiamento. Aqui, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e a ultrassonografia endoscópica, entre outros, serão úteis.
Como é feito o tratamento?
Ele é sempre personalizado porque variará conforme a gravidade (estágio) da doença, e as condições gerais de saúde de cada pessoa. Geralmente é necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar, e as estratégias terapêuticas que os médicos têm à disposição são as descritas abaixo. O mais comum é que se combinem duas ou mais dessas modalidades:
- Cirurgia
- Radioterapia
- Quimioterapia
- Imunoterapia (somente na assistência privada e para pacientes selecionados)
- Cuidados paliativos
Nos estágios iniciais, a indicação pode ser a cirurgia curativa ou endoscópica (a lesão já é retirada durante o exame endoscópico). A combinação de quimioterapia e radioterapia, seguida de cirurgia, e considerado o tratamento mais indicado nos tumores localizados. Para os não candidatos à cirurgia, a quimioterapia associada à radioterapia pode ser a opção.
Nos casos mais avançados, a quimioterapia isolada pode trazer melhora dos sintomas.
Entenda como é feita a cirurgia
A técnica mais utilizada é a esofagectomia, que é considerada uma cirurgia de grande porte, cuja duração pode ser de cerca de 6 horas e é feita sob anestesia geral.
Ela pode ser realizada por meio de laparoscopia ou ser aberta, e envolve as regiões torácica, cervical e abdominal. O tempo estimado de internação é de 7 dias, caso não sobrevenham complicações. A explicação é do cirurgião oncológico Leonardo Barreto, chefe da unidade de hemato-oncologia do Huol-UFRN , que integra a rede Ebserh.
"Como a intervenção é feita próxima a áreas nobres como o a coluna, os pulmões, o coração, a traqueia e os brônquios, além da artéria aorta e a veia cava, as complicações do procedimento podem ser graves. A principal e a mais temida, é a fístula —uma vazamento da emenda feita entre o esôfago, na garganta, com o tubo gástrico, podendo levar a uma condição grave, a mediastinite", completa o especialista.
O que esperar do tratamento?
Nos dois tipos de câncer de esôfago, o prognóstico do tratamento depende do estágio da doença. Quando ela é diagnosticada em suas fases iniciais, há chance de retirada completa da lesão e cura. Assim, evite ignorar sintomas que podem indicar a presença dela, e não adie uma consulta médica para avaliar a causa dessas manifestações.
De modo geral, 20% dos pacientes obtêm sucesso no tratamento. Nos quadros iniciais, esta taxa é de 80%.
Dá para prevenir?
Embora nem sempre seja possível prevenir o câncer, adotar um estilo de vida saudável, livre dos fatores de risco como uso excessivo de tabaco, álcool, obesidade e sedentarismo, pode ajudar a reduzir a chance de vir a ter essa enfermidade. Para evitar infecções pelo vírus do HPV, é possível vacinar-se e também usar preservativos.
Fontes: Leonardo Barreto, cirurgião oncológico, chefe da unidade de hemato-oncologia do Huol-UFRN (Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalres); Luiz Ernesto de Almeida Troncon, professor da Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); e Luiza Dib, oncologista clínica do Hospital Sírio-Libanês de Brasília e coordenadora da pesquisa clínica da mesma instituição. Revisão técnica: Leonardo Barreto.
Referências: Inca (Instituto Nacional do Câncer)/Ministério da Saúde; Recio-Boiles A, Babiker HM. Esophageal Cancer. [Atualizado em 2021 Jul 21]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459267/.