Câncer de laringe: descoberto em fase inicial, tem alta chance de cura
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
04/10/2022 04h00
Entre os cânceres que podem acometer a cabeça e o pescoço, termo que os médicos utilizam para se referir aos tumores que podem aparecer nas regiões da boca, nariz, seios nasais, faringe (garganta), entre outras, o câncer de laringe —o órgão da fala—, é considerado um dos mais comuns.
Esse tipo de tumor pode se manifestar em homens e mulheres, no entanto é mais frequente no grupo masculino com idade superior a 40 anos, bem como na população afrodescendente quando comparada à branca.
A doença é responsável por cerca de 25% de todos os cânceres que aparecem na região, e representa 2% de todas as doenças malignas. Os dados são do Inca (Instituto Nacional do Câncer).
Tabagismo e etilismo são considerados os principais fatores de risco para essa enfermidade que tem, entre seus primeiros sintomas, a modificação da voz, situação que grande parte dos pacientes ignora. Esta é a razão pela qual muitos casos só são diagnosticados nas fases mais avançadas da doença. Apesar disso, os médicos garantem: quando o diagnóstico é feito na fase inicial do tumor, a chance de cura é alta.
Entenda o que é câncer de laringe
A doença decorre da multiplicação e do crescimento desordenados das células. Quando isso acontece na laringe, a enfermidade é definida como câncer de laringe. A laringe é também conhecida como o órgão da voz, e ela é dividida em três áreas: supraglote, glote e subglote.
De acordo com o Inca, cerca de 2/3 dos tumores aparecem nas próprias cordas vocais que se encontram na glote, e 1/3 deles acometerão a parte superior das cordas vocais (laringe supraglótica).
Embora existam vários subtipos (histológicos) de câncer de laringe, o mais comum é o carcinoma das células escamosas (que também pode ser chamado de carcinoma epidermoide ou espinocelular) —representando mais de 90% dos casos. Essa denominação se deve ao fato de que as lesões acometem os tecidos epiteliais (mucosa) que revestem a região.
De acordo com a oncologista Cristina Herrera, professora do curso de medicina da PUC-PR, existe uma explicação para isso: "Esse tipo de câncer é mais visto em processos inflamatórios crônicos causados por agressões constantes que resultam em alterações celulares. Estas, com o passar do tempo, se transformam em lesões cancerígenas".
Por que isso acontece?
O hábito de fumar é considerado a causa principal desse tipo de tumor porque ele, em 70% a 95% dos casos, está associado ao seu aparecimento —inclusive entre pessoas que são ex-fumantes.
São também tidos como fatores de risco as seguintes condições:
- Consumo exagerado de álcool
- Idade avançada
- Dieta pobre em legumes e verduras
- Infecção por HPV
- Exposição a agentes tóxicos, inclusive profissional (amianto, tintas, substâncias utilizadas na indústria e agropecuária, além de gases de derivados do petróleo, entre outros)
- Exposição à radiação
- Histórico familiar
- Fatores genéticos
Quem precisa ficar mais atento?
O câncer de laringe pode acometer homens e mulheres, mas está presente, em maior proporção, no grupo masculino e na população afrodescendente, especialmente após os 40 de idade.
Saiba como reconhecer os sintomas
Como esse tipo de tumor aparece na região das cordas vocais, alterações na voz, como a rouquidão, são consideradas as primeiras possíveis manifestações desse câncer. Mas podem estar presentes outros sintomas.
Confira:
- Dor ou dificuldade para engolir
- Dificuldade para respirar (casos mais graves)
- Dor de ouvido ou de garganta
- Tosse persistente
- Nódulos no pescoço
- Perda de peso sem motivo aparente (nos estágios mais adiantados da doença)
- Dificuldade para engolir alimentos e bebidas
- Aspiração de alimentos ou partículas dele para a traqueia (região abaixo da laringe) e pulmões
Quando é a hora de procurar ajuda médica?
Como a alteração da voz é a principal manifestação do câncer de laringe —um sintoma comum a outras doenças—, Hilton Marcos Alves Ricz, professor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP, sugere que você procure atendimento médico quando este sintoma não passar em 2 ou 3 semanas seguidas, período do restabelecimento de uma infecção viral, por exemplo.
"Esse tempo de duração do incômodo é um sinal de alerta de que o problema merece ser investigado, especialmente quando a ele se somam outros fatores importantes como ser homem, tabagista e já ter mais de 40 anos", acrescenta Ricz.
O especialista treinado para avaliar o quadro é o otorrinolaringologista ou o cirurgião de cabeça e pescoço, mas o clínico geral (ou generalista) também poderá examiná-lo. A atuação do oncologista, geralmente, acontecerá em um segundo momento, quando houver suspeita de câncer.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico ouvirá sua queixa, levantará seu histórico pessoal e familiar de saúde, e ainda realizará o exame físico para identificar eventuais nódulos na região do pescoço.
O profissional também observará a laringe por meio de um exame chamado laringoscopia, que é feito com um aparelho que possui uma câmera que permite visualizar a região por dentro e ainda verificar a mobilidade das cordas vocais.
A prática também permite realizar biópsia, ou seja, a retirada de uma amostra do tecido para exame (histopatológico). Com o resultado em mãos, o médico poderá fechar o diagnóstico.
Entenda o que são exames de estadiamento
Uma vez confirmado o diagnóstico, começa uma nova etapa de avaliações que ajudarão o médico a conhecer a extensão da doença. Os especialistas se referem a elas como exames de estadiamento.
O oncologista clínico Rafael Caires Alvino de Lima, do HC-UFPE, esclarece que esses exames permitem fazer uma varredura no organismo.
"Trata-se de um mapeamento geral do paciente para identificar o tamanho da lesão, a presença de linfonodos [gânglios linfáticos] e metástases em órgãos distantes. No caso do câncer de laringe, o órgão à distância mais comumente afetado é o pulmão", diz.
Os exames de imagem solicitados para esse fim são: tomografia (cabeça, pescoço e tórax), ressonância magnética (cabeça e pescoço) e PET/CT.
Saiba como é feito o tratamento
O objetivo terapêutico, nas fases iniciais, é remover o câncer e prevenir que ele se espalhe para outras partes do corpo.
As estratégias que os médicos têm à disposição se fundamentam nos seguintes pilares: cirurgia, radioterapia, quimioterapia e, mais recentemente, imunoterapia. Veja as possíveis indicações de tratamento, a depender da gravidade/estágio da doença:
Tumor em estágio inicial: indica-se cirurgia/radioterapia para a sua remoção.
Lesão não inicial: quimioterapia/radioterapia ou laringectomia —cirurgia para retirada parcial ou total do órgão (a ideia é preservá-lo o quanto possível).
Lesão grande, que já se expandiu para os linfonodos do pescoço ou outras regiões do corpo: podem ser indicadas quimioterapia e/ou radioterapia para preservação da voz. Quando esta não é uma opção, a região é removida completamente. Considerada uma intervenção agressiva e de alta complexidade, essa prática leva à perda da voz e à necessidade de uma traqueostomia (abertura na traqueia, região abaixo da laringe) para facilitar a respiração.
Tumores mais avançados: quimioterapia e imunoterapia são os tratamentos sistêmicos indicados. A depender da gravidade do quadro, o tratamento paliativo também pode ser considerado, evitando-se tratamentos mais agressivos para garantir ao paciente melhor qualidade de vida.
Terapias de apoio
O tratamento do câncer de laringe requer a atuação de uma equipe multidisciplinar, que inclui, além de especialistas em otorrinolaringologia e cirurgiões da cabeça e pescoço, oncologistas, nutricionistas, fonoaudiólogos e até dentistas.
No pós-operatório, é muito importante promover a reabilitação do paciente para melhorar a fala, a deglutição e a mastigação, além de oferecer orientações sobre como alimentar-se para garantir o consumo de nutrientes necessários.
Mesmo para quem teve a retirada total da laringe, a reabilitação da voz é possível por meio de próteses. Em todo o Brasil, já existem vários grupos de laringectomizados que organizam corais, como o Grupo Sua Voz, do A.C. Camargo Center, em São Paulo.
O que esperar do tratamento?
O resultado dependerá de diversas variantes como as características da doença e seus níveis de invasão, idade do paciente, condições gerais de saúde e do seu monitoramento, que deverá ser constante. A razão para isso é que o câncer de laringe tende a reaparecer algum tempo após o tratamento com intuito curativo.
Apesar disso, os especialistas afirmam que pacientes diagnosticados nos estágios iniciais da doença têm chance de cura de 75% a 95%, o que significa um bom prognóstico comparado a outros tipos de câncer.
De modo geral, 65 pessoas, em cada 100, vão sobreviver 5 anos ou mais após o diagnóstico. Cerca de 50, em cada 100 delas, viverão por 10 anos ou mais.
Quais são as possíveis complicações?
Esse tipo de câncer pode ter como consequência as seguintes condições:
- Perda da voz e da habilidade de falar
- Obstrução das vias aéreas
- Dificuldade para engolir
- Alterações da aparência do pescoço e da face
- Endurecimento da pele do pescoço
- Avanço da doença para outras regiões do corpo (metástase)
Dá para prevenir?
Nem sempre é possível prevenir o surgimento de um tumor, mas você pode reduzir as chances de vir a ter um câncer de laringe adotando hábitos de vida saudáveis, como evitar o tabaco e bebidas alcoólicas, além de ter uma dieta variada e rica em nutrientes, exercitar-se regularmente e reduzir o estresse.
Considere colocar em prática as seguintes medidas:
- Evite fumar
- Limite ou evite o consumo de bebidas alcoólicas
- Fuja do tabagismo passivo
- Use a voz de forma moderada, evitando falar alto e sem pausas
- Vacine-se contra infecções por HPV
- Use EPI (Equipamento de Proteção Individual), caso atue em profissões que o exponha a agentes tóxicos.
Fontes: Ana Cristina Herrera, médica cirurgiã-oncologista, com mestrado e doutorado em patologia; integra o corpo clínico da Clínica Pro Onco, do grupo Oncoclínicas e é professora do curso de medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), campus Londrina; Hilton Marcos Alves Ricz, professor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); Rafael Caires Alvino de Lima, oncologista clínico com formação pelo Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), atua no HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). Revisão médica: Rafael Caires Alvino de Lima.
Referências: Inca (Instituto Nacional do Câncer); Koroulakis A, Agarwal M. Laryngeal Cancer. [Atualizado em 2022 Mar 15]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK526076/.