Câncer na bexiga: sangue na urina é sintoma comum; fumar é fator de risco
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
20/09/2022 04h00
Muitas pessoas desconhecem que alguns tipos de câncer podem estar relacionados a determinadas profissões. Este é o caso do câncer de bexiga. O tabagismo figura em primeiro lugar entre os fatores de risco para a doença, mas existem cerca de 30 atividades laborativas que aumentam a chance de vir a ter esse tumor. O que essas práticas têm em comum é que elas expõem os trabalhadores a agentes químicos industriais e orgânicos todos os dias.
Embora as causas dessa enfermidade ainda não tenham sido totalmente esclarecidas, sabe-se que ela é mais frequente entre pessoas com idade superior a 60 anos e, no Brasil, estima-se que, no período entre 2020 e 2022, ele afetará 7.500 homens e 3.050 mulheres ao ano.
Além disso, esse câncer é considerado o 7º mais incidente na população masculina, e é o 14º entre as mulheres. Os dados são do Inca (Instituto Nacional do Câncer).
Boa parte desses casos poderiam ser prevenidos com medidas preventivas como deixar de fumar e usar EPI (Equipamento de Proteção Individual), mas os médicos esclarecem que quando o tumor é diagnosticado em sua fase inicial, ele é passível de cura.
A principal estratégia terapêutica é a cirurgia. Nos quadros mais avançados, essa intervenção poderá ser associada à quimioterapia e à imunoterapia.
Entenda o que é o câncer de bexiga
A doença decorre da multiplicação e do crescimento desordenados das células. Quando isso acontece na bexiga, a enfermidade é definida como câncer de bexiga.
Existem vários tipos de tumor nessa região, mas o mais comum é o carcinoma urotelial, o que representa 90% dos casos. Ele tem esse nome porque se manifesta a partir das células uroteliais, ou seja, os tecidos que recobrem as membranas dessa região.
Por que isso acontece?
Até o momento não foi esclarecido totalmente a causa do câncer de bexiga, mas os cientistas já identificaram alguns fatores que aumentam as chances de que ele apareça. Confira a seguir:
- Genética e/ou herança familiar
- Tabagismo
- Exposição profissional a agentes químicos industriais e orgânicos
- Uso de determinados medicamentos (pioglitazona, fármaco indicado para diabéticos, por exemplo)
- Fitoterápicos como os da família da Aristolochia
- Arsênio
- Baixa ingestão de líquidos
- Irritações (cálculos na bexiga) ou infecções do órgão crônicas (não tratadas)
- Histórico de tumor local
- Exposição radioterápica na região pélvica
- Alguns quimioterápicos
- Atividades profissionais relacionadas
São 28 profissões, mas as principais são aquelas que expõem os trabalhadores ao uso de componentes químicos como as aminas aromáticas, cujo exemplo é a anilina (benzenoamina ou fenilamina), muito utilizada na área têxtil para tingimento.
Outros exemplos de atividades associadas são aquelas que se dedicam à produção de borracha, couro, tinta e impressão, sapatos, móveis e até mesmo o cabeleireiro (provavelmente pela alta exposição às tinturas de cabelo) e motoristas de caminhão, estes mais suscetíveis à fumaça do diesel.
De acordo com a Sociedade Americana de Câncer, a união entre tabagismo e alguma dessas profissões, aumenta, ainda mais, o risco para a doença.
Como reconhecer os sintomas?
O principal sintoma de câncer na bexiga é a presença de sangue na urina, o que é definido pelos médicos como hematúria. Quando visível a olho nu, a manifestação é chamada de hematúria macroscópica, o que sinaliza casos mais graves. Pode ocorrer também de o sangramento ser invisível a olho nu (hematúria microscópica).
O médico Matheus de Aquino Moreira Guimarães, oncologista clínico, explica que embora o sangramento visível assuste, ele não significa, necessariamente, um quadro avançado —ou seja, a presença de metástase.
"Na verdade, ele se associa a um sinal precoce do tumor, o que é o mais comum. O perigo é que esse sangramento pode ser intermitente, ou seja, aparece e desaparece de forma espontânea e a pessoa deixa para lá. E é justamente este comportamento que pode agravar, ainda mais, o quadro", completa o especialista.
Conheça as outras possíveis manifestações:
- Urgência urinária
- Aumento da frequência urinária
- Ardor ao urinar
- Dor lombar
- Infecções
- Fadiga
- Perda de peso
- Presença de massa na região pélvica
Quem precisa ficar atento?
Este tipo de câncer é mais comum entre homens, e o risco dele se manifestar aumenta com o avanço da idade. Por esta razão, a doença é mais frequente entre pessoas com idade superior a 55-60 anos.
Além disso, de acordo com estudos internacionais, o tumor acomete mais indivíduos brancos que os afrodescendentes, e também existem mais casos em países em desenvolvimento. Em locais nos quais a doença também tem como causa infecções por esquistossomose, o número de casos é 2 vezes maior, quando comparado a regiões desenvolvidas.
Quando é a hora de procurar ajuda médica?
Como não existe um teste preventivo para detecção do câncer de bexiga, a presença do sangue na urina é considerada o sinal de alerta que indica a necessidade de se submeter a uma avaliação médica, principalmente se você é idoso e é (ou foi) tabagista.
De acordo com o médico Rafael Ribeiro Meduna, urologista do Hospital A.C. Camargo Center, esses sintomas são os mesmos de outras doenças, como a infecção urinária, as pedras nos rins, a bexiga hiperativa e o aumento de próstata.
"Exatamente por abranger tantas possibilidades esse sangramento nunca deve ser desprezado. Daí ser importante buscar ajuda especializada para que seja possível investigar a real causa do sintoma e estabelecer seu tratamento", aconselha Meduna.
O médico treinado para fazer essa avaliação é o urologista, mas o clínico geral também poderá examiná-lo e, eventualmente, fazer o encaminhamento para o especialista.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico deve fazer o levantamento da sua queixa, do seu histórico familiar e de saúde, além do exame físico.
O especialista também solicitará exames de urina e de imagem, como o ultrassom, a tomografia ou a ressonância magnética, e ainda poderá pedir um exame chamado cistoscopia e biópsia.
A cistoscopia, que permite a visualização da região urinária, é considerada o exame padrão ouro para o início do tratamento do câncer de bexiga. Isso porque todas as lesões cancerígenas necessitam de uma análise de seus tecidos, o que é feito por meio da biópsia e da avaliação histológica.
Por vezes, já durante esse procedimento, o médico poderá realizar a ressecção endoscópica da lesão, ou seja, a retirada do tumor.
Como é feito o tratamento?
Ele variará, a depender de determinadas condições como a lesão ter invadido ou não a camada muscular do órgão, além das condições gerais de saúde do paciente, bem como sua idade.
Veja quais são as opções terapêuticas disponíveis, de acordo com os possíveis quadros apresentados:
Tumor que afeta apenas a parte superficial da bexiga, ou seja, a camada mais em contato com urina (estadiamento I) - o tratamento indicado é a ressecção endoscópica. Trata-se da primeira opção, e pode até ser definitiva. Em alguns casos, após o tratamento cirúrgico, podem ser associados medicamentos específicos para diminuir a recorrência e progressão do tumor (imunoterapia). Esses medicamentos são colocados na bexiga através de uma pequena sonda.
Tumor com invasão profunda da camada muscular (estadiamento II) - a indicação é a cirurgia para retirada completa da bexiga (cistectomia), que é considerada de grande porte. Para alguns pacientes, pode ser sugerida a quimioterapia neoadjuvante, ou seja, antes da cirurgia, com o objetivo de melhorar os resultados cirúrgicos e evitar que o tumor reapareça.
Tumor que acomete a parte mais externa da bexiga (estadiamento III) - ele ainda tem indicação cirúrgica (com possibilidade curativa), além de quimioterapia, que também poderá ser neoadjuvante.
Tumor que se espalhou para órgão à distância (estadiamento IV) - a cirurgia não tem caráter curativo, mas paliativo (melhora de sintomas ou controle de complicações), e tem o objetivo de reduzir o sofrimento do paciente. Nesses casos, o principal tratamento é a quimioterapia.
"O estadiamento mais comum é o I, no qual é possível fazer um tratamento endoscópico, não muito invasivo. Mas é importante esclarecer ao paciente que esse tipo de tumor pode voltar, o que acontece com alguma frequência [40% em 2 anos]. Daí a importância do acompanhamento constante do paciente, geralmente por meio de cistoscopia", esclarece o urologista Daniel Câmara Alves de Medeiros.
Quais são as chances de cura?
Isso dependerá de vários fatores como o estágio da doença, o tipo de câncer e também se ele é localizado ou se já se expandiu para outras áreas do corpo, além da idade e condições gerais de saúde do paciente.
Importante saber que cânceres de bexiga em seu estágio inicial, muitas vezes podem ser curados.
Quando o tumor é superficial, a cura, igualmente, dependerá da quantidade de lesões, do tamanho delas, bem como se ele se trata de uma recorrência, ou seja, se ele já havia sido tratado e reapareceu.
Quais são as possíveis complicações?
Problemas decorrentes do tratamento cirúrgico são os próprios de toda intervenção, mas também sangramentos, infecções urinárias e dor ao urinar.
Dá para prevenir?
Alguns fatores relacionados ao câncer de bexiga não podem ser controlados como a idade, o gênero, a raça e o histórico familiar. No entanto, algumas medidas podem ser tomadas para evitar situações relacionadas ao aumento do risco para a sua manifestação. Confira:
- Evite fumar
- Limite a exposição a agentes químicos no trabalho usando EPI (Equipamento de Proteção Individual)
- Mantenha-se hidratado (beba 1 a 2 litros de água ao dia)
- Adote uma dieta saudável, incluindo frutas e verduras em abundância
Fontes: Daniel Câmara Alves de Medeiros, urologista responsável pelo Ambulatório de Uro-oncologia do Huol-UFRN (Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), vinculado à rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Matheus de Aquino Moreira Guimarães, oncologista clínico do HC-FMRP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo), mestre e doutorando em oncologia clínica pela mesma instituição; e Rafael Ribeiro Meduna, médico urologista do Hospital A.C. Camargo Center. Revisão médica: Rafael Ribeiro Meduna.
Referências: Inca (Instituto Nacional de Câncer); American Cancer Society; National Cancer Institute; Kaseb H, Aeddula NR. Bladder Cancer. [Atualizado em 2022 Mar 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK536923.