Vitiligo não tem cura, mas tem tratamento eficaz, que deve começar cedo
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
23/03/2021 04h00
Em muitas culturas, a cor da pele é considerada uma espécie de passaporte para a sociedade. Esse tema hoje integra as discussões sobre diversidade e inclusão, mas também explica porque o vitiligo, doença caracterizada pela despigmentação da pele em áreas específicas do corpo, é considerado uma das enfermidades com maior impacto emocional da dermatologia.
Até o momento, a causa do problema não está totalmente esclarecida, mas sabe-se que ele está associado a várias doenças autoimunes, tem origem multifatorial e pode acometer homens e mulheres igualmente, em todas as faixas etárias e etnias.
Estima-se que o vitiligo seja prevalente de 0,1% a 2% da população mundial e, no Brasil, esse percentual corresponde a 0,54%, o equivalente a toda a população de um município como Campinas, em São Paulo. Os dados foram publicados no periódico médico Pigment Cell & Melanoma Research.
A doença não é infecciosa, isto é, não pode ser transmitida de pessoa a pessoa e nem é considerada grave, apesar do desconforto que possa provocar. A boa notícia é que existem tratamentos eficazes que podem conter sua evolução e ainda trazer de volta a coloração da pele por meio do estímulo do crescimento das células que têm essa função.
As respostas a essas iniciativas são individuais, mas, de modo geral, o resultado é satisfatório, especialmente quando a terapia é precoce.
O que é vitiligo?
Trata-se de um distúrbio dermatológico crônico (dura por toda a vida) que leva à despigmentação, ou seja, a perda da cor natural da pele.
Isso ocorre porque o organismo ataca e destrói os melanócitos, células produtoras de melanina, responsáveis pela cor da pele.
Conheça os tipos de vitiligo
Existem dois tipos principais dessa enfermidade. Veja a seguir:
- Segmentar (também chamado de unilateral) - ele acomete só uma parte do corpo, já na juventude. Pelos e cabelos perdem sua coloração;
- Não segmentar (bilateral ou comum) - considerado o tipo mais frequente, ele se manifesta de forma simétrica: nos dois lados do corpo (nas duas mãos, pés, joelhos etc.). Na maioria das vezes, as manchas começam a aparecer nas extremidades (mãos, pés, nariz), e se manifestam de forma cíclica e ativa por tempo determinado. Seguem-se períodos de estagnação, que são alternados por ciclos ativos da doença, e eles podem ocorrer ao longo da vida, aumentando as áreas afetadas, bem como o tempo de suas "crises".
Por que isso acontece?
Até o momento não se sabe exatamente o que causa o vitiligo, mas há evidências de que ele seja uma enfermidade autoimune. Nesse tipo de doença, as células de defesa do corpo atacam os próprios tecidos.
Algumas teorias indicam que a doença tem múltiplas influências, como os exemplos que você vê a seguir:
- Genética (existem vários genes envolvidos e eles podem influenciar desde a idade da manifestação da doença, a biossíntese da melanina, a regulação dos autoanticorpos, além da resposta ao estresse oxidativo)
- Histórico familiar
- Ter outras doenças autoimunes (como a tireoidite de Hashimoto, a artrite reumatoide ou diabetes do tipo 1)
Possíveis fatores desencadeantes
Além das causas do vitiligo acima descritas, outras condições podem desencadear o aparecimento do vitiligo em pessoas predispostas. Confira:
- Estresse emocional (como luto, pandemia, trauma)
- Lesões da pele como queimaduras do sol ou ferimentos
- Exposição a produtos de borracha (exposição profissional)
- Uso de determinados medicamentos (como hidroquinona, interferon etc.)
Quem está mais suscetível ao problema?
O vitiligo não é uma doença infecciosa, portanto não é possível "pegar" vitiligo de outra pessoa. Ele se manifesta em indivíduos de qualquer idade, inclusive crianças e idosos, e é mais frequente entre indivíduos que tenham doenças autoimunes.
Em geral, a idade média para a primeira manifestação das formas segmentar e não segmentar é 13 e 22 anos, respectivamente.
Fique mais atento se você se identifica com alguma das seguintes situações:
- Pessoas da sua família têm vitiligo
- Há histórico familiar de outras doenças autoimunes (como a tireoidite de Hashimoto)
Saiba reconhecer os sintomas
O principal sintoma do vitiligo é o aparecimento de manchas brancas consequentes à perda da coloração da pele em determinadas áreas do corpo, em especial as sujeitas à maior fricção.
Na maioria dos casos, a lesão não causa desconforto como ressecamento, mas algumas pessoas relatam que a região pode coçar.
As partes do corpo mais afetadas são face, cotovelos, joelhos, mãos, pés e genitais.
Outras zonas também suscetíveis são braços, pulso, axilas, virilha, regiões internas da boca e nariz, e até no couro cabeludo, quando o cabelo também perderá sua cor original.
Quando é a hora de procurar ajuda médica?
O vitiligo não é considerado um problema que coloca a sua saúde em risco. Mas pode gerar sério desconforto psicológico.
Assim, ao notar o aparecimento de uma mancha branca que evoluiu, procure um dermatologista para avaliação.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico ouvirá sua queixa, levantará seu histórico de saúde e fará o exame físico. Na maior parte dos casos, o diagnóstico do vitiligo se baseia nessas informações, portanto, ele é clínico.
Mas há exames específicos que podem ser feitos no consultório para ajudar a resolver a suspeita diagnóstica. Um deles chama-se Lâmpada de Wood. Trata-se de uma luz ultravioleta que torna possível definir a lesão e identificar a perda completa do pigmento. A explicação é de Roberto Tarlé, professor assistente de dermatologia da Escola de Medicina da PUC-PR.
"Muitas vezes conseguimos identificar manchas que não eram visíveis, principalmente em pacientes com a pele muito clara".
O especialista acrescenta que existem outros testes possíveis no caso de haver dúvidas sobre a origem da despigmentação. É o chamado diagnóstico diferencial: com outros exames, é possível excluir a presença de doenças que tenham o mesmo tipo de manifestação, como a pitiríase versicolor, o famoso pano branco.
Em alguns casos, a biópsia é também indicada para esclarecer alguma dúvida. Feito com anestesia local, o procedimento consiste na retirada de 3 mm de pele, com e sem vitiligo.
Como é feito o tratamento?
A dermatologista Gabriela Momente Miquelin, preceptora do Ambulatório de Vitiligo do Departamento de Dermatologia da UMC, diz que o objetivo do tratamento dependerá do quadro de cada pessoa, mas, em geral, ele visa controlar o avanço da doença, estimular o crescimento dos melanócitos, trazer de volta e manter a cor natural da pele, reduzindo o impacto psicossocial causado pelo problema.
"Cada pessoa responderá a seu modo, porque muitas variáveis precisam ser observadas, o que não exclui o aspecto psicológico. Por isso, é sempre interessante que o paciente tenha acesso a um serviço multidisciplinar", esclarece a médica.
Apesar disso, todos os especialistas concordam: quanto mais cedo o tratamento tiver início, quanto mais jovem for o paciente e quanto menor for a área afetada, melhores são os seus resultados, principalmente quando o vitiligo está estável, o que acontece na maioria das vezes.
Os médicos têm à disposição as seguintes opções terapêuticas, que podem ser indicadas isoladas ou em conjunto:
- Medicamentos tópicos (cremes ou pomadas à base de corticoide, inibidores de calcineurina etc.)
- Medicamentos sistêmicos (usados por via oral - corticosteroide, metotrexato, antioxidantes orais etc.)
- Fototerapia
- Laser (excimer laser)
- Cirurgia (transplante de melanócitos - é indicada quando não há resposta às práticas anteriores ou em casos estáveis).
Entenda o papel da fototerapia
A fototerapia com luz ultravioleta B de banda estreita é a mais utilizada nos serviços de dermatologia, e é indicada para todos os tipos de vitiligo, inclusive para crianças e gestantes.
O dermatologista Caio Cesar Silva de Castro, que integra o Departamento de Biologia Molecular da SBD, esclarece que a técnica gera a morte das células do sistema de defesa do corpo (células T ou linfócitos) que atacam os melanócitos, e ainda estimula a migração das células que se encontram nas margens da lesão e nos pelos da região para a área tomada pelo vitiligo. A meta é trazer de volta a cor natural da pele.
"Quanto mais pelo tiver, melhor. Por isso, essa técnica é considerada efetiva, especialmente quando aplicada no rosto —mesmo entre as mulheres que têm o pelo mais fino nessa região. Daí a contraindicação da depilação a laser para esses pacientes. Ao acabar com o pelo, o laser também destrói a reserva de melanócito", completa o especialista.
Para realizar esse tratamento, o paciente é acomodado em uma máquina com 42 lâmpadas de 2m de altura, que liberam raios ultravioletas B ou A.
Possíveis complicações
Algumas vezes o vitiligo pode causar outros problemas. Como a melanina protege contra o sol, pessoas com vitiligo têm risco aumentado para câncer de pele, além de envelhecimento precoce da pele lesionada.
Quem tem vitiligo também é mais suscetível à uveíte, inflamação ocular que acomete a úvea ou uma de suas partes: a íris, o corpo ciliar e coroide, e até o nervo óptico e a retina. Além disso, 5% dos indivíduos com vitiligo têm perda auditiva —dentro do olho e do ouvido existem melanócitos que podem ser afetados pela doença.
Há ainda o risco de estresse mental e estigmatização (embora já estejam em curso movimentos significativos de inclusão como o @vitiligo.beauty), que podem levar a quadros psiquiátricos como depressão ou ansiedade.
Como colaborar com o tratamento?
A luz ultravioleta, que é especial, ajuda no tratamento, mas o excesso de sol é prejudicial para quem tem vitiligo.
Veja as medidas sugeridas indicadas pela AAD (Academia Americana de Dermatologia) para garantir que sua pele esteja protegida dos raios solares:
- Use protetor solar todos os dias contra os raios UVA/UVB. Ele deve ser à prova d'água e ter fator de proteção maior que 30;
- Repita a operação a cada 2 horas se estiver ao ar livre, após entrar na água ou quando estiver suado;
- Prefira roupas que protejam do sol. Há algumas especialmente fabricadas para esse fim. Mas entre uma camiseta branca e uma camisa jeans, prefira a camisa jeans;
- Procure sempre estar à sombra quando estiver em áreas externas;
- Evite bronzeamento artificial;
- Use produtos seguros que possam dar cor à pele como autobronzeadores, corretivos ou maquiagem.
Fontes: Caio Cesar Silva de Castro, professor adjunto de dermatologia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), chefe de ambulatório de vitiligo da Santa Casa de Curitiba e integrante do Departamento de Biologia Molecular, Genética e Imunologia da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia); Roberto Gomes Tarlé, professor assistente de dermatologia da Escola de Medicina da PUC-PR e integrante do serviço de dermatologia da Santa Casa de Curitiba, onde exerce atividades junto à residência médica; Gabriela Momente Miquelin, dermatologista e preceptora do Ambulatório de Vitiligo do Departamento de Dermatologia da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes). Revisão técnica: Caio Cesar Silva de Castro.
Referências: SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia); Ahmed jan N, Masood S. Vitiligo. [Updated 2020 Aug 10]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559149/; Dellatorre G, Antelo DAP, Bedrikow RB, Cestari TF, Follador I, Ramos DG, Silva de Castro CC. Consensus on the treatment of vitiligo - Brazilian Society of Dermatology. An Bras Dermatol. 2020 Nov-Dec;95 Suppl 1(Suppl 1):70-82. doi: 10.1016/j.abd.2020.05.007. Epub 2020 Oct 10. PMID: 33153826; PMCID: PMC7772607; Cesar Silva de Castro C, Miot HA. Prevalence of vitiligo in Brazil-A population survey. Pigment Cell Melanoma Res. 2018 May;31(3):448-450. doi: 10.1111/pcmr.12681. Epub 2018 Jan 25. PMID: 29272074.