Vá contra o colesterol

Até quem tem colesterol ruim normal se beneficiaria com taxas ainda menores

Thais Szegö Colaboração para o VivaBem

Quem tem altas taxas da versão ruim dessa gordura já está acostumado a prestar atenção em tudo o que come e às vezes até engole remédios para baixá-las na marra. Mas, agora, pesquisadores de duas renomadas instituições brasileiras, a Universidade de São Paulo e o Hospital Israelita Albert Einstein, ambas na capital paulista, sugerem que qualquer um deveria ficar de olho nessa história e parar de usar o colesterol normal como desculpa para não se preocupar com o assunto, sentindo-se liberado pelo exame de sangue para encher o prato de fritura ou fazer preguiça em vez de ginástica.

O novíssimo conceito entre os médicos, reforçado por esse estudo feito pelas duas instituições, é de que todo mundo sairá ganhando se diminuir (ou diminuir ainda mais) os níveis do maldito LDL, o colesterol bandido. Os cientistas observaram, durante longos dez anos, o coração de 1.897 indivíduos que apresentavam testes de gorduras no sangue normais e, a julgar pelas aparências, tinham uma saúde cardiovascular de ferro.

Todos os participantes foram desafiados a manter seus níveis de LDL iguais ou até menores do que 70 miligramas por decilitro de sangue. Para você ter ideia, são os mesmos valores que, a partir de agosto, os médicos começaram a pedir para pessoas com um belo risco de sofrer um infarto fulminante.

Para chegar lá, alguns dos voluntários na pesquisa tiveram até mesmo que apelar para medicamentos. Aliás, no Brasil, se todos simplesmente controlassem o seu colesterol, o número de ataques do coração despencaria 57%. A questão é: apenas controlar para não subir ou fazer de tudo para diminuir o LDL de vez? A segunda opção anda ganhando força.

O LDL aumentado promove uma espécie de envelhecimento precoce de todo o sistema cardiovascular. Diminuir suas taxas é algo que sempre só pode fazer bem

Marcus Vinícius Bolívar Malachias, cardiologista, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Primeira arma contra colesterol é conhecer suas taxas de gordura

Os médicos notaram que, quanto menores os níveis de colesterol ruim, menor o número de infartos

A preocupação em não dar a menor trégua ao colesterol ruim começou há uma década. Foi quando o periódico científico The Lancet publicou uma enorme análise cruzando dados de nada menos do que 61 estudos. Somados, eles envolviam mais de 900 mil pessoas. Em resumo, independentemente do ponto de partida de cada um --se era alguém que já tinha LDL mais elevado ou não--, diminuir essa gordura no sangue sempre parecia uma boa. Quem conseguia uma redução de 40 mg/dl do LDL via a ameaça de infartar cair cerca de 20%, por exemplo.

Há uma corrente que não aceita tão bem esses resultados, achando drástico demais que todos, sem exceção, fiquem obcecados com essa gordura. Mas, na opinião do presidente da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), Marcus Vinícius Bolívar Malachias, esse grupo que questiona não traz evidências científicas tão robustas ("Daí que resolvemos intensificar a luta”). E, de fato, o cerco está se fechando, como aponta a recente atualização das diretrizes brasileiras sobre colesterol e triglicérides --outro tipo de gordura que circula no seu sangue. Diretrizes são, para a medicina, uma espécie de guia, com todos os procedimentos que devem ser adotados em consultório.

A primeira arma que você deve usar é conhecer suas próprias taxas de colesterol, realizando o exame de sangue periodicamente. A sugestão parece óbvia, mas merece estardalhaço: em março, a SBC publicou pesquisa mostrando que 67% dos brasileiros nem faziam ideia de a quantas andavam suas taxas de gorduras no sangue. Pior é que tem gente com propensão genética a viver com um colesterol nas alturas. E 360 mil brasileiros com essa condição nem sabem dela, de acordo com as estimativas do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas de São Paulo. Um perigo enorme. Sem tratamento, porque nem desconfiam de nada, correm um risco até 30 vezes maior de serem fulminados por um infarto, geralmente quando ainda são jovens, com menos de 40 anos.

O colesterol pode ser um aliado

Sim, existe um outro lado da história. Essa gordura tem funções importantíssimas para o seu organismo

Quando cai na boca do povo, o termo colesterol soa à encrenca, o que nem sempre é justo. Essa substância também faz coisas boas. Aliás, vitais. Ela forma a parede de cada célula do corpo, é matéria-prima para os hormônios sexuais, participa da digestão, cria a capa dos nossos neurônios, participa da produção da vitamina D… A lista é imensa.

Justamente por ser uma substância de mil e uma utilidades, o organismo se garante: o fígado produz cerca de 70% de todo o suprimento de colesterol de que o corpo pode necessitar. E só menos de 30% vêm da comida. É um jeito de ter sempre estoques, sem ficar na mão da alimentação. 

Mas é nessa proporção que mora o problema. Se seguimos uma dieta rigorosa e fazemos atividade física intensa, ainda assim só reduzimos de 20 a 25% dos níveis do colesterol ruim no sangue, porque a maior parte vem do fígado.

Quem vê cara não vê colesterol

Nem sempre o excesso da substância tem a ver com obesidade. Gente magra erra ao achar que não corre risco

Não é somente quem está acima do peso que pode ter colesterol alto. Tudo bem que o problema é muito mais comum em quem apresenta quilos a mais, sendo raro  encontrar alguém obeso sem qualquer aumento de LDL. Mas a recíproca não é verdadeira: há, sim, muita gente magra, até mesmo esquálida, que deveria ficar de olho nas gorduras no sangue. E, geralmente, por causa da boa forma acaba se descuidando disso.

Acontece que o colesterol alto tem um forte fator hereditário. Em geral, por causa dos genes, existem pessoas com falta de receptores no fígado, que seriam como portas para a gordura ser reabsorvida e sair de circulação. E, quando há alguém na família assim, pode apostar: os parentes diretos, como filhos, pais, irmãos, têm 50% de risco de estarem na mesma situação. Então já viu: se o problema apareceu em um, todos devem correr ao cardiologista.

Outras doenças também podem catapultar os níveis do colesterol ruim, como as do fígado e os distúrbios de tireoide. Em todas essas situações, os médicos recomendam ajustem no estilo de vida, mas eles provavelmente não dão conta sozinhos, sem a ajuda dos remédios. Apesar disso,  como ajudam, essas três medidas são essenciais:

  • Abandonar o cigarro, porque ele favorece a formação de placas e se houver colesterol solto pelo sangue então…
  • Fazer atividade física, que é a única medida muito eficaz para elevar os níveis de HDL, o colesterol bom.
  • Equilibrar a alimentação, reduzindo as porções de gorduras e de açúcar, entre outras atitudes . Sim, indiretamente, o açúcar também leva o seu corpo a formar mais placas perigosas nos vasos sanguíneos.

Dieta rica em fibras é essencial no controle do colesterol

Acabou aquele papo de transformar alimentos como os ovos em vilões. O perigo maior é a comida calórica

Outra mudança importante é equilibrar a dieta para evitar o aumento de peso e, principalmente, o acúmulo de gordura na altura da cintura, em vez de ficar obcecado apenas em tirar do prato ingredientes que podem conter um pouco mais de colesterol. No dia a dia, isso se traduz em diminuir a presença de fontes refinadas de carboidrato, como o açúcar e os pães brancos.

Os alimentos de origem animal também exigem pitadas de moderação e, no caso, não só pelo colesterol que fornecem, mas porque costumam ser calóricos com seus teores de gordura. Tão fundamental quanto controlar esses alimentos, é incluir no cardápio com generosidade fontes de fibras solúveis. Elas estão na campeã aveia, nas leguminosas e nas frutas.

No intestino, as fibras solúveis se transformam em uma espécie de gel, que arrasta as moléculas de colesterol para fora. Elas ainda mantêm íntegra a gigantesca população de bactérias que habitam o intestino, nossa microbiota. Afinal, estudos indicam que uma microbiota em equilíbrio também faz diferença.

A gordura acumulada no abdômen é a mais relacionada ao aumento do colesterol ruim. Por isso, quem quer proteger o coração deve afinar a cintura.

Roberta Lara, nutricionista especializada em cardiologia, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas

E o impacto do exercício?

O maior efeito de malhar é mexer com os níveis de colesterol bom, o que pode compensar os estragos do ruim

Não dá para equilibrar as taxas sanguíneas de colesterol sem suar a camisa. E, no caso, o que dá resultados são os exercícios aeróbicos, como a caminhada, a corrida, o ciclismo e a natação. Para começo de conversa, essas modalidades são as que aceleram o coração e você não pode esquecer que ele também é um músculo. E, como qualquer músculo, quanto mais trabalha mais resistente fica.

Em matéria de colesterol, porém, o que importa ainda mais é o seguinte: os treinos aeróbicos elevam a produção, pelo fígado, do HDL que varre as partículas de gordura espalhadas pelas paredes das artérias. Aliás, nem é só questão de quantidade: trabalhos apontam que o HDL de quem pratica esses exercícios regularmente é mais eficiente, como se conseguisse retirar mais colesterol dos vasos.

Há também um ótimo efeito colateral quando você corre ou anda de bike, por exemplo: o organismo, então, produz substâncias que deixam as artérias bem mais flexíveis. E, com isso, a oportunidade que o colesterol terá de emperrar em um vaso sanguíneo flexível será menor.

Mas não adianta só virar atleta aos domingos. Os médicos só observam mudanças nos resultados dos exames a partir do momento em que o paciente faz pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica de moderada a intensa por semana, o equivalente a sessões de 30 minutos cinco vezes semanais.

Os exercícios aeróbicos são a melhor intervenção para elevar o HDL, o colesterol bom. É preciso levá-los tão a sério quanto rever a dieta ou tomar remédio

Marcelo Cantarelli, cardiologista, presidente da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI)

Novidade nas farmácias: remédio reduziu o LDL em cerca de 60%

Uma nova classe de medicamentos promete diminuir o colesterol quando outras drogas não fazem esse efeito

Por enquanto, apesar de pesquisas como a da USP e do Einstein criarem a tentação de indicá-los para qualquer pessoa, os medicamentos para diminuir o LDL continuam sendo prescritos apenas para quem já enfrentou problemas cardiológicos e para quem apresenta muitos fatores de risco, incluindo taxas bem acima dos valores desejáveis do colesterol ruim.

Os especialistas avisam: nenhum remédio promove o milagre de sumir com placas preexistentes nas artérias. Com eles, essas famigeradas placas ficam estabilizadas, do mesmo tamanho --o que já ajuda um bocado, na medida em que não crescem a ponto de atrapalhar a passagem do sangue.

A classe de remédios mais usada para diminuir o LDL é a das estatinas. Mas existem pessoas em que o colesterol não despenca nem mesmo com essas drogas. Para elas, a saída pode ser uma novíssima família de medicamentos capaz de inibir uma proteína no fígado, a PCSK9. Ela está por trás da superprodução do colesterol ruim.

De acordo com um estudo recente publicado no periódico científico, New England Journal of Medicine, a droga, recentemente aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), conseguiu reduzir o LDL em cerca de 60% e cortou 27% do risco de infarto e AVC nos voluntários.

Veja as quatro dúvidas mais comuns no consultório:

1) Todo mundo que tem colesterol alto precisa tomar remédio?
A avaliação é caso a caso. Muita gente resolve o problema do colesterol alto só com ajustes no estilo de vida. Mas isso, se a pessoa não tiver outros fatores de risco. Aí, não tem jeito: melhor não correr perigo de infartar e tomar logo a medicação.

2) Mulheres podem tomar estatina se pretendem engravidar?
Nunca. O tratamento com estatinas precisa ser evitado nas mulheres em idade fértil  e que não tomam nenhum cuidado contraceptivo, justamente porque existem relatos de malformação fetal relacionada ao seu uso.

3) Os médicos podem prescrever remédios para o colesterol se o paciente é uma criança?
Os genes por trás do colesterol muito alto se manifestam desde a mais tenra idade. Os médicos, ainda sim, tentam primeiro controlar a situação com mudanças na dieta e ajustes de outros hábitos por seis meses. Caso contrário, pelo risco de formarem placas típicas de um adulto cardiopata desde cedo, os remédios são cogitados. Porque, se crescerem assim, fatalmente terão um infarto ou um derrame ainda jovens.

4) Quais são os efeitos colaterais esperados?
Além de alterações nas enzimas do fígado, que precisam ser bem acompanhadas por exames periódicos, a grande queixa  de quem toma estatinas são as dores musculares. Elas são sentidas por 3 em cada 100 indivíduos que usam esse tipo de medicação. Dois terços desses pacientes, porém, resolvem essa situação dolorosa e nada agradável trocando uma estatina por outra ou apenas regulando a dose.

Especiais VivaBem

Curtiu? Compartilhe.

Topo