Mucormicose mata até 60% dos doentes com diagnóstico tardio; saiba tudo
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
15/06/2021 10h15Atualizada em 17/05/2022 18h23
Fungo preto (também chamado de fungo negro). Uma enfermidade conhecida por esse nome logo chama a atenção. E quando se cogita que ela pode estar relacionada à covid-19, mais ainda. Essa infecção fúngica, cujo nome científico é mucormicose, tem como característica a necrose e a morte dos tecidos atingidos por ela, o que leva ao aparecimento de uma cor escura no local —daí o seu nome popular.
Considerada rara entre pessoas saudáveis, a doença é velha conhecida dos médicos, e na última década tem sido mais frequente. A razão para isso é que a mucormicose —como outras infecções por fungos— é oportunista: atinge pessoas cujas defesas do corpo estejam enfraquecidas por alguma outra condição —como o diabetes não tratado, leucemia etc., ou o uso contínuo de altas doses de corticosteroides.
O quadro da doença tem rápida evolução, é considerado uma emergência médica e, assim, requer imediato diagnóstico e tratamento que, em geral, é cirúrgico e medicamentoso.
Recentemente, ela ficou ainda mais conhecida por sua ligação com a covid-19 —a Índia alertou sobre um surto da mucormicose entre pacientes com a doença, enquanto alguns casos foram relatados no Brasil.
Fungo preto: tudo sobre a mucormicose
O que é o fungo preto (mucormicose)?
Descrita pela primeira vez pelo patologista austríaco Richard Paltauf, em 1885, a mucormicose é uma infecção por fungos ambientais. Eles invadem os vasos sanguíneos, as artérias e as veias. Em determinadas pessoas, tal infecção provoca a interrupção do fluxo do sangue.
Sem a devida vascularização, o tecido atingido necrosa, isto é, morre. Como resultado desse processo, a região afetada passa a ter uma cor escura, por isso ficou conhecida como "fungo preto" ou "fungo negro".
Como o fungo infecta uma pessoa?
Alessandro Silveira, professor titular de microbiologia clínica da FURB e consultor de microbiologia molecular da DASA explica que esses fungos compõem nosso ecossistema natural e todos nós estamos em contato com eles o tempo todo.
Assim, uma infecção pode ocorrer por meio da inalação e através de uma porta de entrada no organismo, como alguma área da pele previamente lesionada ou quando nosso sistema de defesa está comprometido.
Esses fungos geralmente são encontrados no solo e na matéria orgânica em decomposição, como folhas ou madeira.
Quais são os tipos de mucormicose?
A doença pode acometer vários tecidos do corpo humano, e a forma clínica mais conhecida é a rinocerebral, cuja infecção se concentra no nariz, nos seios da face e pode evoluir em direção ao cérebro. Tal variação da doença é comum entre diabéticos e transplantados.
Conheça as demais manifestações:
- Pulmonar - comum em pacientes com câncer e os que receberam transplantes de órgãos ou células tronco;
- Cutânea - a infecção ocorre por meio de uma lesão na pele. Pode ser um trauma, cirurgia, ou queimadura. É o tipo mais comum entre em pessoas imunodeprimidas;
- Gastrointestinal - mais frequente entre crianças, especialmente as prematuras, as que nasceram com baixo peso (no primeiro mês) ou que se submeteram a terapia com fármacos que comprometem as defesas do corpo;
- Disseminada - a infecção se espalha pela corrente sanguínea e alcança outras partes do corpo: cérebro, baço, coração e pele.
Quem precisa ficar atento?
A doença geralmente acomete pessoas que já têm alguma outra doença, ou estão sob tratamento com medicações que reduzam a capacidade de o corpo se defender de microrganismos ou outras enfermidades.
Fique atento se você se identifica com algum dos seguintes grupos ou condições:
- Pessoas com diabetes sem tratamento (descontrolado)
- Indivíduos com câncer
- Pacientes com leucemia, linfoma, transplantados de medula óssea
- Transplantados de órgãos sólidos (fígado, pulmão, rim)
- Indivíduos sob tratamento com corticosteroide (altas doses)
- Lesões de pele (trauma, cirurgia, ferimento)
- Neutropenia (contagem anormal de glóbulos brancos)
- Pacientes que usam fármacos para reduzir os níveis de ferro no sangue
Quais são os sintomas do fungo preto (ou mucormicose)?
As manifestações da mucormicose, ou fungo preto, variam conforme a região por ela acometida. Confira alguns exemplos:
Rinocerebral
- Febre
- Dor facial (seios da face, no nariz)
- Inchaço na face (unilateral)
- Dor ou escurecimento na região do palato
- Alteração da visão
- Danos neurológicos (como convulsões)
Pulmonar
- Febre
- Tosse
- Dor no peito
- Dificuldade para respirar
Cutânea
- Bolha
- Ferida
- Escurecimento da pele
- Dor
- Calor
- Rubor (avermelhamento da pele)
- Inchaço ao redor da ferida
Gastrointestinal
- Sangramento gastrointestinal
- Dor abdominal
- Náusea e vômito
Disseminada
Aqui os sinais e sintomas podem ser confundidos com a doença de base. No entanto, se ela já alcançou o cérebro, o coma é uma das possíveis manifestações.
Qual a relação entre mucormicose (fungo preto) e covid-19?
No início de junho de 2021, um estudo realizado na Índia concluiu que a mucormicose poderia ser uma complicação tardia da covid-19, e que os casos da doença teriam aumentado durante a pandemia —especialmente entre pacientes com diabetes. A pesquisa sugere ainda que a infecção por fungos pode ser um risco adicional do uso inadequado de corticosteroides. Os dados foram publicados pelo periódico médico Emerging Infectious Diseases.
Após essas declarações, noticiou-se o aumento de casos de mucormicose no Brasil, o que causou preocupação. Mas o infectologista Flávio de Queiroz Telles Filho, professor associado do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR e Coordenador do Comitê de Micologia da SBI, garante que a realidade da Índia não pode ser comparada à vivida em nosso país.
Ele conta que a nação asiática é uma das regiões que têm mais pessoas com diabetes no mundo, e que os casos de mucormicose sempre foram altos —sem falar que eles seriam os campeões da automedicação. Além da miséria, dos escassos hábitos de higiene, há ainda a falta de diagnóstico para o diabetes e UTIs precárias.
Quando precisa ir ao médico?
Grande parte dos pacientes acometidos pela mucormicose estão hospitalizados. Mas pessoas com diabetes descompensado podem apresentar algum sintoma relacionado. A sugestão dos especialistas é que a busca pelo serviço de emergência deve ser imediata. Quanto mais rápida for a intervenção médica, maiores serão as chances de controle do problema.
O ideal é que esses pacientes sejam acompanhados por uma equipe multiprofissional formada por otorrinolaringologista, neurocirurgião, endocrinologista e infectologista.
Como é feito o diagnóstico?
Após ouvir sua queixa, o médico fará o levantamento do histórico de saúde, bem como o exame físico. Os especialistas consultados afirmam que, como a doença é rara em pessoas saudáveis, é preciso identificar rapidamente se você se enquadra em algum grupo de risco.
Uma vez confirmada essa suspeita, serão solicitados os seguintes exames: um raspado (curetagem) ou biópsia do tecido comprometido com exame histopatológico e cultura para visualizar a presença do fungo e sua espécie. Outro exame requisitado é a tomografia computadorizada do pulmão, dos seios da face ou de outra parte do corpo.
Qual é o tratamento da mucormicose (fungo preto)?
Os objetivos do tratamento são remover o tecido necrótico e combater a infecção. E isso se faz por meio de procedimentos cirúrgicos —que podem ser múltiplos. Além disso, faz-se uso de medicamento injetável antifúngico —geralmente anfotericina e isavuconazol , por tempo prolongado, em ambiente hospitalar.
Os médicos consultados afirmam que quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores são as chances de sucesso do tratamento. Quando a terapia é tardia, os índices de mortalidade são altos: de 50% a 60%.
Possíveis complicações do fungo preto
Podem ocorrer problemas neurológicos, deformidades na anatomia da face, além de comprometimento da função pulmonar.
Como se prevenir da mucormicose?
De acordo com Paulo Sergio Ramos de Araújo, professor e chefe do Serviço de Infectologia do HC-UFPE/Ebserh, a única forma de prevenção é o controle de doenças de base, como o diabetes.
"Já para aqueles indivíduos que estejam sob terapias imunossupressoras de alto nível, como os que estão sob tratamento de leucemia ou são transplantados, é essencial o uso de máscaras", acrescenta.
Alguns hospitais adotam em suas enfermarias filtros HEPA (sigla em inglês para Separador de Partículas de Alta Eficiência), que são capazes de detectar e retirar do ar partículas como esporos de fungos.
Fontes
Flávio de Queiroz Telles Filho, médico infectologista, professor associado do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e Coordenador do Comitê de Micologia da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia); Paulo Sergio Ramos de Araújo, professor associado do Centro de Ciências Médicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), chefe do Serviço de Infectologia (Doenças Infecciosas e Parasitárias) do HC-UFPE/Ebserh (Hospital das Clínicas da mesma instituição/Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) e pesquisador da FIOCRUZ-PE (Fundação Osvaldo Cruz-Instituto Aggeu Magalhães); Alessandro Silveira, professor titular de microbiologia clínica da FURB (Universidade Regional de Blumenau) e consultor de microbiologia molecular da DASA. Revisão técnica: Flávio de Queiroz Telles Filho.
Referências: Ministério da Saúde; CDC (Centers for Disease Control and Prevention); Patel A, Agarwal R, Rudramurthy SM, Shevkani M, Xess I, Sharma R, et al.; MucoCovi Network. Multicenter epidemiologic study of coronavirus disease-associated mucormycosis, India. Emerg Infect Dis. 2021 Sep [date cited]. https://doi.org/10.3201/eid2709.210934.