L-arginina: o que é o suplemento? Ele melhora o desempenho no treino?
Diana Cortez
Colaboração para o VivaBem
07/10/2020 04h00
O aminoácido arginina ou L-arginina é mais uma das substâncias vendidas pela indústria de nutrição esportiva com a promessa de contribuir para a performance esportiva, ganho de músculos e de força. Mas estudos indicam que seus benefícios são outros e não estariam relacionados ao exercício.
A seguir, conheça mais sobre esse suplemento.
Tire suas dúvidas sobre a L-arginina
O que é a arginina?
Trata-se de um aminoácido não essencial (produzido pelo nosso próprio organismo, principalmente nos rins). Mas, apesar da maior parte da substância usada pelo nosso corpo ser sintetizada de maneira endógena, alguns alimentos fontes de proteína também fornecem a arginina, como carne, peixes, frutos do mar, frango, sementes de girassol e de abóbora, pistache, castanha-de-caju e aveia.
No corpo, a arginina cumpre funções específicas, como converter a amônia em ureia para ser eliminada pela urina e fezes, reduzindo seu potencial efeito tóxico, e participar da produção de óxido nítrico, que possui ação vasodilatadora. O aminoácido também está envolvido na síntese de proteína e de outras substâncias, entre elas, a creatina, que tem papel importante no fornecimento de energia para as células musculares, cardíacas e do sistema nervoso central.
Suplementar arginina contribui para um melhor desempenho físico?
A ideia de que a arginina poderia melhorar o desempenho físico surgiu pelo fato de ela ser uma precursora do óxido nítrico — substância que promove o relaxamento da membrana que reveste os vasos sanguíneos e linfáticos (endotélio), aumentando o fluxo de sangue e garantindo um maior aporte de oxigênio, glicose (combustível) e nutrientes para os músculos, o que contribuiria para adiar a fadiga durante os exercícios. Mas os estudos realizados com o suplemento não apresentam um alto nível de evidência nesse sentido.
Alguns poucos trabalhos até mostram um certo efeito do suplemento para contribuir para a performance de atletas de endurance (como os maratonistas), mas seu tempo de ação é muito curto e logo a substância começa a ser usada em outras funções no organismo. Portanto, seus efeitos são inferiores a outros suplementos disponíveis com essa mesma função de contribuir para a melhora da performance, como a cafeína. Fora o fato de que uma alimentação saudável e equilibrada já seria suficiente para contribuir para bons níveis de arginina no organismo.
Quem busca esse efeito dilatador pode investir, por exemplo, na beterraba e na melancia, alimentos ricos em nitratos, que estimulam a vasodilatação. Consumir esses alimentos vai oferecer o mesmo benefício da suplementação de arginina com um custo menor, além de garantir nutrientes importantes para o organismo.
Outra hipótese defendida por quem recomenda a suplementação de arginina é que ela ajudaria a reduzir as concentrações de amônia produzida durante o exercício físico, uma das responsáveis por levar os músculos à fadiga em altas concentrações, como mostra um estudo realizado em modelos animais por pesquisadores do Laboratório de Nutrição e Metabolismo da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
A análise verificou um aumento da tolerância ao esforço em atividades de alta intensidade nos bichinhos que suplementaram arginina. Mas é necessário realizar a mesma pesquisa em humanos para confirmar esse benefício.
A arginina ajuda na hipertrofia?
Na literatura científica não há relatos de que a suplementação de arginina seria capaz de contribuir para a hipertrofia, nem para o aumento de força —um estudo mostrou que o aminoácido aumenta o volume sanguíneo nos músculos, mas não seu desempenho.
Apesar de a substância participar do processo de síntese proteica, assim como demais aminoácidos, ela não é capaz de potencializar o ganho de massa magra ao ser consumida de forma isolada, ao contrário do que acontece com a creatina.
O suplemento ajuda a acelerar a recuperação pós-exercício?
A suplementação de arginina isolada não é capaz de contribuir para a recuperação dos músculos, como mostra um estudo publicado no The Journal of Nutrition. São necessários vários outros aminoácidos presentes na proteína para reparar as fibras musculares, por isso é importante que o esportista tenha uma alimentação adequada, que contemple o consumo de proteínas.
A substância contribui para o emagrecimento?
Existiu uma hipótese de que suplementar arginina poderia potencializar a produção do hormônio do crescimento (GH), que ajudaria no emagrecimento. No entanto, estudos não apresentaram um efeito potencial na perda de peso. Pesquisas não encontraram melhora da composição corporal (redução de gordura e aumento de massa muscular) com o uso do suplemento.
Como a arginina é vendida?
O suplemento de arginina é encontrado em cápsula, tabletes, comprimidos ou pó para ser diluído em água, que pode ou não ser saborizado.
Como e quanto consumir?
A quantidade de arginina usualmente indicada pelas marcas fabricantes do suplemento varia entre 100 mg e 4.000 mg por dia, para ser consumida antes do treino ou antes de dormir. Mas a dose também pode ser fracionada durante o dia.
A arginina tem ação detox no fígado?
Não. Apesar de a arginina participar do ciclo da ureia que acontece no fígado para eliminar a amônia do organismo, não é certo afirmar que ela tem um efeito detox. Essa ação é realizada o tempo todo por outras vias e envolve diferentes substâncias, como as vitaminas do complexo B e enzimas, a fim de eliminar diversos agentes nocivos (inclusive o excesso de álcool e poluição) na urina e nas fezes.
Melhora a sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose?
Apesar de alguns fabricantes usarem isso como apelo no rótulo do suplemento de arginina, há baixa evidência científica de que a suplementação poderia melhorar a captação de glicose pelo músculo, ajudando em quadros de resistência à insulina e diabetes.
Existem substâncias mais efetivas nesse sentido, como o resveratrol, famoso antioxidante presente nas uvas, além do efeito da própria atividade física.
Arginina previne a queda de cabelo?
As proteínas e seus aminoácidos são importantes para a formação de tecidos, como o cabelo, mas a suplementação isolada de arginina não vai acelerar nem reduzir uma possível queda de fios.
Arginina ajuda na fertilidade o no tratamento de impotência sexual?
Análises indicam que o aminoácido parece potencializar a motilidade do espermatozoide (movimentação), mas, de forma isolada, a substância não é capaz de aumentar a fertilidade masculina. Vários outros fatores estão envolvidos com o problema e devem ser avaliados, como os níveis de estradiol, testosterona e di-hidrotestosterona no corpo do paciente, além da quantidade e da qualidade dos espermatozoides produzidos por ele.
A arginina também não tem a capacidade de tratar a impotência sexual, mas sua ação vasodilatadora parece contribuir para a ereção ao ser combinada com outras substâncias e tratamentos, como mostra estudo da Universidade de Roma.
Por que há suplementos de arginina com vitamina C?
A proposta dos produtos que combinam o aminoácido com a vitamina C é a de combater o estresse oxidativo gerado pelos exercícios físicos, que produz os radicais livres responsáveis por inflamações e danos nas células. A vitamina C ainda ajudaria a prevenir uma possível pró-oxidação causada pela arginina quando consumida em altas doses.
A arginina tem efeitos colaterais?
Assim como outros suplementos, consumir altas doses de arginina pode causar desconfortos gastrointestinais, como náuseas e episódios de diarreia.
Estudos indicam ainda que o excesso da substância (doses acima de 4 g por dia) poderia aumentar a produção de radicais livres, potencializando a formação dessas substâncias em pessoas que já têm uma maior tendência em produzi-las devido a uma maior exposição à poluição ou por ter uma alimentação de má qualidade, podendo levar a um quadro de inflamação e até a problemas renais. Mas é algo que ainda precisa ser melhor analisado.
Uma pesquisa publicada na Nature mostrou que em altas doses a substância também parece agravar distúrbios mentais em esquizofrênicos. E outras pesquisas mostram que seu consumo pode aumentar a recorrência dos episódios de herpes em pessoas que têm predisposição ao problema. Isso porque esse vírus usaria a arginina como substrato para se multiplicar, causando as conhecidas feridas na boca.
Hipertensos podem consumira arginina?
Sim. Inclusive uma revisão de estudos realizada por pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Rio Claro (SP), sugere que suplementação com arginina poderia ser usada como coadjuvante no tratamento de prevenção e redução de doenças cardiovasculares e endócrino-metabólicas. Isso por conta da sua ação vasodilatadora, que deixa os vasos mais flexíveis, exigindo menos esforço do coração, além de inibir a formação de placas que entupiriam as veias.
No entanto, são necessários mais estudos para definir a dosagem ou tempo de intervenção terapêutica com a substância, já que há uma falta de padronização dos trabalhos. Também é importante ressaltar que não seriam eliminados os medicamentos fármacos desses pacientes, por isso não deixe de consultar seu médico ou nutricionista. E apenas consuma o suplemento com indicação desses profissionais da saúde.
Pacientes com diabetes podem consumir arginina?
Não existe uma contraindicação para o consumo de arginina por pessoas com diabetes. Mas qualquer substância só deve ser suplementada com indicação de um médico ou nutricionista especializado no assunto.
Esse aminoácido parece contribuir com as doenças cardiovasculares que são muito comuns em quem tem diabetes, mas, por outro lado, poderia piorar o processo de formação de radicais livres que já é aumentado nessas pessoas devido ao excesso de glicose circulante no sangue. Por isso, seu consumo deve ser muito bem avaliado pelo especialista que acompanha o paciente.
Grávidas e mulheres que amamentam podem consumir a arginina?
Gestantes e lactantes não devem consumir suplementos sem orientação de um médico ou nutricionista, e têm que priorizar a suplementação indicada especificamente para essas fases da vida. Na dúvida, consulte o médico.
Fonte: Aline David Silva, nutricionista, mestre e doutora em fisiologia humana pela USP (Universidade de São Paulo) e docente do curso de Nutrição do Centro Universitário São Camilo; Antonio Herbert Lancha Junior, coordenador do Laboratório de Nutrição e Metabolismo da Escola de Educação Física e Esporte da USP; Eduardo Reis, nutricionista com especialização em nutrição esportiva, membro da ABNE (Associação Brasileira de Nutrição Esportiva; Guilherme Artioli, professor da Escola de Educação Física e Esporte e coordenador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP.