Parto humanizado melhora a saúde do bebê e da mãe? Saiba tudo da técnica
Os filmes e documentários antigos que exibem cenas de mulheres dando à luz via partos normais, de uma forma geral, as mostram deitadas em uma maca de barriga para cima, fazendo força, sozinhas, sem acolhimento e sem nem poder de opinar sobre o momento único que estão vivendo. Felizmente, os tempos mudaram e a gestante atualmente é vista como protagonista do próprio parto, em meio ao crescimento do parto humanizado.
Ao contrário do que muita gente pensa, o parto humanizado não acontece apenas quando ocorre via vaginal, sem anestesia, mas também no parto normal com analgesia ou até mesmo por cesárea. O grande número de cesarianas eletivas —ou seja, sem indicação médica— que passou a acontecer no Brasil desde os anos 1980 levou a um movimento contrário que defende a autonomia da mulher no momento do nascimento do próprio filho, e não à equipe médica que, nesse caso, atua de forma alinhada com o desejo da gestante, desde que isso não represente perigo para a mãe e o bebê.
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), a adoção de uma filosofia centrada na mulher e uma abordagem baseada nos direitos humanos são os primeiros passos para muitos dos cuidados que facilitam o trabalho de parto, quando é avaliada não só a parte clínica, mas o que concerne ao psicológico da mulher também.
O direito de ter um companheiro com ela antes e durante o nascimento do bebê, bem como a liberdade de se locomover nos primeiros estágios do trabalho de parto e escolher a melhor posição para dar à luz são exemplos de práticas humanizadas, que impactam no acolhimento da nova mamãe. Todas essas recomendações são baseadas em evidências, otimizam a saúde e o bem-estar e demonstram ter impacto positivo na experiência de parto das mulheres.
Com o objetivo de elucidar dúvidas a respeito do parto humanizado, VivaBem conversou com as ginecologistas e obstetras Gabriela Bezerra, que atende na clínica Agha e é especializada em medicina fetal, e Andrea Vieira Carreiro, que integra a equipe da Casa Moara.
Parto humanizado: o que é, diferenças e mais
O que é o parto humanizado?
Parto humanizado é aquele que se apoia no tripé: protagonismo feminino, medicina baseada em evidência e transdisciplinaridade, que é a ação de profissionais de áreas diferentes trabalhando conjuntamente, buscando melhorar a experiência de parto das mulheres que estão dando à luz.
No Brasil, é chamado de parto humanizado a forma de assistência obstétrica baseada em evidências científicas e defendida pela OMS, na qual a mulher é estimulada a se informar para poder decidir o que quer para si e seu bebê não só durante a gestação, mas também no antes, durante e pós-parto. A equipe multidisciplinar é preparada para acompanhar os processos fisiológicos com a menor intervenção possível, agindo quando for necessário para manter a segurança da mãe e do bebê.
É importante destacar que o respeito à autonomia da mulher é fundamental no parto humanizado. Dessa forma, ela escolhe se haverá música, massagem, bola, aromas, banheira, foto, vídeo, doula e familiares no momento que for dar à luz, que pode ocorrer em casa de parto, na casa do casal, na maternidade, na água, na banqueta, de cócoras, deitada, em pé, sem nenhuma intervenção, com analgesia e até por cirurgia. Tudo feito sempre com informação e acolhimento.
Quais são os benefícios de um parto humanizado para a mãe e o bebê?
No parto humanizado é respeitado o tempo do bebê estar pronto para nascer e isso traz enormes benefícios, sendo que o principal deles é que o bebê não nascerá antes do tempo. No parto humanizado, o bebê passa por menos intervenções após o nascimento, a pesagem e os exames do recém-nascido são feitos no colo da mãe ou após ele mamar na primeira hora de vida. Já a mãe tem uma experiência mais positiva de parto e maior chance de ter sucesso na amamentação.
Parto natural e parto humanizado são sinônimos ou isso é um erro?
Não são sinônimos. O parto natural ocorre via vaginal sem qualquer intervenção: nenhum soro, corte, ou analgesia medicamentosa, o que não impede que aconteça sem assistência alguma, com muito medo e de forma insegura, não sendo, assim, considerado humanizado.
No parto humanizado, a parturiente pode estar acompanhada por alguém da escolha dela, é acolhida pela equipe médica em seus medos e apoiada em suas decisões. Além disso, receberá massagem e banho de imersão em água quente se sentir vontade e alívio com isso, assim como esclarecimentos sobre qualquer conduta médica a qual for submetida.
Qual é a diferença do parto humanizado para os outros?
A principal diferença é o foco no protagonismo da mulher e não da equipe médica. O bebê escolherá o dia do nascimento e não a agenda ou as férias da(o) obstetra; a gestante será apoiada em suas decisões e terá respeitado o tempo que o corpo dela precisar para parir; e a necessidade de apoio de outros profissionais como doula, enfermeira obstétrica ou obstetriz, caso ocorra.
Além disso, todas as condutas serão explicadas e não modificadas desnecessariamente sempre tendo em vista que a segurança da mulher e do bebê são a pedra estrutural de todo atendimento obstétrico. Por último, a parturiente escolhe a melhor posição para parir e a equipe se adapta a isso.
Se a cesárea for necessária, será explicado à mãe o motivo da cirurgia e a mulher será acolhida caso manifeste tristeza com a novidade. O ar-condicionado estará desligado quando o bebê nascer para que ele não sinta tanta diferença de temperatura do ventre da mãe para o mundo externo, mesma razão pela qual as luzes do ambiente estarão apagadas e apenas a iluminação da mesa cirúrgica acesa, garantindo segurança à cirurgia sem agredir o recém-nascido.
O bebê será entregue imediatamente à mãe após o nascimento, se o pediatra permitir, permanecendo no colo dela na primeira hora de vida, independentemente se nasceu por parto vaginal ou cesárea. Ele só será retirado dos braços da mãe após ter mamado e apenas nesse momento será pesado, medido e submetido a algum procedimento, se for necessário. Esse reconhecimento aumenta o sucesso do aleitamento e diminui as chances de depressão pós-parto.
Uma cesárea ou parto normal podem ser feitos de forma humanizada?
Sim, ambos podem ser humanizados. Cesárea humanizada é a bem indicada, não aquela que simplesmente tem a luz da sala diminuída, música ambiente e na qual o bebê é passado para a mãe por baixo do campo cirúrgico. Não se pode falar em humanização se não houver informação.
Da mesma forma que não é possível discutir escolha se não houver esclarecimentos. Uma cesárea agendada para uma mulher que tem medo do parto normal, por exemplo, na qual o médico não apoiou a gestante ou só aumentou o medo que ela manifestou em relação ao parto, jamais será humanizada.
Existe parto humanizado no SUS (Sistema Único de Saúde)?
Existe, mas a mulher deve ficar atenta a alguns detalhes. Durante a gravidez, a gestante deve se informar com a equipe médica responsável pelo pré-natal sobre os locais de referência para o parto, que são as casas de parto ou maternidades, e buscar saber como é a forma de atendimento nesses lugares.
A mulher pode se informar também sobre fisioterapia perineal, que auxilia muito no preparo do períneo e diminui chances de laceração durante o desprendimento do bebê na hora do nascimento, a respeito dos sinais do trabalho de parto e quando ir à maternidade. Há muitos cursos e grupos de apoio que auxiliam em tudo isso e explicam todos os direitos da parturiente, tais como ter um acompanhante o tempo todo, técnicas de alívio da dor, alojamento conjunto e estímulo ao aleitamento materno.
A gestante também deve elaborar um plano de parto —documento no qual registra tudo o que deseja em relação à assistência médica do parto para ela e também para o bebê—, discuti-lo com a equipe médica durante o pré-natal e levá-lo com ela no dia em que o filho dela for nascer.
Claro que isso não garante que a mulher estará protegida contra a violência obstétrica. É fundamental que o acompanhante escolhido pela gestante também saiba de todos os direitos e opções descritas no plano de parto e a ajude no dia, explicando à equipe de assistência quais as preferências daquela mulher. Uma doula ajuda muito, em qualquer ambiente escolhido pela mulher, inclusive pelo SUS. Se puder investir nesse serviço, sem dúvida vale a pena.
Quanto custa um parto humanizado?
Nas maternidades e casas de parto que fazem parte do SUS e contam com profissionais capacitados, o serviço é gratuito. Já em relação à assistência particular, o preço varia de acordo com o número de pessoas presentes no preparo dessa gestante e no dia do trabalho de parto.
Cada profissional precifica seu próprio trabalho, levando em conta a imprevisibilidade de todo o processo, a disponibilidade necessária, além de suas qualificações técnicas para orientações e procedimentos, caso seja necessária alguma intervenção.
Qual é a dor do parto humanizado?
O trabalho de parto é definido pela presença de contrações uterinas e dilatação do colo uterino. Não são sensações sentidas em outros momentos da vida da mulher e é impossível prever a forma como cada parturiente irá reagir. Há mulheres que se conectam de forma tão intensa com o próprio corpo que conseguem se manter calmas, conscientes e no controle da situação, sem descrever o processo como dolorido.
Quando há medo e insegurança, qualquer sensação desconhecida pode ser insuportável. Dessa forma, a dor do trabalho de parto não necessariamente é sofrimento, pode ser vista como ondas que trazem, uma após a outra, o maior amor da vida daquela mulher, que deve ser acolhida pela equipe com silêncio durante a onda, massagem ou abraço se for desejado pela mulher, sorrisos de apoio e analgesia quando solicitada.
Como se preparar para o parto humanizado?
O primeiro passo é procurar uma equipe que trabalhe dessa forma. Se for particular, já fazer todo o pré-natal com ela; já a mulher que terá o filho no SUS, deve procurar o local com esse perfil e começar o pré-natal lá também. Durante as consultas, além de indicação para fazer os exames necessários, a gestante deve esclarecer todas as dúvidas que tiver sobre o trabalho de parto, pois quanto mais souber, menor será o medo, fator que atrapalha todo o processo.
Caso a mulher não tenha como investir em cursos de preparação de parto, na contratação de uma doula ou em fisioterapia perineal, é importante salientar que a internet pode ser uma aliada nessa busca por conhecimento e que há assistentes de parto voluntárias, assim como profissionais que trabalham para garantir a musculatura do períneo no SUS.
Outro ponto importante é a elaboração de um plano de parto conjunto, do qual o acompanhante escolhido pela gestante tenha conhecimento. É essencial também que a mulher esteja preparada para o caso de ser necessário realizar uma cesárea ou possíveis intervenções durante o parto.
Quais cuidados deve ter a mulher que deseja ter um parto humanizado?
O primeiro "item do enxoval" para quem deseja ter seu parto respeitado é a informação. Para as mulheres com acesso apenas ao SUS, busque um modelo de assistência na rede pública que se encaixe no seu perfil, elabore um plano de parto e prepare a pessoa que irá acompanhá-la para que ela saiba sobre como deseja que seu parto seja conduzido.
Já aquelas que optarem pela rede particular devem ter em mente que alguns obstetras, infelizmente, não explicam desde o início do pré-natal que não acompanham o trabalho de parto e, ao final da gestação, indicam cesárea eletiva, utilizando uma desculpa qualquer. Ninguém é obrigado a trabalhar de forma que não concorde ou que não tenha disponibilidade de tempo ou emocional, mas eticamente todo profissional é obrigado a informar suas condições, valores e limites às pessoas que procuram seus serviços.
Quais são os cuidados que a mulher deve ter após o parto humanizado?
Após o nascimento de um bebê, independentemente da via de parto e da forma de assistência que essa mulher recebeu, ela precisa de uma boa rede de apoio. Isso inclui orientação correta quanto ao aleitamento e disponibilidade de profissional para ajudar se houver dificuldades para a pega do bebê no peito da mãe ou alguma lesão mamilar, por exemplo.
Cercar-se por familiares, amigos ou funcionários que possibilitem que a mãe cuide não só do bebê, mas dela mesma, ter comida saudável pronta no horário das refeições, roupas lavadas, casa arrumada, demais filhos cuidados é um privilégio que, infelizmente, nem todas as mulheres têm, mas que é excelente nas primeiras semanas após o parto.
Cerca de 20 dias após o parto, a mulher deve ser avaliada por uma enfermeira ou obstetra em relação à saúde física dela —o que inclui recuperação perineal ou de cicatriz, involução uterina e aleitamento— e também a mental, já que muitas mães precisam de um olhar especializado sobre questões psicológicas e emocionais após o parto.
A recuperação após o parto humanizado é mais tranquila?
Sim, afinal, a mulher contou com suporte físico e emocional em um dos momentos mais importantes da vida dela. Ela teve suas vontades respeitadas, e, caso tenha sido preciso conduzi-la para uma cesárea, possivelmente compreendeu a razão para tal conduta, já que a humanização pressupõe informar a paciente sobre todos os procedimentos necessários durante o trabalho de parto.
Após o nascimento de um filho, a mulher passa por muitas alterações físicas e emocionais em um curto período de tempo: o corpo está cansado, existe sangramento vaginal, há um bebê que precisa de cuidados e uma série de aprendizados, como por exemplo, a amamentação que para muitas mães requer paciência e perseverança.
Todo esse cenário é mais tranquilo sob o olhar de uma mulher que se sentiu acolhida, respeitada e apoiada, do que por outra que sofreu agressões verbais durante o trabalho de parto, não foi apoiada, ficou sozinha e com medo, ou teve seu corpo tocado e cortado de forma não autorizada. Portanto, independentemente do tipo de parto, toda a ética e acolhimento que são preceitos básicos à assistência humanizada ajudarão para uma recuperação pós-parto mais tranquila.
O parto humanizado pode ser feito com anestesia?
Claro. Por isso é importante que a paciente seja informada no pré-natal sobre analgesia de parto, e que ela tome a iniciativa de pedir a anestesia quando julgar necessário para que o processo que envolve o nascimento do bebê seja o mais satisfatório possível.
O parto humanizado é perigoso para o bebê?
Não, em hipótese alguma. O principal objetivo de qualquer assistência obstétrica é a segurança da mãe e do bebê. A humanização do parto chega para devolver à mulher o protagonismo desse momento e impedir que haja violência obstétrica durante a gestação, trabalho de parto, parto ou puerpério (pós-parto), utilizando-se das recomendações da OMS e mantendo atualização em medicina baseada em evidências.
Além disso, no parto humanizado não há procedimentos médicos desnecessários e acontece a golden hour, nome dado à primeira hora após o parto, que busca fortalecer o vínculo entre mãe e bebê, incentivando o contato pele a pele entre ambos e a amamentação precoce.
Que intercorrências devem mudar os planos de um parto humanizado?
Nada. Independentemente de como o bebê venha ao mundo, o parto pode ser humanizado individualizando cada caso e respeitando mãe e bebê. Porém, existem alguns motivos para que uma cirurgia seja indicada como forma mais segura de nascimento. Antes do trabalho de parto, destacam-se: placenta prévia —que tem como principais riscos causar um parto prematuro e hemorragia— e lesão ativa de herpes genital.
Durante o trabalho de parto, as indicações cirúrgicas são principalmente alterações da frequência cardíaca fetal que diminuam a segurança de manter as contrações e espera, suspeita de descolamento de placenta e parada da progressão da descida do bebê na pelve ou dilatação.
Grávidas de gêmeos podem ter parto humanizado?
Sim. Gestantes de alto risco, como aquelas que esperam múltiplos ou que sofram de hipertensão gestacional, diabetes ou qualquer outra condição clínica, também podem e merecem todo o respeito da assistência voltada para o seu protagonismo e segurança, independentemente da via de parto.
Quais exercícios favorecem a dilatação no parto?
A livre movimentação e posições mais verticalizadas favorecem a dilatação, bem como os exercícios chamados spinning babies, que buscam otimizar o trabalho de parto por meio de exercícios feitos durante a gestação. Porém, esses métodos funcionam como facilitadores e não como determinantes.
Quanto tempo dura um parto humanizado?
Dura o tempo que o corpo da mulher precisar para parir. Se em algum momento o trabalho de parto deixar de ser seguro, o parto humanizado será por via cirúrgica.
Um bebê que está sentado pode nascer por um parto natural e humanizado?
Sim, um bebê pélvico (ou "sentado") pode nascer por parto normal, assim como por parto natural sem analgesia e ambos podem ser humanizados. No Brasil há um número restrito de médicos que acompanham partos vaginais de bebês pélvicos, então deve-se buscar equipes que tenham experiência com esse tipo de parto.
Até que momento a mulher pode desistir de ter um parto natural humanizado?
É muito raro acontecer algo do tipo, mas a mulher pode desistir de ter parto vaginal praticamente a qualquer momento, exceto quando o bebê estiver coroando, que é quando é possível ver a cabeça da criança no canal vaginal. É tudo uma questão de conversa, de mostrar prós e contras e orientar para que a paciente tome decisões conscientes.
O parto domiciliar pode ser visto como humanizado?
Se for respeitoso, seguro e com assistência baseada nas melhores evidências científicas, sim.
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