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Paxlovid: como funciona o promissor remédio contra covid-19 da Pfizer

Paxlovid, remédio contra covid-19, pode ajudar a conter pandemia (foto ilustrativa) - iStock
Paxlovid, remédio contra covid-19, pode ajudar a conter pandemia (foto ilustrativa) Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para o VivaBem

23/11/2021 13h25Atualizada em 17/05/2022 19h20

A comunidade científica comemorou recentemente a notícia trazida pela farmacêutica Pfizer sobre resultados das fases 2 e 3 de um estudo chamado EPIC-HR (sigla em inglês para "Avaliação do Inibidor de Protease Para a Covid-19 em Pacientes de Alto Risco"). A pesquisa analisou os efeitos de um antiviral em forma de pílula, o Paxlovid.

Segundo os cientistas, quando usado nos primeiros três a cinco dias de manifestação dos sintomas da doença, o medicamento pode reduzir a gravidade da infecção, evitar 9 de cada 10 internações e salvar vidas. Com achados tão promissores, a farmacêutica já submeteu o pedido de uso emergencial do Paxlovid à agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos, o FDA.

Tudo indica que o tratamento será acessível e poderá ser feito em casa, ao contrário do rendesevir, por exemplo, antiviral aprovado no Brasil e nos EUA para uso em hospitais.

Os resultados promissores do Paxlovid surgem num momento em que Brasil testemunha a queda dos casos de covid-19, mas os especialistas alertam que ainda é cedo para falar no final da pandemia. Portanto, o medicamento ainda pode contribuir no controle do coronavírus. Todo esse cuidado se justifica. Na Europa e na Ásia Central, mesmo em locais com boa adesão à vacinação, infecções e óbitos têm aumentado, o que revela a necessidade de relembrar que a vacina não deve ser considerada solução única e isolada contra o avanço do vírus.

Veja, a seguir, o que sabemos, até o momento, sobre o promissor remédio da Pfizer.

Paxlovid: o que é e como funciona o remédio

O que é o Paxlovid?

Trata-se de um antiviral, classe de medicamentos indicada para o tratamento de infecções causadas por vírus, no caso, o SARS-Cov-2, coronavírus que provoca a covid-19. O remédio foi desenvolvido pela Pfizer.

Como o Paxlovid funciona?

Os vírus possuem enzimas que ajudam no ciclo de sua replicação. Uma delas se chama protease e é responsável pelo amadurecimento do vírus. Quando não amadurece, ele é incapaz de se multiplicar.

O Paxlovid, então, promove a inibição da protease do novo coronavírus, que foi batizada de SARS-CoV-2- 3CL, impedindo que ele complete seu ciclo de vida. A explicação é de Flavio da Silva Emery, professor associado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo).

Como foi desenvolvido o Paxlovid

Um dos principais investigadores do estudo EPIC no Brasil, Eduardo Sprinz, infectologista e professor de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), esclarece que os vários tipos de coronavírus vêm causando resfriados em seres humanos há quase meio século e, portanto, os cientistas já haviam identificado as principais enzimas e proteínas desses vírus.

Eles sabiam também que a protease é essencial para outros vírus, como o HIV. Contra este, já existe um antirretroviral inibidor da protease. Assim, quando apareceu um coronavírus letal, pesquisadores do mundo inteiro empreenderam uma colaboração para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos.

Foi a partir dessas iniciativas que se desenvolveu uma molécula considerando a característica estrutural da protease do SARS-Cov-2. "A diferença fundamental, em comparação aos antivirais disponíveis, é que essa substância é a primeira desse tipo. Se ela for aprovada e autorizada, estaremos diante de um marco histórico na medicina. Afinal, será o primeiro antiviral oral de sua classe especialmente desenhado para ser um inibidor de protease (3CL) do SARS-Cov-2", observa Sprinz.

O infectologista acrescenta que foram desenhados três estudos EPIC:

  • O primeiro investiga o tratamento em pessoas com risco de complicações e, devido ao extraordinário benefício obtido, o estudo foi interrompido (quando os resultados mostram que o medicamento pode salvar vidas, a pesquisa é pausada e o pedido de aprovação do medicamento é feito, para que ele possa ser usado o quanto antes antes e evitar mortes);
  • O segundo avalia pessoas já vacinadas e sem risco [a previsão é que, nos primeiros dias de dezembro/21, resultados sejam divulgados];
  • O terceiro ainda recruta voluntários para observar o efeito profilático (preventivo) do Paxlovid entre não vacinados, mas que estejam próximos a pessoas com covid-19.

Qual a eficácia do Paxlovid?

Como a covid-19 é uma infecção respiratória aguda, o estudo EPIC-HR mostra que quanto mais rápido for feito o tratamento, maior é a chance de sucesso. Na pesquisa, a estratégia terapêutica foi colocada em prática da seguinte forma: após o teste molecular para confirmar a presença do vírus no organismo, as pessoas tinham de ser tratadas no período de três a cinco dias [janela de oportunidade] dos primeiros sinais e sintomas ou conhecimento de contato com o vírus.

O tempo de tratamento foi de cinco dias após o início, e o esquema de doses era de duas pílulas do Paxlovid, mais um comprimido de outro fármaco, o ritonavir, duas vezes ao dia (de 12 em 12 horas). Essa terapia foi eficaz na redução do risco de hospitalização ou morte em 89% entre pessoas com risco para o desenvolvimento de doença grave.

O ritonavir foi sintetizado para o tratamento do vírus HIV. Ao longo dos anos, percebeu-se que ele tinha uma característica específica —permitia que algumas substâncias permanecessem mais tempo no organismo ou aumentassem níveis de circulação delas na corrente sanguínea. A explicação é de Monica Gomes, infectologista do Hospital das Clínicas da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

"É preciso saber que, no estudo, o ritonavir não tem efeito antiviral, mas ajuda o Paxlovid a ser melhor aproveitado pelo organismo. Em pacientes com HIV, a dificuldade era a tolerância a esse medicamento. Mas a terapia proposta no EPIC-HR prevê cinco dias de tratamento, o que não deve trazer efeitos indesejados, nem mesmo as temidas interações medicamentosas", acrescenta a médica.

O Paxlovid pode ser considerado seguro?

Os dados disponibilizados pelo fabricante indicam que, até o momento da análise dos resultados apresentados, que abrangeu um grupo de 1881 pessoas, os eventos adversos foram semelhantes entre os que tomaram a substância e os que não tomaram (grupo placebo), representando 19% e 21%, respectivamente. A maioria deles foi leve em intensidade.

Entre os pacientes observados por Sprinz —que tinham um aplicativo para relatar eventos adversos e sintomas ou sinais da covid-19— não houve queixa alguma, o que levou os cientistas a concluírem que o Paxlovid é seguro.

O Paxlovid pode conter a transmissão da covid-19?

Os especialistas afirmam que ainda não há dados que possam sustentar essa possibilidade porque, por enquanto, só estão sendo analisados os resultados mais impactantes do tratamento.

Caso fique provado que a quantidade de vírus presentes nas secreções das vias aéreas superiores foi reduzida durante o tratamento com o Paxlovid, potencialmente ele poderá ajudar a conter a transmissão da doença. Mas ainda temos de esperar novos dados do estudo para confirmar essa hipótese.

O Paxlovid funcionará contra todas as variantes?

Potencialmente sim, porque a enzima sobre a qual o paxlovid age apresenta pouca mudança em sua forma estrutural. No entanto, quando se combate esse tipo de micro-organismo é preciso estar atento à possibilidade de resistência.

O que sabemos até agora é que o vírus tem capacidade de mutação, e se ele tem essa habilidade, pode ser que, no futuro, venha a desenvolver mecanismos de resistência contra esse tratamento, aponta Thiago Moreno Lopes de Souza, virologista do CDTS (Centro De Desenvolvimento Tecnológico Em Saúde) da Fiocruz. "Isso mostra que a investigação de antivirais contra a Covid está apenas começando. Agora é descobrir em quanto tempo, escala e frequência de seus usos vão trazer cepas resistentes", completa.

Na opinião de Souza, é isso que motiva a continuar a busca por antivirais que preferencialmente atuem em outras etapas do ciclo replicativo do coronavírus. Para ele, pode ser que esta e outras viroses venham a ser tratadas com coquetéis —a combinação de várias medicações.

Quando o Paxlovid será aprovado pela Anvisa e usado?

Não é possível cravar uma data para isso acontecer. As pesquisas atendem as condições para que o Paxlovid seja aprovado e autorizado pelas autoridades sanitárias, mas cada substância deve passar por trâmites antes de ter o uso liberado para a população.

Recentemente, a Pfizer anunciou um acordo para produção de genéricos do remédio em nações menos desenvolvidas, mas o Brasil ficou de fora.

Os cientistas acreditam que, somando-se à vacina, os antivirais representam a ampliação do controle sobre a pandemia, o que prova que a ciência, em quase dois anos do vírus, foi capaz de desenvolver uma substância eficaz contra o coronavírus.

"Agora é lutar para baratear os custos do teste rápido de antígeno contra a covid e o acesso pelo SUS", acrescenta Sprinz. "Uma nova era nos espera. Em breve, vamos parar de ver as pessoas morrerem por covid", conclui Gomes.

Fontes e referências

Fontes: Eduardo Sprinz, infectologista, professor de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e chefe do serviço de Infectologia do HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre); Flavio da Silva Emery, professor associado da FCFRP-USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), atual coordenador do programa de pós-graduação de ciências farmacêuticas de Ribeirão Preto, membro da comissão de divulgação científica da FCFRP-USP e do sub-comitê de Drug Discovery and Development da IUPAC (sigla em inglês para União Internacional de Química Pura e Aplicada); Monica Gomes, infectologista do HC-UFPR (Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná), que integra a rede Ebserh; Thiago Moreno Lopes de Souza, virologista do CDTS (Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde) da Fiocruz. Revisão técnica: Eduardo Sprinz.

Referências: Pfizer; Owen DR, Allerton CMN, Anderson AS, Aschenbrenner L, Avery M, Berritt S, Boras B, Cardin RD, Carlo A, Coffman KJ, Dantonio A, Di L, Eng H, Ferre R, Gajiwala KS, Gibson SA, Greasley SE, Hurst BL, Kadar EP, Kalgutkar AS, Lee JC, Lee J, Liu W, Mason SW, Noell S, Novak JJ, Obach RS, Ogilvie K, Patel NC, Pettersson M, Rai DK, Reese MR, Sammons MF, Sathish JG, Singh RSP, Steppan CM, Stewart AE, Tuttle JB, Updyke L, Verhoest PR, Wei L, Yang Q, Zhu Y. An oral SARS-CoV-2 Mpro inhibitor clinical candidate for the treatment of COVID-19. Science. 2021 Nov 2:eabl4784. doi: 10.1126/science.abl4784. Epub ahead of print. PMID: 34726479.