Variantes do coronavírus: eram esperadas? São piores? Vacinas funcionarão?
Giulia Granchi
Do VivaBem, em São Paulo
23/02/2021 10h41
Os vírus são naturalmente "mestres da mutação", o que explica a capacidade de se reproduzirem e povoar a Terra há bilhões de anos, muito antes da vida humana. O potencial de mutação e adaptação a novos ambientes biológicos é a chave do sucesso evolutivo dos vírus e com o Sars-CoV-2, o novo coronavírus, não é diferente.
Variantes já foram encontradas em locais como Reino Unido, Japão, África do Sul e Brasil, e colocam em xeque a eficácia das vacinas, além de gerar outras dúvidas na população. Abaixo, com a ajuda de especialistas, respondemos as principais questões sobre as novas mutações.
Tire dúvidas sobre as variantes do coronavírus
Como surge uma variante de vírus?
O processo de mutação é natural na história biológica de qualquer vírus. Quando entra numa célula, um único vírus é capaz de gerar milhares de cópias novas —sua reprodução é extremamente rápida.
Para se multiplicar, seu material genético é introduzido nas células do hospedeiro. Durante o processo de replicação, as enzimas responsáveis pelas cópias podem introduzir erros no genoma (alterações nas "letrinhas" que compõem o código genético). Quanto maior a taxa de transmissão, maiores são as chances de surgirem novas variantes.
A maioria dessas alterações são nocivas, e os vírus que adquiriram essas mutações acabam sendo eliminados. Mas como eles produzem milhares de novas cópias, alguns desses vírus acabam tendo mutações que são benéficas para si próprios, permitindo vantagens evolutivas.
"Uma das mutações benéficas para o coronavírus, por exemplo, permite que ele se ligue mais fortemente ao receptor celular que usa para entrar na célula da pessoa infectada. Outra faz com que os anticorpos gerados contra ele não se liguem com tanta eficiência à sua superfície, tornando-o mais perigoso para nós", explica Flávio Guimarães, pesquisador do Departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
As variantes do coronavírus são mais perigosas?
Sim. As variantes que são selecionadas, necessariamente possuem alguma vantagem. Muitas delas são mais infecciosas, se ligam mais fortemente nas células e se tornam mais transmissíveis.
"Outro ponto, talvez o principal nesse momento, é que algumas das variantes alteram a proteína da superfície do vírus e fazem com que os anticorpos gerados por uma infecção prévia ou por uma vacina tenham mais dificuldade em se ligar na superfície desse vírus, consequentemente causando um fenômeno chamado de escape imunológico, extremamente perigoso, já que permite reeinfecção", afirma o virologista.
É normal ter variantes em vírus como o coronavírus?
Conforme explica Guimarães, o aparecimento de variantes é absolutamente normal. "Ainda mais por que o coronavírus é um vírus de RNA, genoma que sofre mais mutações do que o DNA. Era já de se esperar que eles fossem surgir conforme o vírus vai se multiplicando na população humana", afirma o pesquisador da UFMG.
Como identificar uma nova cepa do vírus?
As cepas são identificadas por meio de sequenciamento genético feito em laboratório.
Os testes reconhecem as variantes do coronavírus?
Alguns testes podem não ser capazes de identificar o vírus. "O RT-PCR comum, por exemplo, que detecta o RNA viral, depende da sequência de determinadas regiões desse ácido nucleico. Se houver alguma mutação nelas, o vírus se torna mais difícil de ser reconhecido", explicou João Renato Rebello Pinho, coordenador médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), em entrevista à Agência Einstein.
Já um novo teste RT-PCR desenvolvido pela Fiocruz é capaz de reconhecer as cepas de Manaus, da África do Sul e do Reino Unido, de acordo com reportagem publicada na coluna da jornalista Mônica Bergamo.
As variantes do coronavírus estão aparecendo mais rápido do que o esperado?
Não. Desde o começo da pandemia, as mutações já eram algo esperado pelos cientistas. A velocidade com que surgiriam dependia da transmissão viral entre a população. Como o Brasil não conseguiu conter a pandemia rapidamente, o aparecimento das mutações encontradas nos últimos meses já era considerado provável.
O que é possível fazer para desacelerar o surgimento de novas variantes?
Além da vacinação, a maneira de reduzir as chances de surgimento de novas variantes é manter medidas de contenção da covid-19, impedindo que o vírus circule livremente, ou seja, evitando aglomerações, praticando o distanciamento físico, usando máscara e fazendo higienização das mãos.
As vacinas serão eficazes para combater as variantes do coronavírus?
Ainda não se sabe. Alguns estudos iniciais mostram que já existem vacinas em uso que causam boa resposta imunológica às novas variantes. No entanto, as análises não são definitivas e ainda faltam testes com diferentes imunizantes e mutações.
"Mesmo com a vacina, ainda será preciso o uso de máscara e o isolamento social até que se descubra o melhor intervalo para tomar novas doses e se os imunizantes terão que ser modificados anualmente", indica Rebello Pinho.
As máscaras que usamos são eficazes para as novas variantes?
Sim, são igualmente eficazes. As máscaras filtram aerossóis e gotículas de saliva, que podem conter partículas virais —sendo elas das variantes ou não.
A infecção por variantes causa sintomas diferentes?
Até pouco tempo, acreditava-se que não, já que os infectados apresentavam sintomas muito semelhantes. No entanto, nas últimas semanas, médicos registraram resultados clínicos piores em determinado grupos populacionais.
Ainda é cedo para dizer e o assunto está sendo debatido, mas a possibilidade de sinais diferentes —e até mais graves— começa a ganhar força na literatura científica para alguns tipos de variantes.
Fonte: Flávio Guimarães da Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas e pesquisador do Departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Agência Einstein e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)