Ato falho: por que você às vezes fala o que não deve e como evitar?
Quem nunca fez um trocadilho infeliz sem querer, soltou um palavrão horrível na hora errada ou chamou alguém pelo nome errado? Políticos, jornalistas e outras figuras públicas viram meme quase todos os dias por causa disso. Mas será que é só cansaço?
"Há evidências bem claras, de experimentos, de que o que você está pensando secretamente pode emergir por meio da fala de forma não intencional", conta o norte-americano Benjamin Bergen, professor de ciências cognitivas da Universidade da Califórnia. Ele é autor do livro "What the F... - What swearing reveals about our language, our brain and ourselves" (Mas que f... O que os palavrões revelam sobre nossa língua, cérebro e nós mesmos, sem tradução no Brasil).
Num desses testes citados por Bergen, estudantes do sexo masculino tinham que ler pares de palavras complicadas bem rápido e sem errar. O pesquisador, então, era trocado por uma garota jovem com roupa provocante. Com a moça em cena, os rapazes cometeram muito mais erros, além de trocarem muitas palavras por similares com sentido apimentado ("coxa grossa" em vez de "colcha rosa", por exemplo). "Então é claro que atos falhos podem acontecer", conclui.
"No entanto, quando cometemos erros de fala, é mais provável que eles sejam inócuos, pois nossos cérebros têm um monitor interno que percebe o que estamos prestes a dizer e pisa no freio se for algo que é tabu", explica. É o nosso lobo frontal em ação, segundo ele, sem que a gente se dê conta. Mas o nosso guardião se enfraquece em algumas situações: "Estudos em laboratório evidenciam que muitos fatores aumentam erros de fala, como fadiga, estresse, uso de álcool, pressa e emoções", avisa. Dá para evitar? Difícil. Mas algumas dicas de quem estuda o assunto podem diminuir o risco de gafes.
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Chamar o parceiro pelo nome do ex
Esse lapso virou um exemplo clássico de ato falho, embora Freud tenha dado significados bem mais amplos para o termo em seu livro "A psicopatologia da vida cotidiana", de 1901. "Ele dizia que é possível perceber alguns elementos do inconsciente nos atos falhos, nos sonhos e também nas piadas (chistes)", explica o psiquiatra Luiz Sperry. "Mas essas interpretações só fazem sentido no contexto de uma terapia", acrescenta. Também é bom ressaltar que o inconsciente esconde muito mais do que desejos sexuais reprimidos, e que, na época de Freud, o conhecimento sobre os mecanismos de fala e memória eram mínimos. Por isso Sperry garante que o deslize pode não ser o que parece: "Pode ser saudade do ex? Pode. Mas também pode ser só cansaço, ou algo que a pessoa fez, que a levou a lembrar de outra". Dormir melhor é uma forma de evitar que conteúdos reprimidos venham à tona, pois, como explica o psiquiatra, o cansaço diminui as defesas do ego que mantêm o conteúdo recalcado ali, quietinho, no inconsciente.
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Trocar "nexo" por "sexo"
Se até o Papa Francisco já viralizou por ter trocado a palavra "caso" por "cazzo" (um palavrão que em italiano e português têm o mesmo sentido) num discurso, ninguém deveria se martirizar por um trocadilho infeliz. Psicólogos famosos, como o escritor Steven Pinker, explicam que o erro é puramente mecânico. Em um evento no Brasil, há alguns anos, Pinker creditou esses erros ao fato de que, quando você pronuncia uma palavra, já está pensando nas palavras seguintes, o que pode fazer os sons se confundirem na sua cabeça. Pensar na frase toda antes de falar evitaria o risco, mas isso nem sempre é possível. Antes de pronunciamentos importantes, no entanto, convém fazer anotações ou ensaiar o que vai ser falado.
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Confundir os amigos
Você encontrou um amigo chamado Roberto e, no meio da conversa, você o chama de Carlos, para profunda tristeza do interlocutor. Para além do cansaço e do recalque, há muitas outras explicações possíveis para esses esquecimentos: "Na psicologia comportamental, isso é chamado de controle de estímulos: no momento em que fala com Roberto, você lembra do Carlos por causa de alguma condição antecedente --algo na conversa o faz lembrar de algo que foi discutido antes com o outro", ilustra o psicólogo Fábio Caló, do Instituto de Psicologia Aplicada (Inpa). No exemplo citado, o estímulo que levou ao comportamento (trocar o nome) foi contextual, mas também poderia ser visual, auditivo etc. Mas nomes próprios vão ser sempre um problema. Em artigo sobre o tema, a pesquisadora Kethera Fogler, da Universidade do Colorado, nos EUA, conta que eles são mais difíceis de ser assimilados do que outros tipos de informação, pois são arbitrários (ou seja, não descritivos) e pouco repetidos. Para não esquecer um nome, você pode recorrer a técnicas de memorização, como associar a palavra a uma imagem, que é mais fácil de ser acessada.
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Só porque não era para dizer...
Algumas vezes, por nervoso ou impulsividade, as pessoas acabam falando exatamente aquilo que tinham treinado para não falar. A razão é simples: aquilo estava na cabeça. Em uma citação famosa, o escritor russo Fiodor Dostoiévski propôs que, ao se impor a tarefa de não pensar em um urso polar, o que acontece é que ele vem à mente o tempo todo. O professor de psicologia da Universidade de Harvard Daniel Wegner decidiu testar a hipótese em um experimento com estudantes, publicado em 1987 no Journal of Personality and Social Psychology, e ela foi confirmada. Por terem sido orientados a não pensar no bicho, participantes lembraram do dito cujo a cada minuto. Em uma apresentação na Associação Americana de Psicologia 25 anos depois, Wegner citou algumas estratégias para suprimir ursos brancos, ou melhor, pensamentos indesejáveis: praticar meditação mindfulness é uma delas. A outra é a exposição controlada. Isso significa falar à vontade sobre o que você não quer falar num local seguro, como uma sessão de terapia, para aliviar a ansiedade e não ser traído pela própria boca.
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