Como o marketing tem lido nossa mente para tomar (e influenciar) decisões
Quanto mais os cientistas sabem sobre o funcionamento do nosso cérebro, melhor entendem a maneira como tomamos decisões. Não é simples explicar o que levamos em conta na hora de comprar esse ou aquele produto, de comer no restaurante X ou Y e até de votar em um candidato ou em outro. O resultado tem muito mais de emoção e de memória do que de lógica cartesiana.
Nossa forma de agir no mundo depende de coisas que são conscientes e de outras que não são. O porquê de nossas escolhas, nossos desejos, nossas decisões vêm de muitas coisas das quais não temos consciência e, então, não conseguimos verbalizar nem para nós mesmos essas razões Billy Nascimento, diretor da empresa Forebrain e coordenador do curso de neuromarketing da ESPM (Escola Superior de Publicidade e Marketing)
É aí que entra a neurociência. Cada vez mais empresas têm usado pesquisas com ferramentas da medicina para entender a preferência de consumo. Exames como eletroencefalograma, ressonância magnética funcional e de respostas biológicas, usados com base nos conhecimentos da neurociência, prometem ser uma fonte de informações sobre a reação do cérebro do consumidor e não apenas sobre o que ele diz.
Para decidir se uma propaganda deve usar uma voz feminina ou uma voz masculina, as empresas já não apresentam apenas a peça para diferentes pessoas e pedem suas opiniões. O público escolhido tem o cérebro monitorado para checar quais as zonas do cérebro estão mais irrigadas de sangue durante o comercial e checar qual das duas locuções ativa mais a área dedicada à atenção, por exemplo.
Se é emoção que ajuda a criar memórias, não é mais apenas investir no sentimento na hora de mostrar sua marca. Falamos agora de checar com exames se as partes adequadas do cérebro foram ativadas diante daquele comercial que quase fez você chorar.
Essas informações são usadas para definir uma publicidade, mas também para determinar a capacidade de alcance de um vídeo, qual produto tem maior engajamento emocional do cliente na hora de decidir o que vai ser lançado no mercado ou até mesmo qual o preço que o consumidor está disposto a pagar, comenta a pesquisadora Janaína Giraldi, fundadora de um grupo de estudos de neuromarketing na USP (Universidade de São Paulo).
Seria essa uma nova forma de manipulação? Para os especialistas ouvidos, todo tipo de publicidade é uma tentativa de convencer o público, e usar informações especializadas para ampliar a persuasão não é novidade.
"É importante dizer que a preferência e a decisão tomada não podem ser tomadas uma por outra. Essas informações dizem sobre a reação da pessoa a algo, mas não necessariamente elas vão levar essas pessoas à ação desejada lá na frente, seja a de comprar algo ou a de doar sangue", afirma Álvaro Machado Dias, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e colunista do UOL.
No entanto, ele considera que com esse tipo de informação da neurociência é possível melhorar estratégias de comunicação —e de convencimento. A discussão, então, é sobre a ética do uso desse tipo de técnica para conteúdos essenciais para a sociedade como política ou para produtos aditivos como cigarro e álcool, ou ainda em propagandas dirigidas a crianças.
Para quem recebe as informações, a melhor ferramenta para entender como estão tentando influenciar sua mente é conhecer as táticas usadas.
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Para conquistar sua atenção
Despertar atenção é essencial para qualquer propaganda, mas isso não basta. De nada adianta aquela frase de efeito, se até aparecer o produto, a marca ou o candidato, você se dispersou. Algumas estratégias para otimizar os efeitos da comunicação passam pelo mapeamento das áreas do cérebro de um grupo ativadas ao longo do filme. "Não basta medir a média da reação, o importante é monitorar a reação adequada a cada momento do filme, levando em conta sua linguagem", explica Dias, que cita uma pesquisa feita por seu grupo de pesquisa com filmes contemplativos, de aventura e comédia. A partir das informações desse mapeamento, as empresas podem saber qual parte do filme em que o público se sente bem ou mal, se dispersa etc, e remontar sua propaganda ou o vídeo do YouTube a partir das reações deste grupo de teste.
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Criando boas memórias
"Quanto mais engajada emocionalmente é uma pessoa com um produto ou com uma marca, mais ela estaria propensa a comprar", explicita Jorge Caldeira, professor da FEA-RP da USP e fundador do grupo de neuromarketing Gmind. As memórias criadas em torno da marca são importantes na decisão. Caldeira cita uma pesquisa de 2004 que mostrou que a marca importava no efeito de um produto nas pessoas. A experiência mostrou que a área do cérebro ligada ao prazer e às memórias era ativada quando as pessoas sabiam que estavam bebendo Coca-Cola, o mesmo não acontecia quando as pessoas bebiam o produto sem saber se era Coca ou Pepsi. O mesmo acontece com o álcool, alerta Caldeira, parte do prazer está ligado às memórias de imagens de felicidade que vemos desde crianças ligadas à bebida.
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Oferecendo produtos que despertam certa emoção
Não é só na hora da publicidade, há empresas usando metodologias de neurociência também no desenvolvimento de produtos. Nascimento dá o exemplo de uma empresa cosmética que buscou sua equipe para definir uma fragrância que despertasse mais sensações de felicidade no cérebro de quem sentisse. É possível ainda verificar pelas zonas do cérebro ativadas emoções como estresse ou raiva.
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Quando a política encontra a neurociência
As tecnologias que já eram usadas para melhorar o marketing de produtos passaram a fazer parte de campanhas políticas nos últimos anos, e o campo continua em franco desenvolvimento. Em 2015, uma matéria do The New York Times citava o uso de pesquisas em eleições na Polônia, na Turquia, no México e também nos Estados Unidos. Roger Dooley, autor de "Como influenciar a mente do consumidor", dedica uma de suas últimas colunas à pergunta se o neuromarketing vai determinar a eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos e conclui que os neuromarqueteiros não inventaram o uso do apelo emocional na política, mas "vão encontrar maneiras de torná-los ainda mais persuasivos em 2020".
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Quem decide o que pode e o que não pode
Em que casos é ético usar informações da neurociência para aumentar a persuasão de um discurso? É desejável usar informações do inconsciente e mensagens subliminares em propagandas voltadas a crianças ou à indução ao consumo de produtos que levam ao vício. "Com os equipamentos de neurociência, podemos ver exatamente o que as pessoas estão sentindo, e este é um ferramental muito poderoso para não ter nenhuma regulação de seu uso", considera Caldeira. O pesquisador diz que o grupo de pesquisa na USP estuda a criação de uma associação para monitorar o uso dessas estratégias. Para quem se assusta com a invasão "mental", Dias lembra que, no caso de um discurso, olhar nos olhos ainda é uma ferramenta poderosa para decodificação. "Fomos treinados para isso ao longo da nossa evolução. Conseguimos perceber se alguém está mentindo ou dizendo algo em que acredita", comenta. Ou seja, conseguimos perceber se a pessoa acredita ou não no que ela diz. No entanto, saber se o que a pessoa diz é verdade ou não são outros quinhentos...
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