Como se concentrar de verdade no que você está fazendo
Quantas horas por dia você perde com e-mails, mensagens de texto e navegação na internet? Dá até preguiça de fazer a conta, porque uma tarefa desse tipo exigiria um estado de atenção constante, e pouca gente tem esse talento. Em terra de distrações digitais, quem consegue se concentrar é rei, e quem não se der conta disso vai ficar para trás, como sugere o norte-americano Cal Newport, professor da Universidade de Georgetown e autor dos best-sellers "Trabalho focado" e "Minimalismo Digital" (Ed. Alta Books) lançado recentemente.
Mas como exercitar essa habilidade numa era em que demorar para responder uma mensagem é quase uma ofensa e não atender ao celular é sinal de desleixo? E o mais importante: como ficar duas ou três horas completamente focado em uma única atividade, sem morrer de tédio? A resposta envolve um conceito que tem atraído empresários, psicólogos, coaches e especialistas em ciências cognitivas mundo afora - o "flow" (ou fluxo). "O termo foi criado pelo professor de psicologia Mihaly Csikszentmihalyi em 1990, para designar o estado que acompanha atividades altamente envolventes", conta a psicóloga e master coach Liamar Fernandes, da SBCoaching. No trabalho essa sensação aparece quando você executa uma tarefa desafiadora que envolve uma habilidade que você tem. "Até o mais mundano dos trabalhos pode produzir 'flow'", garante a profissional. Mas para isso é preciso gostar do que se faz.
Sabe quando você fica entretido com um videogame, pratica surfe ou faz uma aula de ioga e não vê o tempo passar? Como uma criança que se esquece da fome ou da vontade de fazer xixi porque está brincando, ou seja, totalmente imerso no momento presente? É isso. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor dos livros "Inteligência Emocional" e "Foco", o "flow" gera uma espécie de harmonia no funcionamento do cérebro que permite às pessoas atingirem seu pico de produtividade sem se sentir sobrecarregadas. Estudos mostram que, nesse estado, os níveis de cortisol (hormônio do estresse) se reduzem, porque há um certo relaxamento, mas não a ponto de minar a motivação para agir. Como atingir esse nirvana? Aqui vão algumas dicas:
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Seja minimalista
Para a maioria dos mortais, viver sem acesso às redes sociais, como faz o autor de 'Minimalismo Digital", é uma utopia. Apesar de admitir que as ferramentas oferecem algumas vantagens, ele dá voz aos críticos que consideram as curtidas um novo tipo de nicotina. "As pessoas não sucumbem às telas porque são preguiçosas, mas porque bilhões de dólares foram investidos para fazer com que isso seja inevitável", julga o autor. Você pode até achar que não precisa de detox digital, mas apostar na ideia de que "menos é mais' é essencial para se concentrar nas tarefas que podem lhe trazer mais retorno do que algumas curtidas. Uma das dicas é escolher apenas uma única plataforma, e refletir se vale a pena visualizar posts de pessoas que você nem lembra direito quem são. Outra é reservar algumas horas do dia para ficar longe (de verdade) dos eletrônicos.
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Exercite a espera
A atenção é como um músculo que precisa ser malhado. "Ela pode ser treinada e aperfeiçoada com técnicas cientificamente testadas, como por exemplo a meditação de atenção plena ou o neurofeedback", sugere a psicóloga e coach Ana Carolina Cardoso, da Clínica Higashi, no Rio de Janeiro. Adiar gratificações é outro exercício que precisa ser praticado com regularidade para se ter foco, e os resultados não surgem da noite para o dia. O autor de "Minimalismo Digital" diz que se impõe algumas regras para moldar esse músculo, como "abraçar o tédio" e, caso esteja vendo um filme na TV e a trama se mostre não muito envolvente, ele se compromete a assistir até o fim sem tocar no smartphone. Pode ser difícil no começo, ele avisa, mas com o tempo o hábito é incorporado.
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Para se engajar é preciso começar
Inspiração não cai do céu. Você só vai conseguir se envolver em uma atividade e entrar no processo do "flow" se começar a executá-la. Newport sugere pequenos rituais para se desconectar das distrações e entrar no trabalho focado, como fazer uma caminhada antes de mergulhar na tarefa, por exemplo. Fazer anotações ou desenhos também ajuda a organizar os pensamentos, estimular o raciocínio e a memória, e até a diminuir a ansiedade. Escrever sobre as próprias emoções, pensamentos e comportamentos resultantes deles --a chamada metacognição, é um recurso utilizado por muitos terapeutas para melhorar o controle sobre pensamentos intrusivos, que atrapalham o humor e o foco. "Estimular a metacognição pode gerar resultados positivos nos padrões de ativação de redes neurais e nas estratégias de regulação emocional", atesta o psicólogo Gustavo Ramos Silva, mestre em cognição humana pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
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Negocie antes com a família e o chefe
Você consegue surfar e ao mesmo tempo responder um e-mail para o chefe? Mas é capaz de digitar uma mensagem enquanto está no trânsito, certo? Esses exemplos mostram a diferença entre trabalho focado e superficial: o primeiro exige atenção exclusiva e habilidade, enquanto o segundo pode ser feito com distração. Como enfatiza Newport, o primeiro é o que gera valor para o mundo e pode resultar numa promoção no trabalho, embora responder e-mails e telefonemas seja necessário para manter seu emprego. Se não existe espaço na agenda para se concentrar no que realmente faz diferença, talvez seja preciso discutir prioridades e fazer acordos com a chefia ou com a família para que, pelo menos durante duas ou três horas ao dia, você não seja interrompido.
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Foco nas pessoas também é importante
Os efeitos das redes sociais sobre o bem-estar são paradoxais, como demonstram inúmeros estudos: eles geram uma ideia de conexão, mas também fazem as pessoas se sentirem mais solitárias. Para Cal Newport e muitos psicólogos, o problema é que a internet afasta os usuários dos contatos offline e nossos cérebros evoluíram a partir deles. Quando se interage com os outros, é preciso processar uma porção de sinais sutis, como tom de voz, linguagem corporal e expressões faciais, além de assimilar a mensagem e regular as próprias reações. No simulacro que se tem num papo online, as redes de processamento social mais sofisticadas ficariam subutilizadas. Isso significa que guardar o smartphone durante uma conversa presencial também é uma forma de exercitar a concentração e a inteligência.
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Pratique atividades em grupo
Se entrar em "flow" sozinho é prazeroso, junto com outras pessoas pode ser ainda mais. O pesquisador Daniel Weinstein, da Universidade de Londres, junto com colegas da Universidade de Oxford e também da Finlândia e Dinamarca, descobriram que cantar em coral promove um bem-estar tão grande que a tolerância à dor aumenta após a atividade. A explicação, segundo estudo publicado no periódico Evolution and Human Behavior, é que a vida em grupo trouxe vantagens para o ser humano ao longo da evolução, por isso "aprendemos" a extrair prazer da sensação de pertencimento e conexão. Além disso, cantar exige atenção completa à música para que não se perca o fio da meada. Outros trabalhos apontam benefícios adicionais, como melhora da imunidade e da pressão arterial. Outras atividades em grupo que exigem sincronização, como dança, grupos de corrida ou remo, podem ter efeito semelhante, com a vantagem de queimar calorias.
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