Comer carne processada e alimentos com nitrito ou nitrato faz mal à saúde?
Quando você ouve falar de "nitrato" e "nitrito", talvez o que venha à mente seja uma das aulas de química na escola ou algum tipo de fertilizante - dificilmente, você vai associar ao almoço ou jantar.
E, se você pensar nas refeições, é provável que venha uma imagem negativa, talvez pela recente campanha de cientistas e políticos britânicos para proibir o uso destes conservantes em carnes processadas, como bacon e presunto, por causa dos possíveis efeitos cancerígenos.
Mas a relação entre a saúde e o consumo de nitritos e nitratos é muito mais complexa. Não dá para dizer simplesmente que "fazem mal".
Por exemplo, o suco de beterraba tem alto teor de nitrato natural, que tem sido associado à redução da pressão arterial e ao aumento do rendimento esportivo.
Os nitratos também são o princípio ativo de alguns medicamentos para a angina, condição em que a redução do fluxo sanguíneo causa dor no peito. Então, será então que os nitratos e nitritos realmente fazem mal para a saúde?
Os nitratos e nitritos, como nitrato de potássio e nitrito de sódio, são compostos químicos naturais que contêm nitrogênio e oxigênio. Nos nitratos, o nitrogênio é ligado a três átomos de oxigênio, enquanto, nos nitritos, o nitrogênio é ligado a dois átomos de oxigênio.
Ambos são conservantes usados na indústria alimentícia para inibir o crescimento de bactérias nocivas no bacon, presunto, salame e em alguns queijos.
Diante de todo o furor em torno da carne processada, você pode imaginar que essa é a principal fonte de nitratos da nossa dieta. Mas, na verdade, apenas cerca de 5% dos nitratos presentes na alimentação padrão são provenientes desta fonte - mais de 80% são de origem vegetal.
Os legumes e verduras obtêm nitratos e nitritos do solo em que são cultivados. Os nitratos estão presentes em depósitos minerais naturais, enquanto os nitritos são formados por micro-organismos do solo que decompõem matéria orgânica de origem animal. Hortaliças como espinafre e rúcula costumam ter alto teor de nitrato, assim como aipo, beterraba e cenoura.
Verduras e legumes orgânicos podem apresentar níveis mais baixos do que os não orgânicos, uma vez que seu cultivo não envolve fertilizantes à base de nitrato sintético.
No entanto, há uma diferença importante em como os nitratos e os nitritos são adicionados às carnes processadas em comparação com os vegetais - e isso também afeta o efeito cancerígeno.
Relação com o câncer
Os nitratos são bastante inertes por si só, o que significa que é improvável que se envolvam em reações químicas no organismo. Mas os nitritos e as substâncias químicas formadas a partir deles são muito mais reativos.
A maioria dos nitritos não são consumidos diretamente, mas convertidos a partir de nitratos pela ação de bactérias presentes na boca. Nesse sentido, uma pesquisa de 2013 mostra que o uso de enxaguante antibacteriano bucal pode reduzir fortemente a produção oral de nitritos.
Quando engolimos os nitritos fabricados na nossa boca, uma das coisas que podem acontecer é eles reagirem no ambiente altamente ácido do estômago para formar nitrosaminas, que podem ter efeito cancerígeno, sendo relacionadas ao câncer de intestino.
Mas, para que isso aconteça, é necessário que haja uma fonte de amina, substância química derivada da amônia encontrada em abundância em alimentos ricos em proteína. As nitrosaminas também podem ser produzidas diretamente nos alimentos, quando são preparados em fogo alto, como é o caso do bacon frito.
"Não são os nitratos ou nitritos em si [que são cancerígenos], depende da maneira como são preparados e do que há no seu entorno", explica Kate Allen, diretora-executiva de ciência e relações públicas do Fundo Mundial para Pesquisa contra o Câncer.
"Por exemplo, os nitritos nas carnes processadas estão muito próximos das proteínas (mais especificamente, dos aminoácidos). Quando são cozinhados em altas temperaturas, isso permite que formem nitrosaminas, que é um composto cancerígeno."
Allen acrescenta, no entanto, que os nitritos são apenas uma das razões pelas quais as carnes processadas contribuem para o câncer de intestino, e sua importância nisso ainda é incerta.
Outros fatores que podem colaborar incluem o ferro, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (que se formam em carnes defumadas) e aminas heterocíclicas (geradas quando a carne é frita ou grelhada em alta temperatura).
Também é importante colocar os riscos sob perspectiva. Embora a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer classifique a carne processada como cancerígena, o risco é bem pequeno.
No Reino Unido, por exemplo, seis em cada cem pessoas vão ter câncer de intestino ao longo da vida. Para aquelas que comem 50 gramas de carne processada (cerca de três fatias de bacon) diariamente, a chance é de sete em cem.
Benefícios
Os nitritos não são de todo ruim. Há cada vez mais evidências de que eles podem proporcionar benefícios à saúde, graças a uma molécula chamada óxido nítrico. Em 1998, três cientistas americanos receberam o prêmio Nobel por suas descobertas a respeito do papel do óxido nítrico - um gás - no sistema cardiovascular.
Hoje em dia nós sabemos que ele dilata os vasos sanguíneos, reduz a pressão arterial e faz parte do arsenal do corpo contra infecções. Assim, a capacidade limitada de produzir óxido nítrico está associada a doenças cardíacas, diabetes e disfunção erétil.
Uma das formas pela qual o corpo fabrica esta substância é a partir de um aminoácido (componente da proteína) chamado arginina. No entanto, a ciência provou que os nitratos presentes na alimentação também podem contribuir significativamente para a formação de óxido nítrico.
Isso é importante principalmente para idosos, uma vez que a produção natural de óxido nítrico via arginina tende a diminuir com a idade. Ainda assim, embora os nitratos encontrados no presunto sejam quimicamente idênticos aos presentes na salada, você deve optar pelo de origem vegetal.
"Temos observado um aumento dos riscos associados ao nitrato e nitrito de carnes para alguns tipos de câncer", diz Amanda Cross, professora de epidemiologia do câncer na universidade Imperial College, em Londres.
"Mas não observamos riscos associados aos nitratos ou nitritos de legumes e verduras, pelo menos em grandes estudos em que a ingestão é estimada a partir de questionários."
Cross acrescenta que "é razoável supor" que nitratos presentes em folhas verdes têm menos chances de fazer mal à saúde (ou seja, a formar nitrosaminas). Isso acontece porque eles não são alimentos ricos em proteínas e também porque contêm componentes protetores, como vitamina C, polifenóis e fibras, que têm demonstrado reduzir a formação de nitrosaminas.
Então, quando a maior parte dos nitratos na nossa dieta é de origem vegetal - e, por sua vez, estimula a formação de óxido nítrico - provavelmente fazem bem à nossa saúde.
Um especialista em óxido nítrico vai além, argumentando que os nitratos e nitritos devem ser classificados como nutrientes essenciais que podem ajudar a prevenir condições como ataques cardíacos e derrames.
Quantidade certa
É praticamente impossível estimar com segurança o consumo de nitrato na dieta, uma vez que a quantidade nos alimentos é extremamente variável.
"Os níveis podem variar até 10 mil vezes no caso da alface, e os nitratos na água potável também podem variar consideravelmente dentro do limite legal (50 mg/litro)", diz o epidemiologista nutricional Gunter Kuhlne, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
"Isso significa que os estudos que investigam os efeitos do nitrato na saúde precisam ser interpretados com muito cuidado, já que 'nitrato' pode ser simplesmente um indicador da ingestão de verduras e legumes."
Um relatório da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar de 2017 (EFSA, na sigla em inglês) aprovou uma ingestão diária aceitável (quantidade de uma substância que se pode consumir todos os dias, com segurança, por toda a vida) que equivaleria a 235 mg de nitrato para uma pessoa que pesa 63,5 kg.
Mas o relatório também observou que indivíduos de todas as faixas etárias podem ultrapassar essa quantidade diária facilmente. Já a ingestão de nitrito costuma ser muito menor. No Reino Unido, a estimativa é que a média de consumo seja de 1,5 mg por dia.
Segundo a EFSA, a exposição aos conservantes de nitrito se encontra dentro dos níveis considerados seguros em todos os grupos populacionais na Europa, excedendo ligeiramente apenas no caso de crianças com dietas com alto teor de aditivos.
Alguns especialistas afirmam, no entanto, que as doses diárias aprovadas de nitrato e nitrito estão desatualizadas, e que consumir níveis mais altos é não apenas seguro como também benéfico de fato - desde que sejam de origem vegetal, e não de carnes processadas.
Por exemplo, ao comer uma salada grande de rúcula e espinafre ou tomar um copo de suco de beterraba, você está ingerindo de 300 mg a 400 mg de nitratos de uma só vez, quantidade que está relacionada à redução da pressão sanguínea.
Por outro lado, uma dose de 2 g a 9 g (2000 mg - 9000 mg) de nitrato pode ser tóxica, provocando alterações na hemoglobina e deixando uma coloração azulada nos lábios e na pele.
Mas este seria um nível difícil de alcançar de uma só vez, e muito pouco provável de acontecer a partir da ingestão de alimentos. É mais perigoso, por exemplo, ficar exposto à água contaminada por fertilizantes.
O que fazer então? Se você quer comer os tipos certos de nitratos e nitritos e evitar os que têm potencial cancerígeno, adote uma dieta variada com pelo menos cinco porções diárias de frutas, legumes e verduras, e evite consumir carnes processadas com muita frequência. Desta forma, os benefícios dos nitratos e nitritos podem superar os possíveis malefícios para a saúde.
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