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'Descobri que tinha HIV aos 12 anos'

Aloma Watson-Ratcliffe tornou pública sua condição durante uma performance - @captain.frost
Aloma Watson-Ratcliffe tornou pública sua condição durante uma performance Imagem: @captain.frost

09/08/2019 12h28

Hoje com 20 anos, Aloma conta como lidou com a condição na infância e aprendeu a conviver com o medo e o estigma.

Aloma Watson-Ratcliffe tinha 12 anos quando descobriu que tinha contraído HIV, vírus causador da aids, da mãe. Agora com 20 anos, ela conta como lidou com a condição na infância e aprendeu a conviver com o medo e o estigma.

Ela relata à BBC como lida com a questão e por que decidiu fazer uma performance para tornar pública sua história.

"Eu peguei HIV da minha mãe, Molly - fui diagnosticada aos três anos de idade. Não sabemos ao certo como isso aconteceu - meu parto foi natural e não foi traumático, por isso, é altamente improvável que a transmissão tenha ocorrido antes da amamentação.

Minha mãe sabia que era soropositiva havia alguns anos. Ela contraiu HIV de um parceiro abusivo quando tinha 20 anos. Ela não estava morrendo, estava saudável, e era isso que ela queria para mim.

A família de Aloma foi morar na Austrália, onde sua mãe morreu de aids - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A família de Aloma foi morar na Austrália, onde sua mãe morreu de aids
Imagem: Arquivo pessoal

A amamentação é uma coisa realmente interessante - é uma escolha que toda mãe tem que fazer por si mesma, e eu respeito a escolha da minha mãe.

Ela havia sido aconselhada pelos médicos a não amamentar e foi informada que eu deveria tomar medicamentos, mas meus pais decidiram que me faria mal começar a tomar os remédios (antirretrovirais) ainda bebê.

Eles decidiram que era melhor eu desenvolver minha imunidade natural e... os efeitos colaterais em algumas crianças eram ruins.

Todos os meus amigos que tomaram (os medicamentos) têm seus sistemas (imunológicos) bagunçados, diferentes tipos de alergia ou condições médicas.

Eu tenho um sistema imunológico muito forte, então acho que foi uma escolha realmente responsável (não dar a medicação).

'Era um segredo horrível que eu não entendia', diz Aloma - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
'Era um segredo horrível que eu não entendia', diz Aloma
Imagem: Arquivo pessoal

Nos mudamos de Londres para Melbourne quando eu era muito pequena. Minha mãe passou por várias fases da doença - ela ficava boa por um tempo e, em seguida, entrava em uma espiral.

Ela morreu em outubro de 2001 e seis meses depois, quando eu tinha três anos, nos mudamos para Totnes, em Devon, quando fui diagnosticada como HIV positivo.

Eu fazia exames de sangue periódicos em Londres para monitorar o progresso do vírus a cada três meses. Os médicos explicavam os resultados usando animações, mas não davam nomes.

Eu sabia que havia algo diferente em mim. Eu tinha as mesmas doenças infantis que qualquer outra criança, mas ficava com hematomas - não eram doloridos, mas bastante visíveis - e demoravam um pouco para desaparecer.

Eu tinha 12 anos quando o médico me disse que eu era HIV positivo. Lembro de ter ficado com muito medo e achando que ia morrer. Você ouve falar sobre HIV e aids no recreio - em geral, piadas infames. Já tinha essa ideia na cabeça que era uma espécie de sentença de morte.

HIV na infância

- Há cerca de 530 crianças e jovens com menos de 18 anos soropositivas no Reino Unido;

- Foram registradas 4,5 mil gestações de mulheres com HIV no Reino Unido e na Irlanda entre 2015 e 2018;

- Deste total, 0,3% transmitiram o vírus para seus filhos, seja por meio da gravidez, do parto ou da amamentação;

- Tomar o tratamento antirretroviral corretamente durante a gravidez e a amamentação pode praticamente eliminar o risco de transmitir o vírus para o bebê.

Fonte: National Surveillance of HIV in Pregnancy e Childhood/Public Health England/Avert.

Tentei manter a calma e agir de forma madura, mas meu sentimento era de medo. Eu não conhecia ninguém que tivesse HIV.

Estava sozinha, e isso era um peso e tanto. Era um segredo horrível que eu não entendia. Isso me tornou uma criança muito fechada, com muitos problemas sociais.

Alguns pais descobriram por meio dos professores ou de outros pais. Eles abordavam meu pai histéricos perguntando: 'Por que você está deixando ela correr e beber a mesma água que a gente?'

Se eu contava a um amigo, uma das primeiras perguntas era: 'É seguro beber a mesma água?'

O HIV não é transmitido pela saliva, mas, por algum motivo, é muito difícil desconstruir esse mito.

Os professores se aproximavam de mim do nada compadecidos - e perguntavam: 'Como você está se saindo com a medicação?' E eu pensava: 'Não é da sua conta'.

Aloma conta que a revelação do diagnóstico foi um peso e tanto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aloma conta que a revelação do diagnóstico foi um peso e tanto
Imagem: Arquivo pessoal

Aos 15 anos, comecei a me consultar com uma terapeuta por outras razões e contei a ela sobre a doença. Foi quando comecei a lidar com a questão.

No ano seguinte, minha madrasta ouviu falar no rádio sobre o acampamento da Children's HIV Association (Chiva), que reúne 100 jovens portadores de HIV. Durante cinco dias, você aprende sobre a doença e educação sexual, além de fazer atividades divertidas.

Estava com medo de ir. Não sabia que seria um divisor de águas, mas realmente foi. Pela primeira vez na vida, consegui dizer "HIV" o tempo todo. Os voluntários sempre falavam, todos nós tínhamos (HIV) e não era assustador.

A gente podia falar sobre a medicação e os efeitos colaterais; conversar sobre as piadas que ouvíamos no parque e rir delas.

Foi uma experiência incrivelmente importante, uma vez que o resto do mundo não parece seguro - no recreio, você não se sente seguro; nos relacionamentos, você não se sente seguro até que tenha contado e trabalhado a reação da pessoa.

Há, inclusive, quem não se sinta seguro em suas famílias por causa do estigma em relação à doença.

Então, estar seguro e feliz é algo fora do comum e importante.

Aloma quando era bebê ao lado do pai, Toni, e da mãe, Molly - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aloma quando era bebê ao lado do pai, Toni, e da mãe, Molly
Imagem: Arquivo pessoal

Crianças e drogas antirretrovirais

Aloma começou a tomar a medicação aos 11 anos, um ano antes de ser informada que tinha HIV.

O NHS, sistema público de saúde do Reino Unido, diz que o tratamento pode ser iniciado a qualquer momento após o diagnóstico, "dependendo das circunstâncias e da consulta com o médico especialista".

"Tem havido uma mudança nas pesquisas em torno do HIV e uma enorme mudança nas drogas disponíveis e evidências sobre o melhor momento para tratar crianças", diz a pediatra Amanda Williams, presidente da Chiva.

"Por causa das pesquisas, sabemos mais claramente hoje sobre os efeitos colaterais e os benefícios das drogas do que há 20 anos, quando os pais tinham menos certeza sobre os efeitos colaterais do que agora. As crenças de algumas pessoas são muito fortes, e é muito difícil para essas famílias aceitarem a medicação."

"Qualquer criança que apresente sintomas e que esteja com sistema imunológico baixo deveria ser tratada. Mas sempre houve divergências de famílias que não gostam muito da medicação por causa de suas crenças em relação à saúde e o estigma."

Eu tomo um comprimido por dia. Ele mantém [o vírus] dormente no meu corpo. Está no meu sangue, mas não é capaz de sofrer uma mutação.

Algumas pessoas ficam com depressão, vomitam o tempo todo ou não conseguem comer, pode ser uma verdadeira batalha. No meu caso, não tive efeitos colaterais ruins, então vou continuar a tomar.

Ser portador de HIV não significa que você é uma pessoa perigosa - é por isso que eu criei uma performance para falar sobre ele, que encenei recentemente na Escola de Arte em Plymouth, onde estudei.

Quando terminei, houve um silêncio muito longo na plateia, então todos começaram a aplaudir, e as pessoas estavam chorando. Nós demos um grande abraço coletivo.

Acho que houve uma melhora de atitude, mas ainda falta informação nas escolas sobre HIV. Não é um tema realmente coberto nas aulas de educação sexual, em que o HIV só é abordado como uma doença sexualmente transmissível, que não foi a forma como eu contraí.

É sempre um desafio contar aos parceiros, muitas vezes a conversa é sobre transmissão e proteção. A maioria dos meus parceiros até agora não teve problemas com a minha condição, uma vez que o assunto foi discutido em profundidade.

Embora eu fale abertamente sobre minha situação, quando penso sobre como alguém pode reagir, não importa quantas vezes já tenha passado por isso, ainda assim vai mexer comigo.

Estou saindo com uma pessoa no momento, que está bem tranquila em relação a isso. Desde que sejamos honestos, e o parceiro tenha abertura para perguntar sobre qualquer questão ou medo, funciona."

Conforme relato feito para Jonathan Morris.