Controverso tratamento que promete atrasar menopausa em 20 anos deve chegar ao Brasil em 2020
Cientistas retiram partes do ovário da mulher, congelam e reimplantam anos depois para impedir menopausa; tratamento pode custar mais de R$ 50 mil.
Se você pudesse atrasar a menopausa, faria isso?
É algo que parece tão improvável que, certamente, poucas mulheres se fazem essa pergunta. Agora, porém, a clínica inglesa ProFam coloca na mesa um tratamento que, segundo eles, pode atrasar a menopausa em até 20 anos.
Eles conseguem fazer isso removendo o tecido ovariano para congelá-lo e reimplantar quando o paciente entra no estágio da vida que muitas temem e que geralmente ocorre após 45 anos.
A menopausa chega quando os ovários param de gerar estrogênio e progesterona. Este enxerto faz com que eles continuem a produção desses hormônios sexuais femininos.
Assim, a mulher continua a ovular e ter períodos durante o tempo em que o enxerto funciona, que geralmente dura cerca de sete anos, conforme explica Simon Fishel, um dos fundadores da clínica e pioneiro na fertilização in vitro.
A técnica não é nova, como ele admite: é usada há anos para preservar a fertilidade feminina. A novidade é o novo uso que o ProFam oferece: evitar a menopausa.
"A comunidade científica observa esses transplantes há 20 anos. Eu diria que nos últimos cinco ou sete anos ocorreu um debate debate interessante... Devemos ter essa conversa para dar à geração mais jovem a chance de decidir", diz Fishel.
No entanto, nem todos os especialistas pensam como ele, então o assunto não ficou isento de polêmicas.
Menopausa e fertilidade
A técnica usada pelo ProFam consiste em remover, por meio de uma cirurgia que dura meia hora, entre um terço e metade do córtex do ovário, onde os folículos que podem amadurecer para se tornarem óvulos são encontrados.
"O ovário continua funcionando, absolutamente. Depois de usar uma técnica semelhante com pacientes com câncer por 20 anos, posso dizer. Não há redução de fertilidade ou redução de material nos anos da pré-menopausa", diz Fishel.
Os cientistas dividem o tecido em "tiras". Eles são congelados para ser reimplantados no futuro. Quando isso acontece, sua eficácia depende da quantidade de "bons óvulos" que eles contêm, de acordo com o especialista.
"Se conseguirmos nove tiras, podemos implantar três na primeira vez. Se durarem seis ou sete anos, quando esse enxerto de três falhar, faremos um novo transplante. Chamamos de transplante episódico".
Fishel pratica esse procedimento há anos em pacientes com câncer cuja fertilidade estava em risco. É baseado nessa experiência que ele afirma que a técnica pode atrasar a menopausa em 20 anos.
As pacientes que mais se beneficiariam, segundo o especialista, são aquelas com menos de 40 anos de idade. Embora Fishel acredite que, dependendo do histórico familiar e da reserva ovariana, esse limite pode ser estendido excepcionalmente para 43 anos.
Aquelas com menos de 35 anos poderiam até conservar esse tecido com dois objetivos: atrasar a menopausa e preservar a fertilidade.
A cirurgia custa entre 6.000 e 7.000 libras esterlinas (de R$ 30 mil a R$ 35 mil, aproximadamente), que teriam que adicionar as 4.000 libras do implante (cerca de R$ 20 mil) e os custos de conservação de tecidos, que seriam " pelo menos 100 libras por ano" (quase R$ 500), segundo Fishel.
A partir do próximo ano, também poderá ser realizado no Brasil, onde o ProFam planeja abrir uma filial.
Para que?
Mas por que alguém iria querer atrasar a menopausa?
"Acho que sintomas como mudanças de humor, ansiedade ou ondas de calor não são medicamente ameaçadores, até certo ponto, mas também não são leves", diz Fishel.
"Algumas mulheres dizem: 'Tivemos esses sintomas, sofremos e continuamos com nossas vidas.' Entendo, mas também sabemos que 60% das mulheres que passam pela menopausa precisam de atenção médica e retornam ao médico por razões de todos os tipos, como para mudar de medicação, pois a terapia hormonal não funciona ou não é apropriada."
"Para essas mulheres que sofrem os sintomas mais graves, como osteoporose, doenças cardiovasculares e disfunção cognitiva, retardar a menopausa pode melhorar muito sua qualidade de vida".
O novo tratamento da ProFam, no entanto, teve uma recepção morna pela comunidade científica.
Como explicou o médico espanhol especializado em Ginecologia e Obstetrícia José Luis Neyro, é verdade que a menopausa pode levar a uma perda significativa de qualidade de vida.
"Sabe-se que o déficit de estrogênio está relacionado à má administração de gorduras pelo organismo. Com a perda desse hormônio, minerais são perdidos nos ossos e a massa óssea é perdida. Em relação a tudo isso, aumenta o risco de infarto agudo do miocárdio, trombose, osteoporose e fraturas", disse à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
A isso se acrescenta a possibilidade de ter insônia, sudorese noturna, sufocamento, secura vaginal ou perda do desejo sexual.
"Mas também sabemos nos últimos 25 anos que a terapia hormonal, quando administrada criteriosamente, pode reverter todos esses problemas, principalmente entre as mulheres que apresentam sintomas graves", diz Neyro.
O especialista questionou as razões pelas quais alguém iria querer adiar a menopausa.
"Não há como prever quando a menopausa ocorrerá ou quais sintomas ela terá. Também não há como dizer a priori quanto tempo essa sintomatologia durará para uma mulher e por que isso não acontece com sua vizinha".
"Eu tenho um princípio que diz que nem tudo que é tecnicamente viável deve ser realizado."
"Primeiro lugar, a cirurgia é mínima, mas não posso garantir que não terei complicações. Segundo, quando retiro o córtex do ovário, subtraio parte dos folículos primordiais, o que teoricamente faz diminuir a vida do ovário".
"A ideia me incomoda um pouco, principalmente porque eu não sei quando a menopausa aparecerá... Talvez essa paciente pertença ao grupo de mulheres que não sofrerão nenhum sintoma."
Segundo Neyro, é necessário fazer um ensaio clínico antes de colocar na rua "a oferta de possibilidade terapêutica".
A Sociedade Britânica da Menopausa (BMS, por sua sigla em inglês) concorda com Neyro. Em uma declaração, a entidade reconheceu a eficácia dos enxertos de tecido ovariano para preservar a fertilidade. Mas ele observou "várias limitações" que "deveriam ser mais valorizadas antes de incluir esta técnica na prática clínica padrão para retardar a menopausa".
Entre elas, a falta de estudos e uma amostra maior de casos práticos que foram acompanhados a longo prazo para comprovar a eficácia do tratamento no momento do adiamento da menopausa.
Durante o primeiro mês de funcionamento da ProFam, 11 mulheres foram submetidas à cirurgia.
De acordo com Fisher, "não são muitas" e o tecido acaba de ser removido, portanto, é preciso esperar até que cheguem à idade da menopausa para reimplantá-lo e ainda mais tempo para ver os resultados.
Mas o especialista argumentou que o tratamento já se mostrou eficaz na continuação da produção de hormônios sexuais femininos, embora tenha sido aplicado com outra intenção: preservar a fertilidade. "Entre as pacientes com câncer que fizeram isso, 95% começaram a ter hormônios aos quatro ou cinco meses".
"Eu estive envolvido no início da fertilização in vitro, 40 anos atrás, e quase todos os nossos colegas e a sociedade eram contra. Hoje, cerca de 40 milhões de pais provavelmente são gratos por termos tentado, apesar de termos ido contra a comunidade científica geral", diz Fisher.
"O mesmo pode estar acontecendo neste debate. Não sabemos, mas acho que chegou a hora de dizer às gerações mais jovens que já está disponível, caso queiram pensar sobre o assunto".
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