Cinco epidemias que ajudaram a mudar o rumo da história
Muitas doenças ao longo da história tiveram enormes efeitos a longo prazo: desde a queda das dinastias, passando pelo aumento no colonialismo, e chegando ao esfriamento do clima.
O surto de coronavírus está mudando dramaticamente a maneira como milhões de pessoas em todo o mundo vivem suas vidas.
Muitas dessas mudanças serão temporárias. Mas doenças ao longo da história tiveram enormes efeitos a longo prazo: desde a queda das dinastias, passando pelo aumento no colonialismo, e chegando ao esfriamento do clima.
A peste bubônica no século 14 e a ascensão da Europa Ocidental
A praga que atingiu a Europa por volta de 1350 foi aterrorizante e matou cerca de um terço da população, mas analistas dizem que pode ter ajudado a região a se desenvolver.
A enorme mortalidade causou escassez de mão de obra para os proprietários de terras, fazendo com que o sistema velho sistema feudal, que forçava pessoas a trabalhar nas terras de um senhor para pagar seu aluguel, começasse a desmoronar.
Isso levou a Europa Ocidental a desenvolver uma economia mais moderna, comercializada e baseada em dinheiro.
Como ficou muito mais caro contratar pessoas para trabalhar, os empresários também começaram a investir em tecnologias que economizavam mão de obra.
Houve até a sugestão de que o surto encorajou o imperialismo europeu.
As viagens marítimas e as explorações eram vistas como extremamente perigosas, mas com taxas de mortalidade tão altas causadas pela praga em casa, as pessoas estavam mais dispostas a correr os riscos das longas viagens. E isso ajudou a incentivar o colonialismo europeu a se expandir.
Mortes por varíola nas Américas e mudanças climáticas
A colonização das Américas no final do século 15 matou tantas pessoas que pode ter alterado o clima mundial.
Um estudo feito por cientistas da University College London, no Reino Unido, descobriu que a expansão europeia viu a população da região cair de 60 milhões de pessoas (cerca de 10% da população mundial na época) para apenas 5 ou 6 milhões em cem anos.
Muitas dessas mortes foram causadas por doenças introduzidas pelos colonizadores.
O maior assassino foi a varíola. Outras doenças mortais incluíam sarampo, gripe, peste bubônica, malária, difteria, tifo e cólera.
Além da perda catastrófica de vidas e do terrível sofrimento humano na região, houve consequências para o mundo inteiro.
O fato de ter menos pessoas vivas levou a uma queda na quantidade de terra que estava sendo cultivada ou ocupada, e grandes áreas voltaram naturalmente a ser florestas ou savanas.
Estima-se que 560 mil km² foram alterados dessa maneira, o que representa uma área do tamanho da França ou do Quênia.
Esse enorme crescimento de plantas e árvores levou a uma queda nos níveis de dióxido de carbono (CO²) (registrados em amostras de núcleo de gelo da Antártica) e, portanto, a uma redução na temperatura em diversas partes do mundo.
Os cientistas acreditam que isso, junto com grandes erupções vulcânicas e uma redução na atividade solar, levou ao início de um período conhecido como "Pequena Era do Gelo", quando as temperaturas caíram em muitas partes do mundo.
Ironicamente, uma das áreas mais afetadas foi a Europa, que sofreu enormes quebras de safras e fome.
Febre amarela e revolta do Haiti contra a França
Um surto de doença no Haiti ajudou a empurrar a França para fora da América do Norte, e houve um rápido aumento no tamanho e força dos Estados Unidos.
Em 1801, após várias revoltas de escravos contra as potências coloniais europeias, o líder Toussaint Louverture governava o Haiti com o aval da França.
No entanto, depois o líder francês Napoleão Bonaparte se declarou cônsul vitalício. Ele decidiu assumir o controle total da ilha e enviar dezenas de milhares de tropas para tomá-la à força.
No campo de batalha, tiveram bastante sucesso.
O efeito da febre amarela, no entanto, foi devastador. Acredita-se que cerca de 50 mil soldados, oficiais, médicos e marinheiros tenham morrido e apenas cerca de 3 mil homens retornaram à França.
As forças europeias não tinham imunidade natural à doença, originada na África.
Com seus exércitos derrotados e desmoralizados, Napoleão abandonou não apenas o Haiti, mas também as ambições coloniais da França na América do Norte.
Apenas dois anos depois que suas forças começaram a missão fracassada de acabar com a rebelião haitiana, o líder da França vendeu 2,1 milhões de quilômetros quadrados de terra ao governo dos Estados Unidos (conhecido como Compra da Louisiana), dobrando o tamanho do jovem país.
Peste bovina africana e expansão colonial na África
Uma doença mortal que afeta os animais ajudou a acelerar a colonização europeia na África.
Esse não foi um surto que matou pessoas diretamente, mas um surto que matou animais.
Entre 1888 e 1897, o vírus da peste bovina matou 90% do gado africano, com comunidades devastadas no Sudeste da África, na África Ocidental e no Sudoeste do continente.
A perda de rebanho levou à fome, a um colapso na sociedade e à migração de refugiados que deixaram áreas afetadas.
Até as áreas de cultivo foram afetadas, pois muitos dependiam de bois para arar a terra.
O caos gerado pela doença tornou mais fácil para os países europeus colonizar grandes áreas da África no final do século 19.
Os planos deles começaram apenas alguns anos antes do início do surto de peste bovina.
Em uma conferência em Berlim, em 1884-1885, 14 países da Europa (incluindo Reino Unido, França, Alemanha, Portugal, Bélgica e Itália) negociaram suas reivindicações em relação ao território africano, que foram formalizadas e mapeadas.
O efeito no continente foi sísmico.
Na década de 1870, apenas cerca de 10% da África estava sob controle europeu, mas em 1900 esse número subiu para cerca de 90%.
E a apropriação de terras foi estimulada pelo caos gerado pelo surto de peste bovina.
A Itália fez incursões na Eritreia no início dos anos 1890, devido em parte à fome na Etiópia, que matou um terço da população.
Uma descrição da ONU diz que "o colonialismo chegou a uma área que já sofria de uma crise econômica com todos os seus efeitos correspondentes".
Praga e a queda da dinastia Ming na China
A dinastia Ming governou a China por quase três séculos, durante os quais exerceu uma enorme influência cultural e política sobre grande parte do leste da Ásia.
Mas tudo isso teve um fim catastrófico, em parte devido a um surto.
Uma grande epidemia chegou ao norte da China em 1641, trazendo uma terrível quantidade de mortes. Em algumas áreas, de 20% a 40% da população morreu.
A praga atingiu a região ao mesmo tempo que uma seca e nuvens de gafanhotos.
Sem plantações nos campos, as pessoas não tinham comida, e há relatos de que algumas teriam começado a comer os corpos das vítimas do surto.
A crise foi provavelmente causada por uma combinação de peste bubônica e malária. Pode ter sido levada por invasores do norte, que acabariam por derrubar a dinastia.
Ataques de bandidos foram seguidos por uma invasão organizada da Manchúria pela dinastia Qing, que substituiu a dinastia Ming e estabeleceu um império próprio que durou séculos.
A liderança de Ming passava por vários problemas, como corrupção e fome, mas o surto mortal de doença que varreu o país foi o que ajudou a pôr fim ao seu governo.
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