Cientistas suspeitam que novo coronavírus pode desencadear diabetes e agravar quadros preexistentes
Em 2017, o empresário Arthur Domberg, de 40 anos, morador de Niterói, no Rio de Janeiro, foi diagnosticado com diabetes tipo 2.
Inicialmente, fez o tratamento com insulina e, em poucas semanas, com a glicose sob controle, pôde substituí-la pelo medicamento oral.
A situação permaneceu assim até o mês passado, quando contraiu o novo coronavírus.
"Fui internado no dia 15 de maio com febre, falta de ar e dor de cabeça. No hospital, mesmo mantendo a dieta e tomando o remédio do diabetes, a taxa de glicose não baixou. Tive de voltar para a insulina", conta.
Em casa há pouco mais de um mês, curado da covid-19, doença causada pelo coronavírus, Domberg continua com as aplicações, três vezes ao dia (de manhã, em jejum, e antes do almoço e do jantar).
"Sabia que estava no grupo de risco do coronavírus, por ser diabético, mas até então achava que o máximo que poderia acontecer era ter a forma mais grave da covid-19, e não que ela mexeria com as taxas de glicose desse jeito. Foi uma surpresa", relata o empresário.
Desde o início da pandemia, a relação entre o diabetes e o SARS-CoV-2 vem sendo discutida. Já se sabe, contudo, que quem tem taxas elevadas de glicemia no sangue - assim como os portadores de outras patologias crônicas - fica mais suscetível a ter complicações quando infectado com um vírus.
"A hiperglicemia parece comprometer a resposta imune do organismo, dificultando o combate às infecções", explica Rodrigo Moreira, presidente da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Além disso, como os diabéticos têm o organismo naturalmente inflamado pela doença, quando contraem algum tipo de vírus, que por si só também provoca um processo inflamatório, a condição pode ser agravada e, pior, desencadear o quadro mais complexo da infecção viral.
"É importante deixar claro que essa consequência é mais comum em quem está com a glicose mal controlada, é obeso e tem outras comorbidades associadas. Por isso é primordial fazer o tratamento corretamente", acrescenta Moreira.
Se com tudo isso a ligação entre coronavírus e diabetes já era preocupante, recentemente ficou um pouco mais complicada.
Uma equipe de 17 cientistas, membros do programa internacional CoviDiab Registry, divulgou uma carta na revista científica New England Journal of Medicine com um alerta de que a covid-19 pode desencadear o diabetes em pessoas saudáveis e agravá-lo em quem já é portador.
"Existe uma relação bidirecional entre covid-19 e diabetes. Por um lado, o diabetes está associado a um risco aumentado de covid-19 grave. Por outro, diabetes recente e complicações metabólicas do preexistente, incluindo cetoacidose diabética e hiperglicemia hiperosmolar, para as quais são necessárias doses excepcionalmente altas de insulina, foram observadas em pacientes com covid-19. Essas manifestações apresentam desafios no manejo clínico e sugerem uma fisiopatologia complexa do diabetes relacionado à covid-19", diz o documento.
Em entrevista à BBC News Brasil, Francesco Rubino, professor de cirurgia metabólica da Universidade King's College London, do Reino Unido, e pesquisador no projeto CoviDiab Registry, diz que a alta prevalência do diabetes entre os mortos por covid-19 e a maior susceptibilidade de os diabéticos experimentarem efeitos particularmente graves e atípicos da doença de base sugerem que deve existir uma interação diferente das conhecidas em termos de resposta ao estresse que acontece com qualquer infecção.
Rubino acrescenta que os mecanismos biológicos pelos quais o novo coronavírus entra nas células humanas também indicam que ele pode causar danos diretos aos principais órgãos metabolizadores de açúcar.
"Sabemos que, ao se ligar a uma proteína específica, chamada receptor ACE-2, o SARS-CoV-2 detém as chaves para inserir células em órgãos críticos para o metabolismo da glicose, incluindo o pâncreas, o intestino, o tecido adiposo e o fígado. Suspeitamos que, ao causar disfunções em um ou mais desses órgãos, o vírus possa piorar o diabetes existente ou até ser capaz de causar um novo aparecimento da doença", explica o especialista.
Foi justamente por conta da natureza preliminar dessas observações que Rubino e mais 16 pesquisadores lançaram o CoviDiab Registry. O objetivo é reunir mais evidências para confirmar ou dissipar as preocupações.
"Não sabemos exatamente como a covid-19 influencia o diabetes e, dado o curto período de contato humano com o novo coronavírus, ainda não está claro qual tipo ele pode exacerbar ou desencadear, e também não podemos excluir que possa até induzir uma nova forma de diabetes, e nem se a condição será reversível quando a infecção se resolver", pondera o especialista.
Ana Carolina Nader, chefe do Departamento de Endocrinologia do Hospital Federal de Servidores do Estado do Rio de Janeiro, diz que, apesar de faltarem muitas respostas, casos como os indicados pelos pesquisadores estão realmente ocorrendo.
"Tenho visto tanto pacientes diabéticos que controlavam muito bem a glicose com medicamento oral, mas que, depois da infecção pelo coronavírus, passaram a necessitar de altas doses de insulina, quanto pacientes que não tinham diabetes e a desenvolveram após serem diagnosticados com covid-19. Está marcadamente havendo uma mudança no padrão da doença", relata.
Diante dessa situação, a médica avalia que, em alguns meses, poderá haver uma sobrecarga nos sistemas de saúde, por conta da demanda reprimida dos diabéticos que não saíram de casa durante a pandemia e agora voltam a procurar tratamento, e os novos casos - ao que tudo indica, provocados pelo vírus.
"Independentemente disso, temos que tranquilizar a população. Se uma pessoa for diagnosticada com diabetes após contrair o coronavírus, ela precisa saber que há médicos preparados para o atendimento. Ao contrário da covid-19, que ainda é desconhecida, o diabetes não é. Há especialistas que sabem muito sobre a doença e, com tratamento, dá para controlá-la e levar uma vida normal", afirma.
O que é diabetes?
Patologia crônica, o diabetes é caracterizado pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina (hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo), resultando na elevação do nível de açúcar no corpo - o normal, para uma pessoa saudável e em jejum, é abaixo de 100 mg/dl.
Quando esse quadro permanece por longos períodos, pode causar danos graves em órgãos, vasos sanguíneos e nervos.
Os principais são doenças cardiovasculares, insuficiência renal crônica, amputações dos membros inferiores, problemas na visão, acometimento dos nervos (neuropatia periférica) e cetoacidose diabética. O risco de morte também é grande.
Na lista de sintomas, os mais comuns são sede constante, vontade de urinar diversas vezes ao dia, alterações no apetite, perda de peso (mesmo comendo mais), fraqueza e fadiga.
O diabetes é dividido em quatro tipos: Tipo 1, Tipo 2, LADA (Latente Autoimune do Adulto) e gestacional.
O Tipo 1 se dá quando o próprio sistema imunológico ataca as células do pâncreas que produzem insulina, fazendo com que pouca ou nenhuma quantidade do hormônio seja liberada para o corpo. Em decorrência disso, a glicose fica no sangue ao invés de ser usada como energia.
Essa variação, causada por fatores genéticos e outros ainda desconhecidos, se manifesta geralmente na infância ou na adolescência. O tratamento é feito com insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividades físicas.
O Tipo 2 ocorre quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou não produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia. Ele acomete com mais frequência os adultos e está diretamente relacionado a sobrepeso, sedentarismo e dieta inadequada.
Seu tratamento, muitas vezes, é feito com a adoção de alimentação saudável e prática regular de exercícios, mas, em alguns casos, se faz necessário o uso de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.
Segundo a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), algumas pessoas que são diagnosticadas com o Tipo 2 desenvolvem um processo autoimune e acabam perdendo células beta do pâncreas.
Neste caso, o diagnóstico é o LADA, cujo controle da glicemia também é feito com insulina e/ou medicamentos orais, planejamento alimentar e atividade física.
Por último, o diabetes gestacional é uma condição temporária que acontece durante a gravidez por conta das alterações hormonais. Neste caso, há risco tanto para as mães quanto para os bebês, como crescimento excessivo (macrossomia fetal), partos traumáticos e prematuros, hipoglicemia neonatal e obesidade e diabetes na vida adulta.
Seu controle é feito, na maioria das vezes, com a orientação nutricional adequada, associada ou não à atividade física e uso de insulina.
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