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Coronavírus: cloroquina não previne covid-19, aponta estudo

Reuters
Imagem: Reuters

Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em São Paulo

30/09/2020 12h35

Pesquisa realizada pela Universidade da Pensilvânia, nos EUA, concluiu que uso do medicamento não impede a infecção pelo Sars-Cov-2.

Um novo estudo concluiu que tomar cloroquina não previne a covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

Os cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, testaram se o medicamento, usado contra lúpus e malária, tinha esse efeito em 125 profissionais de saúde.

Os participantes foram divididos em dois grupos: 64 receberam cloroquina e 61 receberam placebo, por oito semanas.

Ao fim, foi constatado que não houve uma diferença significativa na proporção de pessoas que foram infectadas.

Houve quatro casos em cada grupo, o que representou 6,3% dos voluntários que tomaram cloroquina e 6,6% daqueles que tomaram placebo.

"Com isso, não podemos recomendar o uso rotineiro da hidroxicloroquina entre profissionais de saúde para prevenir a covid-19", dizem os autores da pesquisa, que foi publicada nesta quinta-feira (30/9) no Jama Internal Medicine, periódico científico da Associação Médica Americana.

Os resultados do estudo não surpreendem, diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), porque reforçam outras evidências científicas obtidas até agora de que a hidroxicloroquina não é eficaz contra o coronavírus.

"Já tive muita esperança de que a cloroquina pudesse funcionar, mas isso não se provou com o passar dos meses, e esse estudo reafirma o que a gente já sabia. Mas é importante ter isso documentado cientificamente, porque uma coisa é um médico não receitar esse medicamento porque não gosta dele ou tem impressão de que não vai dar certo e outra é não fazer isso porque a ciência mostrou que não funciona", afirma Stucchi.

Os autores do estudo ressaltaram ainda que os participantes que tiveram covid-19 não apresentaram sintomas ou tiveram só sinais leves da doença. Todos se recuperaram totalmente.

Os voluntários que tomaram cloroquina tiveram mais efeitos colaterais do que os que usaram placebo, especialmente diarreia (32% no primeiro grupo em comparação com 12% no segundo). Mas não houve reações graves.

O estudo foi encerrado antes de recrutar todos os 200 participantes previstos inicialmente, porque uma revisão dos resultados obtidos após a pesquisa passar de 100 voluntários já apontou a ineficácia da hidroxicloroquina para prevenir a covid-19.

De acordo com modelos matemáticos, mesmo que a pesquisa prosseguisse até o fim, esse resultado não seria alterado. Em casos assim, poderia ser considerado antiético prosseguir com a pesquisa, que foi então finalizada.

Estudo anterior chegou à mesma conclusão

Um estudo publicado em junho na revista científica The New England Journal of Medicine havia chegado ao mesmo resultado.

A pesquisa contou com a participação de 821 voluntários dos Estados Unidos e do Canadá que haviam entrado em contato com pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Os participantes tomaram o medicamento ou placebo por cinco dias após a exposição ao vírus. Segundo os autores do estudo, não houve uma diferença significativa entre a proporção de infectados nos dois grupos.

Os autores do novo estudo fazem referência a essa pesquisa e afirmam que uma das críticas feitas àquela investigação é que os voluntários começaram a tomar o medicamento de três a quatro dias após entrarem em contato com alguém que tinha o vírus.

Isso "gerou críticas de que o atraso no início do uso da hidroxicloroquina pode ter deixado passar uma janela biológica chave para prevenir a transmissão", dizem os pesquisadores da Universidade da Pensilvânia.

Por isso, eles decidiram testar o uso da droga antes da exposição, mas também concluíram que ela não foi eficaz.

No entanto, fazem uma ressalva: "Dado o pequeno tamanho da amostra, não podemos descartar um pequeno efeito potencial profilático não detectado".

Os cientistas também afirmam que os participantes eram saudáveis e relativamente jovens (com uma idade média de 33 anos) e que, por isso, os resultados obtidos não poderiam ser generalizados para toda a população, especialmente entre pessoas com idade mais avançada ou que têm outras doenças, que são em ambos os casos fatores de risco da covid-19.

"Também não podemos excluir a possibilidade de uma dose menor ou intermitente de hidroxicloroquina seja mais eficiente para a prevenção, embora investigações pré-clínicas com macacos não tenham encontrado diferenças na atividade antiviral com diferentes dosagens", dizem os autores.

"Testes de profilaxia em curso serão importantes para abordar essas limitações."

Trump e Bolsonaro

O possível efeito da cloroquina para prevenir a covid-19 era cogitado por autoridades e profissionais de saúde, embora não houvesse evidências científicas concretas disso.

Em maio, o presidente americano Donald Trump afirmou que estava tomando o medicamento para prevenir a doença.

Questionado por que estava fazendo isso mesmo sem evidências científicas deste efeito, Trump afirmou: "Porque eu acho que é bom. Ouvi muitas histórias".

Também em maio, o governo brasileiro anunciou, por meio do Itamaraty, que as 2 milhões de doses de hidroxicloroquina doadas pelos Estados Unidos seriam usadas como "profilático", termo médico usado para medidas de prevenção de doenças, para "ajudar a defender enfermeiros, médicos e profissionais de saúde do Brasil contra o vírus".

A droga chegou a ser distribuída com esse mesmo objetivo pela prefeitura de algumas cidades, como Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e Gravataí, no Rio Grande do Sul.

Em Brusque, em Santa Catarina, o plano de saúde Unimed chegou a dar um kit com hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D e zinco que supostamente impediria que profissionais de saúde que estão na linha de frente da pandemia ficassem doentes.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é um defensor da hidroxicloroquina, mas costuma incentivar seu uso não para prevenção, mas nos primeiros estágios da doença. Bolsonaro disse ter usado o medicamento quando teve a doença em julho.

O Ministério da Saúde autoriza que a hidroxicloroquina seja prescrita tanto para casos leves quanto para casos graves.

A grande procura pelo medicamento no começo do ano levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a colocar a colocar o cloroquina sob um regime de controle especial de venda, que exige uma receita especial e a retenção da prescrição na farmácia.

Mas diversos estudos já demonstraram desde então que a cloroquina não é eficaz para tratar a covid-19.

"Entre os profissionais de saúde, a maioria de nós, com exceção de alguns poucos, já se curvou às evidências científicas, mesmo quem era favorável", diz Stucchi.

"Todo mundo quer que tenha um remédio, sem dúvida, estamos ávidos por uma medicação que possa abortar a evolução da doença, impedir uma forma grave ou servir como profilaxia. Talvez a crença nisso se sustente por teimosia política, mas, do ponto de vista científico, isso não se sustenta mais."