Annita contra coronavírus: o que se sabe sobre vermífugo nitazoxanida, defendido pelo ministro da Ciência para tratamento de covid-19
Com direito a ampla divulgação pelo governo e cerimônia com presença do presidente Jair Bolsonaro, o antiparasitário nitazoxanida, vendido no Brasil sob a marca Annita, foi apresentado nesta segunda-feira (19/10) no Palácio do Planalto como um tratamento promissor para a covid-19 no início da infecção.
O que comprovaria este sucesso seria, segundo o governo, um ensaio clínico (envolvendo humanos) com o medicamento —normalmente uma etapa mais importante e criteriosa em experimentos com remédios, um passo além de testes in vitro. Entretanto, o governo ainda não divulgou, nem para a imprensa e nem para a comunidade científica, qualquer documento com resultados do estudo.
Mas não carece de publicação apenas este estudo coordenado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia. Segundo dados do sistema COVID-NMA, em que são registrados projetos de pesquisa de todo o mundo, não foi publicado ainda qualquer estudo com a nitazoxanida envolvendo pacientes. Dos mais de 1,9 mil ensaios com vários remédios registrados ali, 24 projetos envolvem o antiparasitário —a maioria deles no Brasil (7 ensaios), Egito (7) e Estados Unidos (3). Alguns destes já estão recrutando pacientes, mas nenhum deles foi concluído e publicado.
Um artigo publicado por cientistas egípcios no periódico Journal of Genetic Engineering & Biotechnology indicou que a nitazoxanida seria uma boa candidata para ensaios clínicos por ter mostrado, em algumas pesquisas in vitro, ação contra o coronavírus. Também favoreceria sua ação antiviral já documentada contra outros coronavírus, vírus da influenza, hepatite C e B.
Entretanto, mesmo in vitro o sucesso da nitazoxanida não pareceu unânime: um estudo divulgado em plataforma de pré-print (ainda sem a chamada revisão de pares e publicação em revista científica) por pesquisadores brasileiros afastou sua eficácia contra o coronavírus
Hoje, este medicamento é comercializado no Brasil por várias empresas, inclusive como genérico, e na bula serve para tratar gastroenterites virais e vermes intestinais, entre outros. Seu uso é contraindicado para pessoas com diabetes, doenças no fígado e no rim, além daqueles com alergias a componentes da fórmula.
O uso proposto pelo governo seria de "reposicionamento" ? ou seja, o uso de um remédio já existente nas farmácias com outra finalidade original que não o tratamento de covid-19.
Segundo afirmou em vídeo institucional, o ministro da Ciência e Tecnologia (MCTIC), Marcos Pontes, a nitazoxanida tem os benefícios de ser produzido no Brasil, barato e com efeitos colaterais reduzidos. Em julho, Pontes anunciou que teve covid-19 e se tratou voluntariamente usando a nitazoxanida.
Responsável por coordenar os ensaios, a médica e professora Patrícia Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou no evento desta segunda-feira (19/10) que os ensaios clínicos com o antiparasitário envolveram 1.575 voluntários em sete unidades de saúde de São Caetano; Barueri; Juiz de Fora; Sorocaba; Distrito Federal; Bauru; e Guarulhos. Eles foram divididos em um grupo que recebeu, entre junho e agosto, o antiparasitário e, outro, placebo (um medicamento inócuo).
Segundo anunciado, pacientes que receberam a nitazoxanida tiveram maior redução da carga viral e resultados negativos para coronavírus mais rápido.
De acordo com a assessoria de imprensa do MCTIC, os detalhes do ensaio ainda não foram apresentados porque estão sendo analisados para publicação em um periódico científico internacional —caso contrário, sua divulgação romperia com o ineditismo da pesquisa, o que é desejável neste meio.
Entretanto, para a bióloga Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, haveria sim alternativas para que os resultados do ensaio fossem publicados sem que isto impedisse sua divulgação internacional. Em agosto, o instituto chegou a abrir uma solicitação via Lei de Acesso à Informação para obter mais informações sobre o projeto de pesquisa com a nitazoxanida.
Diante da justificativa dada pelo governo nesta segunda-feira de que os resultados não poderiam ser apresentados pois interromperiam o processo de publicação em um periódico internacional, Pasternak indica que a alternativa de divulgação em plataformas de pré-print (ainda sem a chamada revisão pelos pares, etapa fundamental em periódicos) existe para isso.
"Principalmente durante a pandemia, tem-se publicado muito mais pré-prints do que de costume justamente porque a gente sabe que a revisão pelos pares demora. E mesmo as revistas de maior prestígio, como a Lancet, a Nature, a Science, não têm problema se houver a publicação do pré-print antes."
"A gente brinca que em ciência, se não publicou, você não fez ainda (pesquisa)."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.