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CoronaVac: 7 perguntas para entender a vacina do Butantan

Divulgação/Governo de São Paulo
Imagem: Divulgação/Governo de São Paulo

Rafael Barifouse

Da BBC News Brasil, em São Paulo

20/10/2020 08h28

O governo de São Paulo anunciou na segunda-feira (19/10) os primeiros resultados dos testes feitos no Brasil da CoronaVac, vacina contra a covid-19 desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

De acordo com Dimas Covas, diretor do Butantan, a CoronaVac se mostrou segura, mas ainda será necessário esperar pelos resultados dos testes de eficácia, que indicarão se a vacina protege ou não contra o novo coronavírus.

A expectativa de Covas é ter esses resultados até o final deste ano, embora especialistas ouvidos pela BBC News Brasil digam ser improvável cumprir essa meta.

A comprovação de eficácia será fundamental para obter o registro da vacina junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e dar início à vacinação.

Com mais de 40 milhões de infectados e 1,1 milhão de mortos no mundo por causa da covid-19, há uma grande expectativa em torno não apenas dessa, mas das 196 vacinas que estão sendo desenvolvidas atualmente no mundo contra a covid-19, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde.

Desse total, 44 já estão sendo testadas em humanos, das quais 10 estão na última fase desta etapa de pesquisa, a chamada fase 3, quando se verifica a eficácia.

Entre elas, está a CoronaVac, que está sendo testada não apenas no Brasil, mas também na Turquia e na Indonésia.

A BBC News Brasil preparou uma série de perguntas e respostas para esclarecer o que se sabe sobre essa vacina até o momento. Confira a seguir.

O que foi anunciado agora?

O governo de São Paulo divulgou que, entre os 9 mil voluntários que já participam dos testes da CoronaVac no Brasil, 35% deles tiveram efeitos adversos.

Os mais comuns foram dor, edema e inchaço no local da aplicação, dor de cabeça e fadiga. Não foram detectados efeitos colaterais graves.

Na coletiva de imprensa em que foi feito o anúncio, foi apresentado um comparativo com outras quatro vacinas também em teste, desenvolvidas pelas empresas Moderna, BioNTech/FoSun/Pfizer, CanSino e AstraZeneca/Oxford.

Nestas quatro vacinas, a incidência de efeitos adversos variou entre 77% e 100%. "Portanto, [a CoronaVac] é a vacina mais segura não só no Brasil, mas no mundo", disse Covas.

No entanto, esses resultados já eram esperados, de acordo com especialistas.

Por que já se esperava que os testes no Brasil apontassem que a CoronaVac é segura?

Há dois motivos. O primeiro é que ela usa uma tecnologia bastante tradicional, diz o imunologista Aguinaldo Pinto, professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Essa vacina utiliza uma versão inativada do vírus. Isso quer dizer que o vírus foi exposto ao calor ou a produtos químicos para não ser capaz de se reproduzir.

Uma vez injetado na corrente sanguínea, o vírus é detectado pelo sistema imunológico, que desenvolve formas de combatê-lo.

Mas, como o vírus é incapaz de se reproduzir, não consegue deixar uma pessoa doente.

"Não há nada de novo na tecnologia por trás dessa vacina. Ela existe há várias décadas. Temos muitas vacinas de vírus inativados sendo comercializadas hoje, como as contra a gripe, por exemplo. E sabemos que elas são bastante seguras", afirma Pinto.

Enquanto isso, as outras vacinas comparadas à CoronaVac na coletiva de imprensa usam tecnologias ainda inéditas em vacinas e cujos efeitos são mais incertos.

O segundo motivo é que os testes no Brasil apenas confirmaram o que já havia sido comprovado em etapas anteriores da pesquisa, como o próprio governo de São Paulo indicou.

Antes de ser testada aqui, a CoronaVac foi testada na China para verificar sua capacidade de gerar uma reação do sistema imune e sua segurança e obteve bons resultados em ambos os critérios.

Naquela ocasião, o estudo concluiu que esta vacina teve índices bastante semelhantes ou mesmo menores de participantes com efeitos adversos.

"Essa conclusão é apenas um reforço dos resultados de fases anteriores. Se tivesse surgido algum efeito adverso grave, a segurança da vacina já teria sido contestada e, possivelmente, ela nem teria chegado à fase 3", explica Pinto.

Mas o imunologista alerta que uma vacina ser segura (ou a mais segura) não significa que ela seja eficaz.

Afinal, a CoronaVac protege contra a covid-19?

É exatamente isso que os testes de fase 3 estão investigando. Estes testes estão sendo realizados não só no Brasil, mas também na Indonésia e na Turquia.

No Brasil, os testes de fase 3 serão feitos pelo Butantan com 13 mil profissionais de saúde voluntários com idades entre 18 e 59 anos, dos quais 9 mil já foram recrutados.

Eles são divididos em dois grupos: um recebe a vacina e outro, placebo. Nem os participantes nem os pesquisadores sabem em qual grupo está cada voluntário.

Ao fim do estudo, será analisada a proporção de pessoas que receberam a vacina e ficaram doentes para atestar sua eficácia.

De acordo com o governo de São Paulo, uma análise preliminar de eficácia poderá ser feita quando ao menos 61 casos de covid-19 forem confirmados entre os participantes, o que, segundo o governo de São Paulo, ainda não foi atingido.

Um comitê de especialistas terá acesso aos dados e poderá saber de qual grupo fazem parte essas pessoas que ficaram doentes para avaliar se a vacina funciona ou não.

Uma segunda análise poderá ser feita quando houver 151 casos de covid-19 ou mais.

Se nestas análises a maioria dos que ficaram doentes estiver no grupo que tomou placebo, o comitê poderá concluir que a eficácia foi comprovada, o que permitirá apresentar esses resultados à Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para solicitar o registro da vacina.

No entanto, a mesma tecnologia que faz da CoronaVac uma alternativa segura não conta a favor de sua eficácia.

"Vacinas de vírus inativados não geram uma resposta do sistema imune tão forte e duradoura quanto vacinas de vírus atenuados [que conseguem se reproduzir, embora lentamente], por exemplo", diz Pinto.

Qual é a taxa de eficácia que uma vacina deve ter?

A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, diz que, em geral, uma vacina deve ter uma taxa de eficácia de 70%, ou seja, ser capaz de proteger sete em cada dez pessoas que a tomarem.

"Por que aí a gente consegue atingir a chamada imunidade de rebanho, e há uma chance maior de proteger a população como um todo", afirma Bonorino.

Dimas Covas disse, no entanto, que o governo de São Paulo deve pedir o registro à Anvisa caso a CoronaVac tenha uma eficácia de ao menos 50%.

A própria Anvisa já indicou que pode aceitar uma eficácia neste patamar, diante da situação de emergência criada pelo novo coronavírus, contra o qual não existe ainda uma vacina.

"Neste momento, a regra mínima é 50%, mas já seria de grande utilidade uma vacina com 40% de eficácia. Já seria suficiente para reduzirmos a mortalidade e as internações. Se tivéssemos uma vacina com 40% de eficácia, eu seria o primeiro a tomá-la", disse Covas.

A CoronaVac pode ficar pronta ainda neste ano?

O governo de São Paulo afirmou que espera poder fazer uma primeira análise de eficácia até novembro. Também anunciou anteriormente que a vacinação de profissionais de saúde teria início em 15 de dezembro.

Para isso, o Butantan deverá começar a produzir a CoronaVac ainda em outubro para ter 46 milhões de doses prontas para serem aplicadas até dezembro. "Aí aguardaremos o processo de registro da vacina", disse Covas.

Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), considera esse cronograma pouco factível.

"Mostrar que a vacina é segura não quer dizer nada. Para registrar uma vacina, o mais importante é a eficácia. Precisa ver se ela protegeu contra a doença, se ela deixou a doença mais branda, e para observar isso precisa de tempo", afirma Kalil.

O imunologista destaca que, até agora, o estudo do Butantan ainda não conseguiu recrutar todos os 13 mil voluntários previstos.

Além disso, o governo de São Paulo também afirma que foram aplicadas até o momento apenas 12 mil doses entre os 9 mil voluntários que já participam dos testes. Isso significa que a maioria deles ainda não recebeu a segunda das duas doses previstas da vacina.

"Também tem muito pouco tempo de observação pós-vacinal. Isso não é aceito internacionalmente", afirma Kalil.

Bonorino concorda: "Não tem como demonstrar eficácia a não ser daqui a vários meses, porque precisa deixar as pessoas terem covid-19."

A imunologista acredita que existe um fator político por trás do desenvolvimento acelerado das vacinas contra a covid-19.

Por sua vez, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse não estar em uma "corrida eleitoral ou ideológica, mas em uma corrida para salvar vidas".

"As vacinas que salvam vidas são as que cumprem todos os protocolos de testes e têm eficácia comprovada", diz Bonorino.

Quem vai tomar a vacina primeiro?

Isso ainda não foi divulgado oficialmente pelo governo de São Paulo.

Mas João Gabardo, coordenador-executivo do centro de contingência da covid-19 de São Paulo, afirmou que são usados normalmente critérios de vacinação no Brasil que levam em conta o grau de exposição a uma doença e os grupos para os quais ela representa um maior risco de morte.

Isso inclui profissionais de saúde e segurança, portadores de doenças crônicas, idosos, pessoas que têm alguma imunodeficiência.

Dimas Covas reafirmou esse entendimento ao dizer que, "em uma vacinação no meio de uma pandemia, se deve proteger quem tem mais risco".

"Num primeiro momento, a vacina vai ser priorizada para esses grupos", disse o diretor do Butantan.

Vai ser obrigatório tomar a vacina?

João Doria disse na sexta-feira (16) que a vacina contra a covid-19 será obrigatória em todo o estado. Segundo Doria, somente quem tiver um atestado médico que comprove que ele não pode ser imunizado será liberado.

"Adotaremos medidas legais se houver contrariedade nesse sentido", disse o governador.

No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), adversário político de Doria, afirmou que quem oferecerá a vacina será o Ministério da Saúde, mas "sem impor ou tornar a vacina obrigatória".

Na segunda-feira, Bolsonaro voltou tratar do assunto. Em conversa com apoiadores, afirmou que a vacina contra a covid-19 "não será obrigatória e ponto final" e criticou o rival.

"Tem um governador aí que está se intitulando o médico do Brasil dizendo que ela [a vacina] será obrigatória. Repito que não será."