Como a nova variante do coronavírus detectada no Reino Unido pode afetar o desenvolvimento das vacinas
A disseminação de uma nova variante do coronavírus no sul do Reino Unido levantou uma questão: isso tornará as vacinas já em uso inúteis?
O governo britânico confirmou no sábado que a nova variante do vírus —considerada mais contagiosa— está se espalhando rapidamente pelo sudeste da Inglaterra, gerando novas restrições e quarentenas para a população local.
Como resultado, dezenas de países suspenderam os voos de e para o Reino Unido.
As autoridades de saúde ainda não têm nenhuma indicação de que a nova variante seja mais letal ou cause sintomas mais graves.
Especialistas garantem que, com base nas informações disponíveis até o momento, essa nova variante não prejudicará a eficácia das vacinas já aprovadas para uso em massa na população.
"(Cientistas) estão cultivando essa nova variante do vírus em laboratório para ver se ela pode ser eliminada ou neutralizada por anticorpos retirados de pessoas que tiveram a infecção de forma natural ou que receberam a vacina", diz à Soumya Swaminathan, cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Enquanto espera o resultado dos experimentos, Swaminathan diz acreditar ser "altamente improvável" que a mutação descoberta no Reino Unido inviabilize as vacinas.
Essa nova variante do coronavírus, segundo autoridades de saúde britânicas, é cerca de 70% mais transmissível e está "fora de controle" —já sendo responsável por mais de 60% dos novos casos de covid-19 em Londres.
Uma cepa com 22 mutações
De todos os vírus, incluindo coronavírus, novas cepas ou variantes estão constantemente surgindo, algo para o qual os cientistas que desenvolvem vacinas estão se preparando.
No caso da variante de Sars-CoV-2 do Reino Unido, a virologista Wendy Barclay, da universidade Imperial College London, explica à BBC que duas dezenas de mutações foram identificadas em seu código genético, o que é incomum.
"Os vírus se diferenciam com uma ou duas mudanças, mas essa tem um total de 22 ao mesmo tempo, e isso gera uma espécie de alarme de imediato", explica Barclay.
Parte das mutações é registrada na proteína S que tem a função de ser a "chave" de acesso do vírus às células humanas.
"Há várias dessas mutações nessa proteína que consideramos muito importantes para ajudar o vírus a entrar nas células muito rapidamente, então estamos tentando obter evidências que sustentam isso. Mas, biologicamente, é possível que o vírus tenha alterado a forma como ele se comporta devido a essas mutações", explica Barclay.
Como isso pode afetar as vacinas?
As vacinas são usadas para ativar o sistema imunológico de uma pessoa de várias maneiras.
No caso de algumas desenvolvidas para a Sars-CoV-2 num estado mais avançado (Pfizer ou Moderna), elas foram concebidas de modo que o corpo humano reaja a uma proteína artificial.
Ao detectá-la como um agente infeccioso, o corpo produz anticorpos e estes podem ser ativados se uma infecção natural ocorrer.
Nick Loman, do Consórcio Covid-19 Genomics UK, diz à BBC que a mutação na proteína S "parece uma adaptação importante" do vírus para atingir seu objetivo.
Ainda assim, as vacinas também são capazes de atacar diferentes partes do vírus, portanto, mesmo que uma parte do vírus mude, elas ainda devem funcionar.
"Mas se houver mais mutações, podemos começar a nos preocupar", diz o professor Ravi Gupta, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
O desafio que vem após o surgimento de variantes como a do Reino Unido é saber se aqueles anticorpos produzidos pela vacina, e mesmo aqueles que as pessoas infectadas já produziam sem vacina, são capazes de identificar o vírus mesmo após ele ter sofrido uma mutação.
A ineficácia de uma vacina ocorre quando o vírus muda tanto que se esquiva dos anticorpos que produzimos e continua, portanto, a infectar as pessoas.
Se esse ponto for alcançado, os pesquisadores terão que reformular as vacinas.
É o que acontece com a vacina da gripe, que precisa ser atualizada periodicamente. Felizmente, as vacinas são fáceis de modificar.
"A cada ano atualizamos vacinas como a da gripe, estamos acostumados. O importante é poder detectar essas variantes quando a vacina começar a ser administrada", diz José M. Jiménez Giuardeño, do Departamento de Doenças Infecciosas da universidade King's College London à agência de notícias EFE.
O que dizem as autoridades sanitárias?
Após o alarme que foi gerado na Europa pela nova variante do Reino Unido, a OMS informou que por enquanto não há evidências de que a mutação cause uma infecção mais grave ou afete a eficácia dos testes de diagnóstico ou vacinas disponíveis.
A chefe da unidade contra covid-19, Maria Van Kerkhove, destacou que foi detectada mais uma variante na África do Sul que não é a mesma do Reino Unido. E é provável que apareçam mais.
"A ciência e os governos estão sendo muito cautelosos sobre essas novas mutações, mas neste ponto não há evidências de que elas alterem a gravidade da doença ou a eficácia dos diagnósticos e vacinas", disse o diretor de emergências de saúde da OMS, Mike Ryan.
Por sua vez, a Agência Europeia de Medicamentos, que autorizou o uso da vacina Pfizer na União Europeia na segunda-feira (21/12), considerou "muito provável" que as vacinas continuem eficazes.
"No momento, podemos dizer que não há evidências que sugiram que a vacina não funcionaria contra a nova variante do coronavírus. Mas todos devemos fazer a nossa parte para prevenir a propagação da doença: siga os conselhos das autoridades de saúde, use máscara, lave as mãos e mantenha distância", disse o diretor da agência Emer Cooke.
"(Vacinas) por si só não serão a solução mágica para nos levar de volta à vida normal, mas esta autorização é definitivamente um grande passo na direção certa e uma indicação de que 2021 pode ser melhor do que 2020", acrescentou.
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