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Como parar de esquecer as palavras

Alguns jogos de palavras podem desencadear o frustrante fenômeno TOT - ALAMY
Alguns jogos de palavras podem desencadear o frustrante fenômeno TOT Imagem: ALAMY

Roger Kreuz e Richard Roberts* - Em artigo para o jornal MIT Press Reader

25/12/2020 20h32

Você já teve dificuldade para lembrar o nome de alguém? Talvez você consiga até visualizar o rosto da pessoa e seria capaz de reconhecer imediatamente o nome se um amigo sugerisse.

Embora isso aconteça frequentemente com nomes próprios, o mesmo vale para qualquer palavra. Não é que você não consiga lembrar o conceito, você só não consegue encontrar o rótulo da linguagem para ele.

A dificuldade para encontrar palavras é um aspecto quase estereotipado dos problemas cognitivos que atormentam os adultos de meia-idade e idosos. Essas falhas acontecem sem aviso prévio, até mesmo com as palavras e nomes mais familiares.

As palavras mais problemáticas, descobriram pesquisadores, são nomes próprios e nomes de objetos. Essa incapacidade de obtenção pode durar de uma fração de segundo a minutos ou até mesmo horas, e pode ser exasperante.

De fato, idosos mencionam com frequência a dificuldade para encontrar palavras quando questionados sobre os incômodos do envelhecimento.

Nesses casos, a pessoa tem certeza que sabe a palavra que está procurando. Pode parecer que está na ponta da língua, mas por algum motivo ela não consegue pronunciá-la, pelo menos naquele momento.

Na verdade, os psicólogos se referem a essas experiências como fenômenos na ponta da língua (TOT, na sigla em inglês). Mas eles são realmente os arautos da desorientação que parecem ser?

Os estudos do TOT apresentam certos desafios aos psicólogos que desejam entender como e por que tais episódios acontecem. Assim como os astrônomos que estudam fenômenos efêmeros, como as supernovas, os pesquisadores sabem que os estados de TOT vão acabar acontecendo, mas não exatamente quando.

Essa incerteza levou a duas maneiras distintas de pesquisar o TOT: por meio de métodos naturalistas e experimentais, induzindo falhas na busca por palavras em laboratório.

Os pesquisadores tentaram quantificar dois aspectos em particular: a frequência com que os estados de TOT acontecem e a probabilidade de serem resolvidos —isto é, de a palavra tão procurada ser lembrada espontaneamente pela pessoa sem ajuda externa (como pesquisar a palavra ou pedir a um amigo que apresente a solução).

Não conseguir lembrar o nome de alguém ou uma palavra que está na ponta da língua, pode não ser sinal de memória ruim ? e há uma maneira simples de evitar esses episódios - ANDREI DAVID / ALAMY - ANDREI DAVID / ALAMY
Não conseguir lembrar o nome de alguém ou uma palavra que está na ponta da língua, pode não ser sinal de memória ruim --e há uma maneira simples de evitar esses episódios
Imagem: ANDREI DAVID / ALAMY

Estudos diários, nos quais as pessoas registram por escrito cada vez que vivenciam um estado de TOT, permitem que os pesquisadores avaliem tanto as taxas de frequência, quanto de resolução.

Os resultados sugerem que estudantes universitários experimentam cerca de um a dois estados de TOT por semana, enquanto em pessoas na faixa dos 60 anos e início dos 70, a frequência é ligeiramente mais alta.

Já os participantes da pesquisa na casa dos 80 anos apresentaram estados de TOT com índice quase duas vezes maior que os estudantes universitários.

Os estudos diários mostram ainda que os episódios de TOT são propensos a serem resolvidos ? a taxa típica de sucesso em tais estudos é de mais de 90%.

Precisamos ser cautelosos, no entanto, ao interpretar esses dados naturalísticos.

Pode ser que os idosos, que estão mais preocupados com seus lapsos de memória, sejam mais suscetíveis a registrar tais ocorrências. Eles podem ser mais cuidadosos ao colocá-las no papel, talvez porque suas vidas sejam menos agitadas do que as dos participantes mais jovens.

Também pode ser o caso de que os participantes são simplesmente mais propensos a registrar estados de TOT resolvidos do que episódios não resolvidos.

O outro método para estudar a busca por palavras é induzir experimentalmente um estado de TOT. Um método para fazer isso foi desenvolvido pelos psicólogos Roger Brown e David McNeill quando ambos estavam na Universidade de Harvard, nos EUA.

Eles descobriram que o simples ato de apresentar aos participantes definições de dicionário de palavras incomuns em inglês costumava causar uma falha na busca por palavras. Um exemplo do estudo foi: "Um instrumento de navegação usado para medir distâncias angulares, especialmente a altitude do Sol, da Lua e das estrelas no mar."

(Se este exemplo causou um episódio de TOT em você, a palavra que você está procurando é "sextante".)

Neste estudo, os participantes foram capazes de fornecer com frequência a palavra desejada sem dificuldade. Em outras ocasiões, não tinham ideia de que palavra a definição estava descrevendo.

No entanto, quando se encontravam em estado de TOT, Brown e McNeill faziam perguntas adicionais. Os pesquisadores descobriram que, nesse estado, as pessoas podem relatar informações parciais sobre a palavra procurada, mesmo que a palavra em si lhes escape.

Por exemplo, os participantes tiveram um desempenho muito superior quando solicitados a adivinhar quantas sílabas a palavra tinha ou qual poderia ser sua primeira letra.

E não é de se surpreender que, quando as pessoas cometiam erros, muitas vezes mencionavam palavras com significado semelhante. Quando apresentados à definição de "sextante", os participantes às vezes respondiam "astrolábio" ou "bússola".

No entanto, algumas vezes também mencionaram palavras que soavam apenas como o termo buscado. A definição de "sextante" levou a respostas como "sexteto" e "sexton" (sacristão que cuida dos cemitérios em igrejas), por exemplo.

É um sextante, não um sexteto ou 'sexton', caso você esteja com dificuldade de encontrar a palavra certa - SOLVIN ZANKL/ALAMY - SOLVIN ZANKL/ALAMY
É um sextante, não um sexteto ou 'sexton', caso você esteja com dificuldade de encontrar a palavra certa
Imagem: SOLVIN ZANKL/ALAMY

Se partimos do princípio que os marinheiros que empunham seus sextantes não são membros de bandas de seis pessoas tampouco coveiros, esses erros sugerem algo importante sobre como nosso conhecimento das palavras é organizado na memória.

Estudos com idosos, entretanto, sugerem que informações parciais ? como a primeira letra da palavra ? estão menos disponíveis para eles.

Assim como muitas questões relacionadas ao envelhecimento cognitivo, podemos ver o aumento nos estados de TOT como um copo meio cheio ou meio vazio.

Por um lado, essas falhas podem ser consideradas evidências do enfraquecimento das conexões entre os significados dos conceitos e as palavras que os denotam na memória de longo prazo. Também é possível que o aumento da dificuldade na busca por palavras com a idade reflita algo bem diferente.

A psicóloga Donna Dahlgren, da universidade Indiana Southeast, nos EUA, argumenta que a questão chave não é a idade, mas o conhecimento. Se os idosos normalmente têm mais informações na memória de longo prazo, então, como consequência, eles terão mais estados de TOT.

Também é possível que os episódios de TOT sejam úteis ? eles podem servir como um sinal para o idoso de que a palavra procurada é conhecida, mesmo que não esteja acessível no momento. Essas informações metacognitivas são benéficas porque sinalizam que gastar mais tempo tentando solucionar a falha na busca pela palavra pode, no fim das contas, levar ao sucesso.

Visto desta forma, os estados de TOT podem representar não falhas na obtenção, mas fontes valiosas de informação.

Se você é um idoso e ainda está preocupado com a quantidade de estados de TOT que vivencia, pesquisas sugerem que você pode ter menos episódios desse tipo se mantiver seu condicionamento aeróbico.

Portanto, da próxima vez que tiver dificuldade para achar uma palavra, você também pode tentar procurá-la dando uma volta no quarteirão.

* Este artigo foi publicado originalmente no The MIT Press Reader e republicado aqui com permissão. Roger Kreuz é professor de psicologia na Universidade de Memphis, nos EUA. Richard Roberts é um oficial de diplomacia que trabalha atualmente no Consulado Geral dos Estados Unidos em Okinawa, no Japão. Eles são coautores do livro "Changing Minds: How Aging Affects Language and How Language Affects Ageing"(Como o envelhecimento muda a linguagem e como a linguagem afeta o envelhecimento, em tradução live), do qual este artigo foi extraído.