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Os riscos para crianças e adolescentes de serem os últimos a receberem vacina

Volanthevist / Getty Images
Imagem: Volanthevist / Getty Images

Evanildo da Silveira

De Vera Cruz (RS) para BBC News Brasil

07/03/2021 09h06

Mesmo escassas e sendo aplicadas com lentidão no Brasil, as vacinas contra o novo coronavírus trouxeram um certo alívio para a população. Em contrapartida, causou preocupação nos pais e mães de crianças e adolescentes, porque, por enquanto, menores de 18 anos não serão imunizados em nenhum lugar do mundo.

Isso acontece não só porque crianças e adolescentes são menos suscetíveis à covid-19, mas também porque as vacinas em uso hoje não foram testadas nessas faixas etárias.

"Os estudos realizados com os imunizantes focaram apenas adultos", explica a epidemiologista Anaclaudia Gastal Fassa, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

"Agora, é preciso desenvolver estudos que avaliem a sua eficácia e segurança em menores de 18 anos."

A bióloga Évelin Santos Oliveira, pós-doutoranda em Epidemiologia do Instituto Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz (IGM-Fiocruz), lembra que, no processo de desenvolvimento de vacinas, são adotados alguns critérios de acordo com o patógeno estudado, no caso, o novo coronavírus, e sua atuação no sistema imune.

"Como a covid-19 se mostrou inicialmente mais grave em adultos, principalmente idosos ou pessoas com comorbidades (como diabetes, obesidade, hipertensão, por exemplo), os testes clínicos das vacinas em desenvolvimento ocorreram em adultos e jovens maiores de 18 anos", diz.

Menos vulneráveis

De acordo com a infectologista Raquel Stucchi, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), "felizmente" as crianças fazem parte de um grupo populacional no qual a covid-19 tem pouco impacto.

"Raramente elas têm sintomas ou são afetadas pelo novo coronavírus. Então, quando se vai planejar em que população será testada uma vacina contra uma nova doença, são escolhidos aqueles que são mais afetados por ela."

Foi por isso, segundo Raquel, que crianças e adolescentes não foram testados num primeiro momento, "porque praticamente não adoecem" por causa da covid-19. "A chance de internação e morte deles é muito pequena", assegura.

"Além disso, eles são péssimos transmissores do novo coronavírus. Isso fez com que todos os fabricantes de vacinas procurassem avaliar a eficácia delas naqueles em que a doença realmente tem impacto, que são adultos jovens e idosos."

Nesse cenário, o objetivo era desenvolver rapidamente imunizantes em volume suficiente para essas pessoas mais vulneráveis.

"Num processo de vacinação seletiva, dada a exiguidade do produto, deve-se priorizar aqueles mais expostos às condições de riscos, como os trabalhadores da saúde, que lidam diretamente com doentes, e os mais vulneráveis em termos de riscos biológicos e sociais, no caso, determinadas faixas etárias e a existência de comorbidades", explica o médico e doutor em Saúde Coletiva Alcides Silva de Miranda, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Miranda lembra que o mesmo ocorreu no caso da pandemia de H1N1, a gripe A, em 2009-2010. Por causa das características similares às da covid-19, as crianças e adolescentes também não foram priorizados para a vacinação.

"Isso causou estranhamento e até indignação entre algumas pessoas, mas os resultados posteriores demonstraram que a estratégia adotada estava correta", diz.

O perigo agora é que novas variantes que apareceram ou possam surgir modifiquem o quadro, ampliando a gravidade da doença em pessoas mais jovens.

Por isso é necessário o monitoramento constante da transmissibilidade e patogenicidade (capacidade de um agente biológico causar doença em um hospedeiro suscetível) delas.

"Se surgirem evidências de que alterem essas características, evidentemente a estratégia de priorização deveria ser alterada", alerta Miranda. "O que ainda não é o caso."

Qual é o risco de não vacinar crianças e adolescentes agora?

O pediatra e epidemiologista Fernando Barros, que integra a coordenação do Estudo de Evolução da Prevalência de Infecção por Covid-19 no Brasil (Epicovid19-BR), na UFPel, alerta, no entanto, que o perigo da não vacinação da faixa etária até os 18 anos é que ela continuará suscetível à covid-19.

"O risco de doença grave é muito menor neste grupo, mas crianças e adolescente também podem adoecer", diz.

A boa notícia é que as vacinas já desenvolvidas e em uso em adultos começam as serem testadas neles. "A Pfizer-BioNTech já começou um ensaio na faixa etária entre 12 e 15 anos", diz Barros.

"A Moderna também está começando, e a AstraZeneca/Oxford e a Janssen estão planejando fazer estudos nesse grupo. Essas duas últimas iniciaram com adolescentes, depois possivelmente vão testar de 6 a 12 anos, e só no final vão fazer o mesmo para os abaixo de 5 anos. Isso vai demorar."

Diante desse quadro, outra questão que se discute é se o Brasil vai alcançar a chamada imunidade de rebanho e se, quando isso ocorrer, as crianças e adolescentes, mesmo não vacinadas estarão protegidas contra o novo coronavírus.

Barros é pessimista. "Não creio que vamos atingi-la, principalmente levando em conta que a população abaixo de 18 anos, que por enquanto não vai receber a proteção, corresponde a 26% da população brasileira", explica.

"Por ora, temos que pensar nos imunizantes como instrumentos fundamentais para evitar que as pessoas tenham doenças severas ou morram."

Miranda, por sua vez, explica que "efeito rebanho" ocorre quando há uma interrupção ou expressiva redução da cadeia de transmissão do vírus em termos epidêmicos mais abrangentes (ou pandêmicos).

"Mas mesmo assim, o problema da infecção passa para um outro patamar, ainda com contágios, casos e complicações, de forma isolada ou delimitada em surtos localizados", diz.

"Ou seja, continuaremos a lidar com a virose de outra forma, portanto, não se trata de deixar de vacinar as crianças, mas, se possível e de modo preferível, imunizá-las em outra circunstância, inclusive de modo rotineiro."

Fassa acrescenta que a transmissão da covid-19 depende do número de indivíduos suscetíveis à doença. "À medida que aumenta a quantidade de pessoas vacinadas, diminui a daqueles que podem se infectar, reduzindo a taxa de transmissão", explica.

"Mesmo assim, será preciso manter as medidas de distanciamento físico e de higiene, uso de máscara, além das estratégias de vigilância com detecção precoce dos casos e rastreamento dos contatos."

Volta às aulas

A volta às aulas presenciais, sem a vacinação dos alunos, também é motivo de angústia dos pais e dos trabalhadores da educação.

"Adotar essa medida antes que se atinja a imunidade de rebanho e que os profissionais das escolas sejam imunizados aumenta o risco de contaminação, tanto deles quanto das crianças e de seus familiares", alerta a pediatra e infectologista Alessandra Marins Pala, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), da Fiocruz.

Ela diz que as famílias que decidirem enviar os filhos à escola devem ter consciência disso e precisam manter o máximo possível o isolamento social.

"Elas devem evitar frequentar festas, bares, reuniões de amigos ou qualquer evento que não seja absolutamente necessário", defende.

"Esses pais têm que ter a consciência que eles passam a ser corresponsáveis pela saúde dos profissionais da escola e dos familiares dos demais alunos."