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'Explicou toda a minha vida': como é receber diagnóstico de autismo na vida adulta

Diagnóstico, mesmo que tardio, pode ajudar portador de autismo a lidar melhor com transtorno - smolaw11/Getty Images/iStockphoto
Diagnóstico, mesmo que tardio, pode ajudar portador de autismo a lidar melhor com transtorno Imagem: smolaw11/Getty Images/iStockphoto

Eva Ontiveros

02/04/2021 11h44

"Finalmente pude entender por que era do jeito que era. Você não pode imaginar o alívio que senti", diz Sudhanshu Grover à BBC.

"Tenho dois filhos autistas e trabalho com crianças autistas, mas nunca suspeitei que pudesse ser autista", acrescenta.

Moradora de Nova Déli, na Índia, Sudhanshu foi diagnosticada com a condição aos 40 anos.

Alis Rowe, que também recebeu o diagnóstico na idade adulta, faz coro com Sudhanshu.

"Foi uma explicação para toda a minha vida", diz.

"Passei a vida inteira me sentindo ansiosa, isolada e 'diferente' de todos ao meu redor. Encarava a vida de uma forma muito menos tranquila. Foi muito reconfortante e útil perceber que havia um nome para o que eu estava passando e que muitos outros tiveram os mesmos problemas", diz Alis, que mora no Reino Unido.

Na sexta-feira (2/4), Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a BBC conversou com pessoas ao redor do mundo sobre o autismo e a diferença que um diagnóstico pode fazer em suas vidas.

criança triste, menina, autismo - iStock - iStock
Muitas pessoas passam a vida 'sentindo-se diferentes', mas nunca sabendo por que se sentem assim
Imagem: iStock

Autismo na idade adulta

Os dados mundiais sobre TEA ou Transtorno do Espectro Autista costumam ser difíceis de obter, porque a condição não é reconhecida ou diagnosticada da mesma forma em todos os países.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 em cada 160 crianças tem TEA no mundo - mas ainda não há números globais confiáveis para adultos.

Nos Estados Unidos, onde os dados foram coletados sistematicamente, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), ligados ao Departamento de Saúde (equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil), estimam que 2,21% da população adulta têm TEA.

No Brasil, não há números oficiais. A estimativa é que cerca de 2 milhões tenham o transtorno. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que obriga a inclusão, no censos demográficos, de informações específicas sobre pessoas com autismo.

A OMS descreve o TEA como um transtorno do desenvolvimento que afeta a comunicação e o comportamento e que pode ser diagnosticado em qualquer idade.

O autismo é um espectro: isso significa que cada pessoa autista experimenta diferentes combinações de traços autistas, em diferentes intensidades.

Normalmente, a condição é detectada na infância porque os sintomas tendem a surgir nos primeiros dois anos de vida, mas muitas pessoas só percebem que têm TEA na idade adulta ou nunca foram diagnosticadas.

O diagnóstico tardio é especialmente prevalente em mulheres. Uma razão para isso pode ser porque as mulheres geralmente seriam melhores em copiar pistas sociais ao seu redor, escondendo ou "mascarando" qualquer comportamento que possa parecer diferente.

É importante notar que o autismo não é uma doença ou enfermidade — o cérebro de uma pessoa com TEA só funciona de maneira diferente do de outras pessoas.

Não há "cura" para o autismo — se você é autista, é autista a vida inteira — mas indivíduos com TEA podem se beneficiar ao obter o tipo certo de apoio para suas necessidades específicas.

Por que nem todos os casos de ASD são detectados?

Sudhanshu Grover é chefe de serviços educacionais da Action for Autism, uma organização sem fins lucrativos na Índia.

"Meus filhos foram diagnosticados há 20 anos, quando tinham três anos. Foi por causa deles que comecei a trabalhar com crianças autistas", diz Sudhanshu. "Mas, como adulta, nunca pensei que também pudesse ter TDA."

Por duas décadas, Sudhanshu trabalhou com crianças e pais para ajudá-los a entender melhor o autismo e fez campanha por uma maior conscientização sobre a doença.

Foi só aos 48 anos que ela começou a pensar que poderia ser autista.

"Comecei a pensar como era difícil para mim me comunicar, como era difícil para as pessoas entenderem as coisas da maneira que eu queria... ou elas entenderiam de forma muito diferente para mim", diz ela.

"Também achava difícil conviver e fazer amigos... Achei que fosse porque sou muito tímida. Quando me dava bem com as pessoas, me dava muito bem com elas, então sempre tive um ou dois amigos mais próximos, mas nunca um grupo grande."

Mas Sudhanshu sentia cada vez mais dificuldade: "Simplesmente ficava muda quando uma situação era muito estressante. Ou eu a analisava em excesso."

Nesse estágio, ela sabia o suficiente sobre autismo para perceber que o transtorno não afetava "apenas crianças" e que muitos adultos podem passar a vida inteira sem diagnóstico.

"Dadas as instalações, provisões e concessões disponíveis para pessoas autistas na Índia, sabia que não obteria um diagnóstico de um hospital governamental na minha idade", diz Sudhanshu, "então tive que recorrer a um médico privado".

"Já se passou quase um ano e meio e ainda estou tentando entender o que isso significa para mim. A ficha não caiu totalmente, mas me ajudou a me entender e por que às vezes reajo de uma determinada maneira", diz.

No fim das contas, Sudhanshu diz que o diagnóstico foi benéfico para ela.

"Trabalho com crianças autistas. Quando os pais perguntam como será o futuro de seus filhos, posso contar a eles sobre meu próprio autismo. Falo abertamente sobre isso, porque acho que a mudança virá quando as pessoas começarem a ver o que você pode fazer. Isso torna a vida mais fácil para todos", diz.

Luta contra estigma

"No continente africano, é muito difícil para muitos adultos aceitar esse diagnóstico", diz Sylvia Moraa Mochabo à BBC. "O autismo ainda carrega um grande estigma na sociedade."

Sylvia é uma empreendedora de tecnologia queniana e fundadora da organização Andy Speaks 4 Special Needs Persons Africa.

Ela também usa sua plataforma para fazer campanha por uma maior conscientização sobre as deficiências do neurodesenvolvimento e autismo.

"A falta de conhecimento leva à falta de diagnóstico mais tarde na vida. Em três anos, só soube de três casos em adultos. Mas os médicos deixam passar alguns diagnósticos e faltam intervenções precoces", acrescenta Sylvia.

Dois de seus três filhos são autistas, e Sylvia está preocupada que eles possam não ter a oportunidade de viver uma vida plena, porque "ser rotulado de 'autista' ainda é um grande desafio para um adulto".

Natalia, que trabalha no setor de mídia e foi diagnosticada como TEA na idade adulta, pede para não ser identificada porque a condição afetou seu trabalho no passado.

"Todos nós temos sonhos e desejos de prosperar na vida... isso não deixa de ser diferente. Todos nós compartilhamos os mesmos sentimentos e aspirações básicas", diz.

"Conheço algumas pessoas nesse espectro que simplesmente vivem sem um diagnóstico formal. Elas sabem que são diferentes, mas têm recursos suficientes para se adaptar à realidade", acrescenta.

Mas Sylvia diz que é ainda pior se você não sabe o que pode estar acontecendo com você.

"Quando nossos próprios médicos estão estudando, o currículo não cobre o TEA em profundidade. Então, quando veem um paciente com certas características — criança ou adulto — podem não pensar em autismo. Como resultado, as pessoas não são diagnosticadas e continuam vivendo com essa condição sem entender o que é. "

"Em nossa cultura, se você exibir certos comportamentos, será rotulado como 'doente mental'. Isso carrega muitas conotações negativas", diz Sylvia, "então você encontrará muitas pessoas que preferem evitar esse rótulo e, em vez disso, buscar outros mecanismos de enfrentamento para lidar com suas lutas. Mas e se você não conseguir? "

Chegar à idade adulta sem diagnóstico pode tornar a vida de uma pessoa desnecessariamente mais difícil, explica Sylvia.

"Se não houver ajuda para crianças em idade escolar com certos desafios, elas têm maior probabilidade de abandonar os estudos. Quando você chega à idade adulta, você já foi estigmatizado, rotulado de 'teimoso' ou 'burro' e ninguém acha que o motivo pode ser o autismo."

Mesmo assim, para muitas pessoas na África, um diagnóstico de autismo pode ser considerado "uma notícia terrível", diz ela. Mas "não precisa significar desgraça", acrescenta.

"Em vez disso, você pode trabalhar com essa pessoa para que ela dê seu melhor."

Sylvia diz que sabe, por seu trabalho e por sua própria experiência como mãe, que a aceitação é chave - para a pessoa e para a comunidade.

"Do que você precisa? Ajuda com problemas sensoriais? Fonoaudiologia? No final, você tem que acessar os tratamentos certos se quiser ter uma vida mais inclusiva. Você não pode apoiar uma pessoa ou buscar as terapias e intervenções certas se não entende do que ela precisa ou o que ela experimenta", diz.

Autismo - iStock - iStock
"O autismo afeta a maneira como uma pessoa pensa, por isso é difícil diagnosticar uma condição com base nos pensamentos de alguém", diz Alis
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Diagnóstico quando adulto

"Encorajaria todos os adultos que pensam que podem estar no espectro a ir e buscar um diagnóstico, porque isso lhe dá uma visão maior. Quando você sabe com o que está trabalhando, pode se preparar melhor para os desafios que enfrentará", diz Sylvia.

Sudhanshu concorda: "Olhando para trás, agora, conheço pessoas que não eram melhores do que eu, mas tiravam notas melhores ou eram capazes de se sair melhor na vida, porque não enfrentavam desvantagens todos os dias."

"Havia muito mais coisas na minha cabeça, mas nunca consegui tirar. Havia coisas que eu realmente não conseguia fazer — então me sinto muito melhor agora que tenho meu diagnóstico", diz ela com alívio.

Alis Rowe, autora e empresária premiada que foi diagnosticada com autismo aos 23 anos, concorda.

"Teria me sentido muito menos isolada e infeliz se soubesse que outras pessoas se sentiam da mesma maneira que eu. Me sentia muito sozinha quando era adolescente", diz Alis.

Foi isso que a fez criar o The Curly Hair Project (www.thegirlwiththecurlyhair.co.uk), um empreendimento social que apóia pessoas com autismo e aqueles a seu redor.

"Muitas pessoas provavelmente não serão diagnosticadas até mais tarde na vida porque sentem que todos têm os mesmos problemas, que só precisam 'se esforçar mais'", diz Alis.

Ou pode ser que "as pessoas autistas nem mesmo têm autoconsciência para perceber que são 'diferentes', ou algumas pessoas podem estar em negação e, portanto, não procurarão um diagnóstico", acrescenta ela.

Para Alis, ter um diagnóstico realmente a ajudou.

"Meus amigos me entendem melhor agora e temos relacionamentos mais fortes. Também sinto que posso ser eu mesma perto das pessoas; não preciso fingir que sou como elas. Isso é muito importante para ter boa saúde mental."

'Condição invisível'

"É difícil explicar às pessoas que tenho todos os problemas que tenho, porque elas não os veem. Meu diagnóstico como adulta foi uma surpresa para muitos dos meus velhos amigos e pessoas que conheço", diz Alis.

Sudhanshu concorda. "Sem reconhecimento, a vida cotidiana é difícil. E mesmo com um diagnóstico, as pessoas nem sempre entendem as condições invisíveis."

"Há muitas coisas que podem ser difíceis de enfrentar: barulho, cheiros, espaços lotados... quando você é autista, sua vida pode ser muito, muito difícil, porque mesmo as coisas simples do dia a dia podem diferenciá-lo", acrescenta Sudhanshu .

"Alguns dos problemas são tão simples que outros nem conseguem conceber intelectualmente que possam ser um problema", diz.

"Por exemplo, como você explica que, mesmo gostando de alguém, não necessariamente se sente confortável em conhecê-lo? Que mesmo uma pequena mudança de plano pode fazer com que todo o seu dia seja arruinado e você não consiga dormir à noite? Ou que não é óbvio para você passar por processos como inserir o bilhete do metrô na catraca porque você não consegue descobrir exatamente onde colocar o bilhete ou por qual catraca deve passar?", acrescenta.

Em certos aspectos, as restrições impostas devido à pandemia podem ajudar pessoas sem ASD a entender como é ficar estressado quando alguém invade seu espaço pessoal ou toca em suas coisas.

"Agora todo mundo sabe o que é viver como eu!", diz Alis.

"Sempre me preocupei com a higiene e me sinto fisicamente mais confortável estando a dois metros de distância das pessoas", acrescenta.

Autoconhecimento

"Ter um diagnóstico não é a resposta para todos os seus problemas, mas pode ser útil em alguns casos se isso significar que você pode obter ajuda ou ser melhor compreendida", diz Natalia.

"Também pode te ajudar a se aceitar do jeito que é, e não se sentir esquisita. Se você olhar mais de perto, quase todo mundo tem algum problema", acrescenta.

"Saber que sou autista me ajuda a me preparar e lidar melhor com esses problemas ou evitar situações desconfortáveis", diz Sudhanshu.

Alis completa: "A vida é mais fácil para mim, agora que sou adulta, porque me entendo melhor e essa compreensão só se acelerou realmente quando fui diagnosticada com síndrome de Asperger (um diagnóstico usado anteriormente no espectro do autismo, agora parte do TEA). Também ajuda muito que outras pessoas estejam muito mais conscientes do autismo agora. "

Segundo Sudhanshu, o mais importante é a informação de qualidade.

"Você será autista por toda a sua vida, então quanto mais sabe, melhor viverá."