PFF2: os voluntários que ajudam brasileiros a encontrar máscaras mais eficazes contra a covid-19
Eles gastam até 4h por dia coletando informações e criando conteúdo para as redes sociais e sites: 'Somos o contrário de um influenciador, queremos perder a relevância'.
"Tenho dormido menos, mas dormido melhor, por saber que estou ajudando outras pessoas."
Professor, programador e estudante de direito, o carioca Bruno Carvalho, 34 anos, reserva até 4 horas do dia para se dedicar a uma atividade que tomou como missão: convencer os brasileiros a usarem máscaras do tipo PFF2 (ou padrão N95, como é chamada nos EUA), consideradas mais seguras contra a covid-19.
Desde fevereiro, em meio ao agravamento da pandemia no país, ele e uma colega resolveram criar um site para disponibilizar uma lista de lojas que vendem produtos testados e regularizados, o PFF Para Todos.
Mais de 800 mil usuários já acessaram a plataforma — sendo 100 mil só na última semana, segundo Bruno. A maior parte (40%) vem do WhatsApp, seguido da busca do Google e do Twitter.
"As máscaras não são a solução da pandemia, mas são importantes como uma proteção imediata, ainda mais nesse momento que vivemos", explica Bruno.
O Brasil vive o pior momento desde o início da pandemia e vem registrando uma média de mortes por covid-19 perto das 3 mil, até esta quarta-feira, 14.
Ainda em junho de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar o uso de máscara em público. Em julho, reconheceu que o coronavírus podia ser transmitido não apenas por gotículas expelidas por tosse e espirros, mas também por partículas microscópicas liberadas por meio da respiração e da fala que ficam em suspensão no ar: os chamados aerossóis.
E as máscaras do tipo PFF2 são consideradas melhores para prevenir a transmissão aérea do vírus. Ela é feita com camadas de material com uma porosidade menor, que retém a maioria das partículas, além de vedar melhor o nariz e a boca.
Alerta necessário
Mas, para Melissa Markoski, professora de biossegurança da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), só a partir de dezembro que os brasileiros passaram a ficar mais atentos ao tipo de máscara que estavam usando.
Além de defender o uso de equipamentos profissionais, a cientista ressalta que máscaras de pano bem-feitas (com mais de uma camada e com diferentes tipos de tecido) e as cirúrgicas também são eficazes, dependendo do nível de exposição ao vírus. (Veja mais dicas no final desta reportagem.)
"Foi muito tardia essa preocupação. Os cientistas sempre falaram da importância do uso correto de máscaras, mas acho que não estava sendo suficiente. Faltou um movimento para levar esse apelo mais para frente e também campanhas do governo como aquelas do 'não fume' e do 'use o cinto de segurança'", diz Markoski.
Foi diante desse cenário que Bruno Carvalho resolveu agir. Com problemas respiratórios e de alergia, ele já conhecia os benefícios das PFF2 há cerca de 14 anos, bem antes da pandemia — numa obra em casa, por exemplo, já a colocava no rosto.
Quando uma aluna — uma fisioterapeuta respiratória — morreu de covid-19, ele percebeu que precisava compartilhar informações.
"Ela havia treinado muita gente para cuidar dos outros na pandemia. Então a morte dela me deixou muito chateado, eu precisava fazer alguma coisa".
Estimulado pela busca dos usuários do Twitter por máscaras, ele decidiu criar uma plataforma independente, junto com a administradora do perfil Estoque PFF. Era sexta-feira de Carnaval. No sábado, o site estava no ar.
Desde então, os dias têm sido dedicados a ligar para especialistas, fornecedores, lojas, ler laudos para verificar se as máscaras foram aprovadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e, ainda, responder dúvidas de seguidores nas redes sociais.
Para esta reportagem, Bruno preferiu não mostrar o rosto. O motivo? O receio de ataques de pessoas que não acreditam na pandemia ou na eficácia das máscaras.
Para esta reportagem, Bruno preferiu não mostrar o rosto. O motivo? O receio de ataques de pessoas que não acreditam na pandemia ou na eficácia das máscaras.
'O plano é que o perfil fique obsoleto'
O casal Beatriz Klimeck, 24 anos, e Ralph Rocha, 25, também tem dedicado os dias às máscaras.
Ela é antropóloga, doutoranda em saúde pública e mestranda em divulgação científica. Ele é administrador público e mestrando em comunicação. Juntos, gastam cerca de 4h diárias para atualizar os perfis do Qual Máscara nas redes sociais.
Criado em dezembro de 2020, após uma piora nos números da pandemia no país, o projeto já conta com quase 235 mil seguidores, somados Twitter e Instagram.
Em contato direto com médicos, especialistas e instituições, o casal passa horas se debruçando sobre artigos científicos e reportagens para criar um conteúdo visual e compartilhável — e que possa, assim, "furar a bolha" e chegar aos grupos de WhatsApp.
Os comentários e mensagens também são respondidos, deixando o casal acordado, muitas vezes, até de madrugada.
"A gente quer ser o contrário de um influenciador. O plano é que o perfil fique obsoleto, que não tenha mais relevância, seja pelo fim da pandemia ou porque as informações já chegaram a todo mundo", conta Beatriz.
Os posts do Qual Máscara são referenciados, com links para artigos científicos e entrevistas "para auxiliar as pessoas a fazerem escolhas informadas, não para dizer que é isso ou aquilo".
"Fizemos isso porque a comunicação do governo é ruim, a mensagem pública é ruim, o presidente já desestimulou o uso de máscaras... E as pessoas seguem usando a máscara com tecido ruim, no queixo", completa a Beatriz.
Ela se envolveu tanto no assunto que mudou até o tema do doutorado, antes sobre anorexia, para pesquisar a antropologia que envolve o uso coletivo de máscaras.
Tanto Bruno, do PFF para Todos, quanto Beatriz e Ralph já administram compromissos além dos perfis nas redes sociais e dos sites.
Em contato com fornecedores, Bruno tenta viabilizar campanhas de doação de máscaras para distribuir em espaços públicos.
O casal por trás do Qual Máscara já fez um abaixo-assinado para que a prefeitura do Rio de Janeiro, onde vive, distribua PFF2 para a população. Além disso, já foi procurado por vereadores de cidades como Belém (PA) e Florianópolis (SC) para auxiliar na elaboração de projetos de lei que envolvam o uso de máscaras.
"É um trabalho cansativo e nosso objetivo não é mudar tudo, a posição do governo sobre o tema. Mas cada pessoa que não se contamina porque estão bem informadas já valeu a pena", finaliza Beatriz.
Por que PFF2?
Esse tipo de máscara segue padrões estabelecidos por normas técnicas para garantir um nível alto de proteção. A PFF2 filtra pelo menos 94% das partículas de 0,3 mícron de diâmetro, as mais difíceis de se capturar. N95 é a nomenclatura dos Estados Unidos. O padrão no Brasil é a PFF2. E, na Europa, é a FFP2. Esses padrões de respiradores, embora não sejam idênticos, são equivalentes.
"Elas são formuladas com diferentes de tipos tecido, com até 5 camadas. E esses tecidos conferem diferentes mecanismos para reter partículas de diferentes tamanhos. Cada uma possui uma ação eletrostática, atraindo partículas bem pequenas, coisa que muita máscara de pano não consegue fazer", explica Melissa Markoski, professora de biossegurança.
Além disso, essas máscaras profissionais se ajustam melhor ao rosto, com menos vazamento de ar pelas laterais e por cima.
Seguindo orientações da OMS, as máscaras profissionais podem ter um uso prolongado. Para quem não trabalha em áreas muito expostas ao vírus, como hospitais, elas podem ser utilizadas por até 8 vezes, diz Markoski.
Num único dia, ela pode ser utilizada até por 8h seguidas. Se ela ficar úmida ou se você precisou falar muito, é indicado realizar uma troca.
"Ao chegar em casa, deixe em algum lugar arejado por pelo menos 3 dias, para então reutilizá-las. Não pode lavá-las ou borrifar álcool"
Na falta de PFF2, o que fazer?
Com preços que partem dos R$ 3 a unidade, nem todos podem comprar os respiradores profissionais para a família.
Segundo Markoski, diante da gravidade da pandemia, profissionais que vão para ambientes de alto risco ou usam transporte coletivo cheio deveriam usar as PFF2.
Se não tem essa opção ou se você não está em contato com tantas pessoas durante o dia, a máscara cirúrgica tripla (descartável) também é indicada. Ela pode ser utilizada, inclusive, com uma de pano por cima. O importante é verificar se elas estão bem ajustadas ao rosto.
Quanto às de tecido, quanto mais camadas melhor. Por exemplo, pode ter uma camada de algodão, uma de poliéster, e outra de algodão - ou uma de seda: "Vai reter mais as partículas, porque cada um desses tecidos tem propriedade diferente".
"Mesmo protegido, evite conversar muito, falar alto. Se for guardar uma máscara, cuidado para não amassar. Se for lavar uma de pano, não torça. Isso pode danificá-las", sugere Markoski.
"Quem não usa máscara não associa o perigo que estão correndo. As pessoas precisam entender que a doença está no ar que a gente respira"
Antes da compra, é importante verificar se as máscaras PFF2 têm o selo do Inmetro É essa certificação que indica que o produto passou por auditorias no processo produtivo e ensaios envolvendo questões como inspeção visual, resistência à respiração, penetrações através do filtro e inflamabilidade. No site do Inmetro, é possível consultar os produtos certificados.
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