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Covaxin: os personagens da compra da vacina indiana investigada pela CPI

O contrato da Covaxin foi firmado quando o ministério da Saúde ainda era gerido pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello - FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
O contrato da Covaxin foi firmado quando o ministério da Saúde ainda era gerido pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello Imagem: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

25/06/2021 14h41Atualizada em 25/06/2021 14h41

Suspeitas de irregularidades na compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin ao preço total de R$ 1,6 bilhão provocaram uma crise política no governo Jair Bolsonaro —com o envolvimento de diversos personagens novos nas investigações sobre possíveis erros na gestão da pandemia de coronavírus no Brasil.

Documentos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid indicam que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose. O valor foi celebrado em um contrato de compra do governo federal em fevereiro, mas não foi pago e as doses não foram recebidas.

Além disso, o servidor Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, disse ao Ministério Público Federal ter sofrido uma "pressão atípica" de outra autoridade da pasta para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech.

Luis Ricardo e seu irmão, o deputado federal Luís Claudio Miranda (DEM-DF), disseram ter denunciado irregularidades a Bolsonaro, mas acusam o governo federal de não investigar o caso.

Bolsonaro e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, atacaram os dois irmãos que fizeram a suposta denúncia e prometeram investigar ambos.

Confira quem são os principais personagens da mais recente crise envolvendo a gestão da pandemia no Brasil.

Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello

O episódio narrado pelo servidor teria acontecido em março, quando o ministério da Saúde ainda era gerido pelo ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que foi exonerado do cargo naquele mês e substituído por Marcelo Queiroga.

Um dos focos da investigação é tentar entender como Jair Bolsonaro reagiu às denúncias que recebeu de Luís Claudio Miranda sobre irregularidades no contrato da Covaxin —se ele teria levado as denúncias adiante ou não.

Luís Claudio Miranda disse ter alertado Bolsonaro e o então ministro da Saúde, Pazuello, sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo a compra da Covaxin. Ele disse que se reuniu o presidente em 20 de março e denunciou o contrato um mês após a assinatura.

Bolsonaro acusou Miranda de tentar desgastar seu governo. "Isso aconteceu em março. Agora ele resolve desgastar o governo?"

Lorenzoni afirmou que, sob determinação de Bolsonaro, a Polícia Federal vai investigar os dois irmãos Miranda.

"Deus está vendo, mas o senhor [deputado Miranda] não vai se entender só com Deus não, vai se entender com a gente também. Se o senhor achava que ia conseguir luz e talvez apoio para uma tentativa de eleição, o senhor errou. No momento em que o senhor trai o presidente Jair Bolsonaro, trai o Brasil, o senhor se junta a todo mal que existe na política brasileira", disse Lorenzoni.

Luís Claudio Miranda e Luís Ricardo Miranda

Desconhecido no mundo da política até 2018, Luís Claudio Miranda foi eleito deputado federal pelo DEM com uma das maiores votações no Distrito Federal.

Antes de se eleger, Miranda, de 41 anos, era youtuber e morava em Miami, nos Estados Unidos. Seu canal, com mais de 600 mil assinantes, era dedicado a elogiar o capitalismo americano, em especial as políticas do então presidente do país, Donald Trump.

Miranda segue com seu canal no YouTube, que até recentemente tinha vídeos do deputado defendendo o governo Bolsonaro, inclusive em uma postagem ao lado de Pazuello recebendo carregamentos de vacinas.

Antes de virar youtuber, Miranda foi empresário e dono de uma rede de clínicas de estética. Em 2019, uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, entrevistou 25 pessoas que disseram ter sido vítimas de golpes milionários supostamente aplicados por Miranda. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a fazer uma denúncia contra o político, mas acabou abandonando a queixa, que foi arquivada pela Justiça.

Em Brasília, o deputado se articulava para virar relator da reforma tributária do governo e citava sua relação próxima com Bolsonaro como um dos trunfos.

Mas agora ele tem voltado suas forças contra o presidente. Na quarta-feira (23/06), Miranda gravou um vídeo intitulado "Combater a corrupção virou crime?" no qual ataca figuras do governo.

O irmão do deputado federal, o servidor Luís Ricardo Miranda, é chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde. Ele relatou ao Ministério Público ter sofrido pressão atípica para assinar o contrato da compra da vacina Covaxin, que agora está sendo alvo de investigações. Seu depoimento ao MP faz parte dos documentos juntados pela CPI da Covid.

Luís Ricardo diz ter recebido a pressão do tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral da Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, nomeado pelo general Pazuello, para o cargo.

A CPI da Covid aprovou a convocação dos dois irmãos, que devem depor na tarde desta sexta-feira (25/06).

Francisco Maximiano

Um dos pivôs da atual crise é a empresa Precisa Medicamentos, que atua no Brasil como representante da Bharat Biotech. Documentos da CPI da Covid mostram que a Precisa Medicamentos cobrou urgência do Ministério da Saúde para acelerar a celebração do contrato hoje questionado.

A empresa pertence a Francisco Maximiano, que foi convocado a prestar depoimento na CPI da Covid nesta semana mas não compareceu. Ele alegou ter chegado recentemente de viagem da Índia e que precisa obedecer a uma quarentena.

Seu depoimento na CPI foi remarcado para a próxima semana.

O jornal Estado de S. Paulo noticia que a ligação entre a empresa de Maximiano e o laboratório indiano é recente —a Precisa teria se tornado representante única da Bharat Biotech em janeiro deste ano.

Essa associação teria permitido que Maximiano buscasse a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC) e ajudasse a organizar uma comitiva de empresários brasileiros para a Índia. Na época, havia a expectativa de que o governo liberasse a compra de vacinas por empresas privadas.

O governo brasileiro havia firmado contratos apenas para comprar e produzir as vacinas Coronavac e Oxford/AstraZeneca —e a indiana Covaxin era vista como uma oportunidade para o setor privado, caso houvesse a liberação.

Maximiano atua no ramo farmacêutico há anos, sendo dono de outras empresas.

Uma delas, a Global Gestão de Saúde, é alvo de suspeitas em um contrato firmado em 2019 com o ministério da Saúde. O Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra o deputado federal e ex-ministro da Saúde do governo Temer, Ricardo Barros, e outros quatro servidores públicos pela compra de R$ 20 milhões em medicamentos da Global Gestão de Saúde usados em doenças raras na rede pública.

Parte dos remédios foi entregue com atraso ? e a Global foi contratada sem licitação. Quatorze pacientes que aguardavam os medicamentos morreram.

Segundo o jornal O Globo, o Ministério Público Federal move uma ação contra a empresa e, contando os danos coletivos, cobra R$ 119 milhões da Global na Justiça.

A própria Precisa Medicamentos já foi alvo de outra investigação sobre fraudes na Saúde. No ano passado, a Operação Falso Negativo investigou fraudes na compra de kits de testes para diagnóstico da covid-19 em sete Estados brasileiros e no Distrito Federal.

A operação resultou na prisão do ex-secretário de Saúde, Francisco Araújo, em agosto de 2020. O Tribunal de Contas do DF (TCDF) investiga o contrato da aquisição de testes. Segundo o jornal Correio Braziliense, a justiça determinou que pagamentos à Precisa Medicamentos fossem limitados, devido à investigação sobre dispensa de licitação.

Ricardo Barros

Uma medida provisória do deputado federal e líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ajudou diretamente na importação da vacina Covaxin.

Segundo o jornal O Globo, a MP do deputado permite que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda "autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas", insumos ou medicamentos sem registro na Anvisa desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países. A MP acrescenta o órgão sanitário indiano na lista de entidades habilitadas a dar essa autorização.

Ex-ministro da Saúde Temer, Barros foi alvo de uma ação do Ministério Público em 2019 em outro episódio envolvendo a Precisa Medicamentos (veja acima).

Barros nega qualquer irregularidade na sua MP, e aponta que outros deputados também sugeriram medidas semelhantes.

Élcio Franco

O coronel Élcio Franco era considerado o "número 2" no Ministério da Saúde durante a gestão de Pazuello e concentrava diversas decisões durante a pandemia —inclusive sobre a negociação de compra de vacinas.

Ele foi exonerado do ministério da Saúde em março, junto com o general Pazuello, mas recontratado como assessor especial da Casa Civil, trabalhando junto com o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da pasta.

Franco era chefe do tenente-coronel Alex Lial Marinho, citado por Luís Miranda como autor da "pressão atípica" para liberar o contrato da Covaxin.

Nesta semana, Franco foi escalado junto com o ministro Onyx Lorenzoni para defender o presidente Jair Bolsonaro e seu governo das acusações levantadas pelos irmãos Miranda. Na ocasião, o coronel afirmou que o documento apresentado por Luís Ricardo "difere de documentos oficiais do ministério".

O governo diz que o contrato apresentado pelo servidor é antigo —e não corresponde ao que foi devidamente firmado. A veracidade das informações ainda vai ser investigada pela CPI da Covid.

Franco é defensor do tratamento precoce —o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no combate à covid, ou com eficácia já descartada —e disse em depoimento neste mês na CPI da Covid que sua gestão no ministério da Saúde defendia esse tipo de atendimento a pacientes na rede pública.

Franco foi convocado para falar sobre o atraso nas negociações da contratação da vacina Pfizer.