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Covid-19: onda da ômicron é a que mais matou crianças na nossa UTI, diz pediatra intensivista

Manuela Monte - Arquivo pessoal
Manuela Monte Imagem: Arquivo pessoal

Nathalia Passarinho

Da BBC News Brasil em Londres

12/02/2022 10h38

Em janeiro, no pico da onda da ômicron no Brasil, dois bebês de 1 ano e 10 meses, um menino e uma menina, de famílias diferentes, chegaram no mesmo dia na UTI onde a pediatra intensivista Manuela Monte trabalha, em Fortaleza, no Ceará.

Os dois testaram positivo para covid-19 e deram entrada no Hospital Infantil Albert Sabin com pneumonia grave e quadro de insuficiência renal. Antes de se infectarem, eles não tinham qualquer problema ou condição de saúde.

"Eles internaram no mesmo dia, chegando ao hospital já em estado grave. Fizemos de tudo, mas um deles morreu em menos de 24 horas. O outro morreu no dia seguinte", conta Monte, que atua na linha de frente em UTIs pediátricas desde o início da pandemia.

"Perdemos dois bebês em menos de dois dias. Bebês que eram saudáveis antes de ter covid. Foi um dos momentos mais difíceis. Abalou muito a equipe."

Nas semanas que se seguiram, Monte presenciou outras mortes e atendeu casos graves de crianças de todas as faixas etárias.

Depois da avassaladora segunda onda da pandemia no Brasil, em 2021, a pediatra achava que o pior já havia passado.

Mas o avanço sem precedentes da ômicron atingiu em cheio o público infantil não vacinado, enquanto adultos que já haviam recebido duas ou três doses tiveram, em geral, sintomas menos graves.

"Somos hospital de referência, e nossa UTI pediátrica de covid ficou lotada em janeiro, enquanto o atendimento para adultos ficou relativamente tranquilo", contou à BBC News Brasil.

"Tem vindo crianças de todas as faixas etárias com covid. E tivemos casos graves em crianças que não tinham nenhum problema de saúde. Por causa do sistema imune abalado pela covid, acabaram pegando infecção bacteriana, pneumonia ou meningite antes de chegar ao hospital."

Identificada na África do Sul em novembro, a ômicron é muito mais transmissível que as demais variantes do vírus e é mais capaz de reinfectar quem já teve covid, embora pesquisas preliminares apontem que pode ser menos letal.

Por que mais crianças estão sendo afetadas?

Onda da ômicron aumentou mais a mortalidade na UTI infantil do que outros picos da pandemia, diz médica - Hospital Albert Sabin - Hospital Albert Sabin
Onda da ômicron aumentou mais a mortalidade na UTI infantil do que outros picos da pandemia, diz médica
Imagem: Hospital Albert Sabin

Dados nacionais sobre internações por faixa etária em janeiro ainda estão sendo compilados por pesquisadores, mas as informações relativas a dezembro e início deste mês indicam que a ômicron pode ter provocado mais internações de crianças que os picos anteriores da doença no Brasil.

No Rio de Janeiro, por exemplo, houve cerca de cinco vezes mais internações de crianças de até 11 anos por covid-19 em dezembro e janeiro do que na segunda onda da pandemia causada pelas variantes gama e delta, segundo boletim epidemiológico do dia 24 de janeiro.

A pediatra Manuela Monte avalia que o aumento de hospitalizações e casos graves se deve a uma conjunção de fatores. Como a ômicron é mais contagiosa, mais crianças estão sendo infectadas agora que nas ondas anteriores, e isso pode elevar o número de internações e, eventualmente, mortes.

Além disso, lembra Monte, a ômicron veio num momento de flexibilização de regras de isolamento social no Brasil, combinado com festas de fim de ano e férias, o que elevou a exposição das crianças à doença.

"A ômicron se propaga de maneira mais fácil, o que acabou expondo as crianças."

E, enquanto cerca de 70% da população adulta brasileira já contava com ao menos duas doses da vacina contra covid, a imunização para crianças de 5 a 11 anos só começou por volta do dia 17 de janeiro, após resistência do governo federal.

Bebês e crianças acabaram se tornando um grupo fortemente atingido pela ômicron na comparação com adultos já imunizados.

Por fim, Manuela Monte avalia que a crença de que a covid-19 é leve em crianças e de que a ômicron é mais branda que as demais variantes pode ter provocado uma "falsa sensação de segurança".

Muitos pais e cuidadores acabam demorando para levar as crianças ao hospital por não saber dos potenciais riscos associados à covid-19 em crianças, diz a médica.

Outros moram longe de hospitais de referência e têm dificuldade de acesso.

"Temos verificado que algumas crianças infectadas pela ômicron ficam com imunidade muito afetada durante a infecção e acabam desenvolvendo outras doenças, como pneumonia", afirma a pediatra.

"Vemos um atraso na busca por ajuda médica. E quanto antes a gente age, maior a chance de recuperação."

Luta para salvar gêmeas

Uma memória recente da pediatra foi a luta da equipe da UTI para salvar irmãs gêmeas que foram internadas na mesma época.

As duas adolescentes de 17 anos tinham uma doença neurológica e já eram conhecidas dos médicos do hospital porque retornavam com frequência para tratamentos.

"As duas pegaram covid e ficaram muito tempo internadas. A mãe era muito dedicada, é uma pessoa muito bacana e nós já tínhamos um vínculo com as meninas. A gente lutou muito para salvá-las", conta Monte.

"A gente falava: 'não podemos perder as duas por covid. Perder uma já seria muito difícil, perder as duas seria demais para essa mãe'. Então, a gente lutou muito. Infelizmente, uma morreu, mas conseguimos salvar a outra."

Entre a tristeza cotidiana de dar notícias duras aos pais e a alegria de poder liberar para casa as crianças que se recuperam, os profissionais de saúde ainda convivem com a dificuldade de acolher e acalmar os pacientes sem a presença dos familiares deles.

Por causa da alta taxa de infecção na onda da ômicron, muitas UTIs passaram a restringir visitas. As crianças que estão conscientes se comunicam por chamadas de vídeo com as famílias, na unidade em que Monte trabalha.

Mas, em alguns casos, o pai e a mãe não conseguem se despedir dos filhos. Foi o caso dos bebês de 1 ano e 10 meses que morreram com um dia de diferença.

"A gente tenta ao máximo garantir que as crianças se comuniquem com os pais sempre que possível por chamada de vídeo. Também tento organizar visita presencial, para eu poder explicar a gravidade aos pais", diz.

"Infelizmente, com os dois bebês, não deu tempo. A gente teve que chamar a família no dia do óbito, porque foi muito rápido."

Outro desafio dos pediatras intensivistas é acalmar as crianças mais velhas, que já têm consciência da gravidade e dos riscos.

Manuela Monte conta que receberam recentemente na UTI uma menina de 10 anos que já tinha uma doença pulmonar e que precisava de oxigênio porque sua saúde piorou com a covid-19.

"Ela pedia para a mãe para não ir ao hospital, porque tinha medo. E pediu muito para não ser intubada. Mas a situação era grave e foi necessário. Dá muita pena ver o medo. Comove muito quando a criança percebe que aquilo pode acontecer e percebe a piora", diz.

Felizmente, neste caso, a criança está melhorando, embora continue intubada.

Fim do pico?

UTIs voltaram a restringir visitas, e pais e mães veem os filhos por chamada de vídeo - Hospital Albert Sabin - Hospital Albert Sabin
UTIs voltaram a restringir visitas, e pais e mães veem os filhos por chamada de vídeo
Imagem: Hospital Albert Sabin

Segundo Manuela Monte, com o progresso da vacinação de crianças de 5 a 11 anos no Brasil, a expectativa é que haja uma redução nos casos graves e nas hospitalizações —assim como ocorreu com outras faixas etárias que já tiveram acesso à imunização.

"Acredito fortemente que a vacinação deve reduzir mortes na UTI de covid, já que ela diminui a gravidade das infecções. A gente vê que os adultos têm tido casos mais leves. E isso pode acontecer com as crianças também", diz.

"Quem vivencia esse dia a dia de receber pacientes na UTI sabe o quanto vacinar é importante para reduzir a gravidade da doença."

Monte viu uma redução, a partir do começo de fevereiro, do número de internações. Em outras capitais, como São Paulo, as hospitalizações também estão caindo. Isso pode significar que o pico da onda da ômicron está passando.

"Foi complicado, porque a gente estava achando que as coisas iam melhorar e aí veio a ômicron e vimos ainda mais internações de crianças e com gravidade. Mas, em fevereiro, já começou a melhorar", disse Monte.

"Foi uma onda em que vimos mais mortes na nossa UTI. Mas, aparentemente, é uma onda mais curta."