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Como desinformação e grupos antivacina ameaçam combate à covid-19 no Brasil

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Imagem: Getty Images

Nádia Pontes

21/12/2020 10h10

Grávida e mãe de dois outros filhos, Mariana* decidiu que não vai vacinar a família contra a covid-19. Ela diz que não nega a ciência, mas que acredita na força de cura do corpo. "Mas não falamos abertamente sobre isso, por orientação do nosso médico homeopata", complementa Mariana, que nunca imunizou os filhos, mas tem um atestado que alega, falsamente, que os filhos seriam alérgicos.

O caso é visto com preocupação pela SBIm (Sociedade Brasileira de Imunização). "É uma atitude lastimável. Isso é crime de ética. A própria Associação Médica Homeopática Brasileira não tolera isso e apoia o calendário de vacinação", critica Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm que integra o grupo consultivo Vaccine Safety Net, da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Com mais de 186 mil mortes por covid-19 e com a perspectiva de frear a pandemia com alguns imunizantes em negociação, o Brasil vê a resistência à vacina crescer. Segundo levantamento do Instituto Datafolha, o percentual de brasileiros dispostos a se vacinar contra a doença caiu de 89% na primeira quinzena de agosto para 73% em dezembro, e cresceu de 9% para 22% a parcela de pessoas que declaram que não querem tomar vacina.

O potencial estrago de um movimento antivacina é conhecido. Em todo o mundo, estima-se que a imunização contra doenças salve cerca de 3 milhões de pessoas por ano, ou seja, 5 pessoas a cada minuto.

"Desconfiar das vacinas ou não aderir às campanhas pode levar a perdas irreparáveis", afirma Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro da força-tarefa da universidade no combate à covid-19.

Diante desse cenário, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na última quinta-feira (17/12) que estados e municípios podem criar leis de obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus e definir restrições a quem desobedecer. O resultado foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro, que já disse publicamente que não irá se vacinar e pretende exigir termo de responsabilidade de quem tomar vacina.

"É um cenário muito difícil. Precisamos de falas de confiança que sejam coerentes com o que a ciência diz. E a ciência está sendo atropelada no Brasil durante toda essa pandemia", critica Ballalai.

Para SBIm, posicionamentos equivocados como o de Bolsonaro minam a confiança da população e servem como combustível para os que se negam a receber vacinas.

A volta do sarampo

Antes mesmo da chegada da pandemia, o crescente movimento antivacina já tinha efeitos no Brasil. Considerado um modelo para o mundo pela capacidade de promover vacinação em massa, por meio do PNI (Programa Nacional de Imunização), o país passou a registrar retrocessos.

A volta do sarampo, doença viral que ataca o trato respiratório e é potencialmente grave em crianças menores de cinco anos, é um exemplo. Depois de dois anos de certificação de erradicação dado pela Opas (Organização Panamericana de Saúde), o Brasil sofreu com um surto do vírus em 2018 e perdeu, no ano seguinte, o status.

Em 2019, foram mais de 18 mil casos confirmados e 15 mortes por sarampo. Naquele ano, a meta de vacinação ficou longe de ser alcançada. Entre crianças de 2 a 4 anos foram 100.676 doses aplicadas --contra 824.190 não vacinados.

"Um pouco dessa queda da cobertura se deve ao movimento antivacina. Eles pensam que as doenças desapareceram. Eles não veem [as doenças] porque são as vacinas que justamente protegem as pessoas", argumenta Dias.

Uma parte dessa hesitação, alega Dias, é muito influenciada por curas naturais, por uma vida livre de química, já que vacinas são produtos sintéticos, como medicamentos.

"Quando nascemos, a gente adquire uma imunidade inata do leite materno, que defende a gente de boa parte das doenças. Mas não das fatais, como poliomielite, caxumba, rubéola", explica o químico, pontuando que, só no século passado, 350 mil pessoas no mundo morreram de varíola, que foi erradicada por causa da vacina.

"Não sou contra os hábitos saudáveis de alimentação. Eles ajudam, mas não defendem a gente da covid-19", acrescenta.

O combate ao vírus da desinformação

Mariana começou a questionar o uso de vacinas após ouvir os argumentos do médico homeopata que trata a família, há sete anos, quando o primeiro filho nasceu. "Ele falou sobre interesses econômicos das farmacêuticas e dizia que doenças infantis ajudam a amadurecer o corpo da criança", diz.

As informações que ela recebe vêm principalmente de páginas secretas numa rede social, traduzidas de outras línguas. Por outro lado, ela confessa que não checa tudo o que lê.

Ballalai, que é pediatra, diz que a maior parte do conteúdo que alimenta os grupos antivacinas vem de fora. "Cerca de 50% das informações difundidas aqui são importadas da Europa e Estados Unidos", pontua a médica.

Os dados fazem parte de uma pesquisa divulgada em 2019 pela Avaaz e a SBIm com o objetivo de investigar o elo entre a desinformação e a queda nas coberturas vacinais. A pesquisa, feita pelo Ibope com uma amostra de 2.002 pessoas, mostrou ainda que sete em cada dez brasileiros acreditam em alguma informação falsa relacionada a vacinas.

Do total de entrevistados, 13% disseram que não se vacinaram ou não vacinaram uma criança sob seus cuidados. Entre os motivos estão falta de planejamento ou esquecimento; argumentos como "não achei que a vacina fosse necessária", o que a SBIm considera desinformação; falta de informação e medo de efeitos colaterais graves —algo que também é considerado desinformação.

"Percebemos que a rede que dissemina a desinformação é bem formada, é profissional. E com o cenário que a gente está vivendo hoje, de negação da ciência e disputa política, isso está piorando", avalia Ballalai.

Imunidade coletiva

Para Dias, da Unicamp, a atuação do movimento antivacina é "absolutamente irresponsável, criminosa"", principalmente em meio a uma emergência mundial. "Covid-19 não é uma questão individual, é uma questão de saúde coletiva. Se não tivermos uma imunização em massa, nós não atingiremos uma imunidade coletiva necessária", afirma o pesquisador.

Embora o plano nacional de vacinação contra covid-19 ainda não tenha uma data para o início da imunização, a SBIm alega que esta é a única possibilidade de controle da pandemia.

"As vacinas vêm principalmente para diminuir mortes, hospitalizações e casos graves. Mas não será o fim da doença, 2021 será ainda um ano de distanciamento social, de não aglomeração e uso de máscaras", ressalta Ballalai.

*Nome fictício usado na reportagem a pedido da entrevistada.