Como a psico-oncologia ajuda no tratamento do câncer
Disciplina científica se desenvolveu na década de 1970 e ajuda a lidar com as mudanças psicológicas e sociais decorrentes de um diagnóstico.
O 4 de fevereiro marca o Dia Mundial do Câncer. "A pior coisa para mim não foi o diagnóstico em si, mas descobrir recentemente que os médicos continuavam encontrando células cancerígenas no meu corpo", revela Kurt Schröder (nome alterado para preservar a privacidade do entrevistado).
"Essa não é uma boa notícia no caso do câncer de pâncreas. Tiraram o câncer, só sobraram células residuais. Apesar de tudo, é claro, eu preferiria que não tivesse ficado nada. Mas eu sou um otimista inveterado."
Atualmente com 61 anos, ele sempre teve boa saúde e é apaixonado por seus hobbies: história natural e fotografia. O diagnóstico veio em agosto de 2022, e pouco depois, em outubro, a primeira cirurgia em que foram removidos a assim chamada cabeça do pâncreas e o duodeno.
Depois veio a quimioterapia, com suas consequências: náusea, vômito, paladar alterado. "O pão tinha gosto de lixa", lembra Schröder, "as bananas eram doces de doer, não dava para comer."
Apoio integral
Desde o diagnóstico, Schröder recorreu a Gudrun Bruns, diretora do centro de aconselhamento de câncer de Münster, Alemanha. Ela tem décadas de experiência no campo da psico-oncologia, uma disciplina científica que se desenvolveu na década de 1970.
"A psico-oncologia lida com as mudanças psicológicas e sociais que decorrem do câncer. E com a interação entre estado físico e psicológico", resume a especialista.
De 25% a 30% dos diagnosticados com câncer desenvolvem transtornos mentais ou déficits psicossociais no curso da doença. Os profissionais dos centros de aconselhamento se ocupam dos problemas associados ao câncer, a fim de acompanhá-los no árduo caminho de volta ao dia a dia.
Além disso, fornecem informações práticas. Na Alemanha, os paciente podem, por exemplo, solicitar uma carteira de pessoa com deficiência grave, fato que muitos desconhecem.
"Bruns conhece um número incrível de pessoas e instituições. Ela tem conexões que você nem imagina", conta Schröder. "Claro, isso é uma tremenda ajuda psicológica, saber que se pode recorrer a diferentes lugares, e eles oferecem apoio em muitos aspectos."
Luta por mais reconhecimento mundial
Dar mais atenção aos aspetos emocionais e psicológicos do câncer e integrá-los às terapias são alguns dos objetivos da Sociedade Internacional de Psico-oncologia (Ipos, na sigla em inglês).
Fundada em 1984, ela está sediada em Toronto e Nova York, e trabalha para garantir que a psico-oncologia se torne parte integrante dos tratamentos de câncer em todo o mundo, além de promover a pesquisa na área.
Somente em 2020, mais de 19 milhões de pacientes foram diagnosticados com câncer, segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) , e o número tende aumentar.
A IARC estima que as mortes por câncer em todo o mundo devem passar de 9,96 milhões em 2020 para cerca de 16,3 milhões em 2040. Isso torna ainda mais importante ter uma gama abrangente de aconselhamento e terapia psico-oncológica.
As apreensões e medos com que os afetados se defrontam são semelhantes, independente de se encontrarem na África, Ásia, América ou Europa, e do tipo de câncer envolvido.
Familiares também precisam de ajuda
Um diagnóstico de câncer põe toda a vida de cabeça para baixo, também a dos entes próximos. Estudos mostram que os familiares são expostos a estresse mental severo.
"Os membros da família muitas vezes têm a sensação de que devem apoiar os doentes o máximo possível, perdendo completamente de vista suas próprias vidas", explica Bruns.
"Se alguém satisfaz seus próprios desejos e necessidades, surgem censuras morais e remorsos, mesmo que sejam coisas simples, como ir ao cinema ou alguma atividade de lazer", e isso não ajuda ninguém. "É absolutamente essencial que os entes queridos encontrem maneiras de se recarregar", destaca.
Schröder sabe bem que o comprometimento excessivo e altruísta pode rapidamente se transformar no oposto. Sua companheira, Simone Burmann [nome alterado], foi diagnosticada com câncer em 2010.
"Quando eu estava com ela, percebi como é cansativo. Por isso, quando recebi meu diagnóstico, alertei-a várias vezes para não vir ao hospital todos os dias. Acho que ela me visitava muito. A certa altura, bateu no seu limite e teve um colapso psíquico."
Há 13 anos Burmann foi diagnosticada com câncer de colo do útero. "Era um tumor de crescimento rápido e eu fiz três cirurgias", conta a mulher de 55 anos. "Eles removeram meu útero e parte da minha vagina". Desde então, ela não teve recaídas.
No entanto sua visão da própria estada no hospital é muito diferente da de seu parceiro: "Foi muito importante para mim ter visitas frequentes, ter apoio, e apenas saber que alguém estava lá."
Temor da morte
Na maioria dos casos, todo tipo de sentimentos vem à tona logo após o diagnóstico. Não apenas medo, raiva e irritabilidade, mas também dor, "a tristeza pela perda da saúde de que se desfrutava", como define Bruns. Pois, antes do diagnóstico, a maioria considera sua saúde garantida.
Hoje em dia existem mais tratamentos para diferentes tipos de câncer - e vários deles tem cura, "mas a associação com definhamento e morte permanece", explica Bruns: "E naturalmente muitos temem que sua enfermidade não possa ser curada, que ela retorne e leve à morte."
Por isso, encorajar os pacientes de câncer é uma das tarefas mais importantes da psico-oncologia: "Muitas vezes, trata-se apenas de não deixar as pessoas sozinhas, ou apenas de escutá-las."
Não existe um procedimento fixo, constata o paciente Kurt Schröder: "As conversas surgiam espontaneamente, de dia para dia. Começavam, por exemplo, com Bruns perguntando: 'Como está hoje?' E aí a gente simplesmente começava a falar."
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