Como funciona o tratamento que reverteu cegueira pela primeira vez na história
Em São Paulo
27/11/2024 05h30
Pela primeira vez, cientistas conseguiram fazer com que pacientes com danos severos na córnea — parte transparente do olho que cobre a pupila — tivessem a visão restaurada graças a um transplante de células-tronco. O procedimento foi realizado em quatro pessoas, das quais três apresentaram melhora significativa e duradoura, enquanto o paciente com o quadro mais grave teve leve reversão após um ano.
Os resultados foram divulgados na revista científica The Lancet deste mês. Os pacientes tratados conviviam com deficiência de células-tronco limbares (LSCD, na sigla em inglês). Quando há falta dessas células, a córnea começa a ser coberta por tecido de cicatrização, perdendo a transparência e levando à cegueira. As razões para o quadro são traumas no olho, infecções como herpes ocular, doenças autoimunes e problemas genéticos
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Os tratamentos para essa condição geralmente incluem o transplante de células da córnea obtidas de um olho saudável do próprio paciente. Já quando os dois olhos estão comprometidos, pode-se recorrer a transplantes de córnea de doadores falecidos.
O problema é que, no primeiro caso, os resultados podem ser incertos e é preciso fazer biópsia do tecido do olho saudável, o que é invasivo. No segundo, como explica o oftalmologista Flávio MacCord, diretor da SBO (Sociedade Brasileira de Oftalmologia), há o risco de rejeição pelo sistema imunológico do paciente. Os cientistas, então, usaram uma fonte alternativa de células para transplante: as células-tronco pluripotentes induzidas.
Técnica 'revolucionária'
A técnica baseia-se nas pesquisas de Shinya Yamanaka e John Gurdon, ganhadores do Nobel de 2012, que mostraram ser possível induzir células maduras de adultos para estado semelhante ao das células-tronco embrionárias, que podem se transformar em qualquer tipo de célula.
Os cientistas usaram células do sangue de um doador saudável, reprogramaram para um estado embrionário e transformaram em camada fina e transparente de células do revestimento da córnea, que foi transplantada nos pacientes.
Além disso, durante a cirurgia, o tecido cicatricial que recobria a córnea danificada foi removido, deixando a superfície pronta para o transplante. "Em seguida, uma camada de células epiteliais (que revestem a superfície) da córnea, cultivadas em laboratório a partir de células-tronco, foi posicionada sobre a área e fixada com costuras finas. Para proteger o enxerto e auxiliar na cicatrização, uma lente de contato terapêutica foi colocada sobre a córnea", detalha MacCord.
"O diferencial desse tratamento é que ele evita a necessidade de doadores compatíveis de acordo, então reduz o risco de rejeição imunológica", diz MacCord.
Segundo o médico, a expectativa é de que esse avanço possibilite novos tratamentos para casos complexos, reduza a dependência de doadores e revolucione o manejo da deficiência de células-tronco.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.