Bolsa pós-colostomia é consequência de tratamento contra doença sem cura
A história de Jasmine Stacey, 25, chamou atenção nas redes sociais. Aos 20 anos, ela precisou retirar o intestino grosso em uma cirurgia para salvar sua vida. O procedimento foi feito para tratar a doença de Crohn, inflamação séria no trato gastrointestinal, e a cirurgia fez com que ela precisasse carregar uma bolsa para armazenar as fezes.
Ainda que não seja muito conhecida, a doença atinge cinco milhões de pessoas no mundo. Abaixo, o UOL reuniu os principais fatos sobre a doença.
Fontes: Alexandre de Sousa Carlos, parte da equipe do Centro de Diagnóstico em Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) e Fabio Vieira Teixeira, gastroenterologista e cirurgião intestinal da ABCD (Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn).
- O que é a doença de Crohn?
É uma doença inflamatória intestinal que tende a inflamar qualquer parte do trato intestinal, desde a boca até o ânus. Porém, o mais frequente é a inflamação do intestino grosso ou intestino delgado. Ela acomete mais jovens, dos 18 aos 35 anos.
- Quais são os sintomas mais comuns?
Por acometer o trato gastrointestinal, os sintomas são diarreias --de cinco a dez episódios ao dia. E o que chama atenção é que, às vezes, aparece sangue ou muco nas fezes. Além da diarreia, outro sintoma frequente é a dor abdominal, que incomoda a ponto de levar paciente ao pronto-socorro. Esses são os dois sintomas mais frequentes. Também é possível notar que o paciente emagrece de forma rápida, por perder o apetite e ter dificuldade de absorver os alimentos com as frequentes diarreias.
Além disso, tem alguns sintomas mais raros, como aftas orais, perda de peso inexplicada e febre sem nenhuma causa definida. Alterações oculares, como olhos vermelhos e dor ocular também estão entre esses sintomas menos frequentes. Só depois de meses com esses sinais, é que pode aparecer a dor abdominal e a diarreia --o que torna o diagnóstico mais difícil.
- Quais são as possíveis causas dessa doença?
Não se sabe a causa certa. O que a medicina já sabe é que existe uma predisposição genética. Um paciente pode já ser predisposto e algum fator pode desencadear. Principalmente, fatores ambientais, como hábitos alimentares. Alguma infecção intestinal em um paciente pré-disposto também pode levar à doença de Crohn.
Apesar da origem ser pouco conhecida, médicos entendem que é uma junção de fatores, entre eles o organismo geneticamente pré-disposto, alterações nas respostas de imunidade e dificuldade de absorver alimentos.
- Tensão emocional influencia?
Pode influenciar e pode ser o gatilho para um paciente pré-disposto. Não é que estresse cause a doença. Mas o estresse em um paciente pré-disposto pode servir de gatilho.
- A alimentação piora o quadro?
Tanto a dieta quanto a tensão podem piorar a doença para quem já foi diagnosticado, porque é comum que quem tenha essa inflamação também seja diagnosticado com a Síndrome do Intestino Irritável e o fator nervoso aumenta essas inflamações.
Uma dieta ruim não causa a doença, mas pode piorar os níveis de inflamação do intestino. Por isso, o acompanhamento de uma nutricionista se faz necessário. Até porque o paciente pode achar que está se alimentando de forma saudável, mas pode tomar, por exemplo, suco de laranja, que solta o intestino. A doença já causa diarreias, o suco piora o quadro.
Quem tem a doença controlada tem uma vida completamente normal e pode comer de tudo um pouco -desde que sem exageros nas "porcarias".
- Como funciona o tratamento?
Como não existe cura, o tratamento visa dar qualidade de vida ao paciente, assim como o controle da doença. O tratamento mais comum é o medicamentoso. Ele visa diminuir o processo inflamatório, ou seja, são anti-inflamatórios que diminuem a capacidade do sistema imune de machucar o corpo.
Os remédios contêm proteínas produzidas com anticorpos específicos para lutar contra as moléculas de inflamação. A medicação é altamente efetiva e tem poucos efeitos colaterais. Para se ter uma ideia, um dos remédios luta contra uma molécula inflamatória potentíssima chamada TNF. O medicamento é capaz de bloquear a TNF e até estimular a morte desta molécula inflamatória, um processo que o paciente sozinho não consegue desencadear.
Em situações, específicas é necessário fazer a cirurgia.
- Sempre que opera tem que usar a bolsa de fezes?
Não, a maioria dos pacientes não faz uso da bolsa. Porém, toda cirurgia de intestino corre o risco de precisar fazer a bolsa de fezes. Mas é possível avaliar bem o paciente e seus exames --como ressonância, endoscopia, colonoscopia-- e prever se ele está mais propensos a usar essa bolsa ou não.
Se a doença é acompanhada desde o início, o médico tem noção da gravidade e prepara o paciente para a cirurgia, calculando as necessidades para não precisar da bolsa.
Porém, com a demora de diagnóstico muitas vezes o paciente descobre na cirurgia que tem doença de Crohn e é operado quando há um alto nível de inflamação. Com parte do organismo inflamado, não é possível emendar o intestino de forma segura, pode ficar com vazamentos. Logo, como estratégia cirúrgica, os médicos deixam o paciente usar a bolsa até que desinflame a região e depois fazem uma segunda operação para unir o intestino.
Também é possível ter que usar a bolsinha em casos mais graves. A doença é evolutiva, ou seja, ela começa com uma inflamação e pode agravar, perfurando e cicatrizando algum órgão. Caso haja perfuração no intestino ou cicatrização do ânus, a pessoa pode ter que remover os órgãos e perde parte do sistema digestivo, necessitando da bolsa definitivamente.
- Como funciona a bolsa?
Os pacientes se preocupam em ter que usar a bolsa, existe um constrangimento. Mas não é preciso criar preconceitos. Os modelos de bolsa são seguros, não deixam nenhum cheiro e tem proteção garantida. É possível, por exemplo, praticar esportes com a bolsa sem receios.
A tecnologia também conta com bolsinhas que só precisam ser trocadas em uma semana, além de um dispositivo que funciona como um plug e você consegue esvaziar quando preferir.
- Qual a incidência no Brasil?
Não é possível cravar quantos casos existem no país. Porém, um levantamento feito com base nos remédios retirados no SUS para tratar a doença mostra que cerca de 70 mil pessoas se medicam para controlar o Crohn. Os dados não são precisos, pois outros pacientes podem obter remédios por vias particulares, mas dá uma noção do quadro em nível nacional.
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