"Sei que chamo a atenção, mas resolvi me aceitar e desisti das cirurgias"
A analista de laboratório Beatriz Pugliese, 22, de São Paulo, nasceu com mais de 80% de seu corpo coberto por pintas. No entanto, apesar da condição de sua pele, ela vive como qualquer jovem de sua idade e decidiu parar de fazer cirurgias para melhorar sua aparência. Diz que aprendeu a se aceitar.
"Sempre digo aos outros que precisamos aprender a ser felizes com o que temos. Isso vale para todas as áreas da vida, mas especificamente para nossas diferenças. Nasci em 1994 com uma condição chamada nevo melanocítico congênito, que nada mais é do que uma pinta benigna. A diferença é que, ao contrário de uma pinta normal --que não costuma passar de meio centímetro-- as minhas tomam grandes partes do meu corpo, como colo, ombro e tronco, por exemplo
Nasci com o nevos cobrindo 80% do meu corpo e, por isso, comecei a fazer biópsias para acompanhar o desenvolvimento dessas pintas já aos seis meses de idade. Isso porque, apesar de benignas, elas podem se tornar um câncer de pele. Meus pais tiveram muita dificuldade em encontrar um especialista no assunto. Muitos médicos não sabiam o que fazer e os que sabiam cobravam uma fortuna pelo atendimento. Acabamos encontrando apoio no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde faço o meu acompanhamento até hoje.
Blindando o preconceito
Nunca existiu um momento específico em que percebi que era diferente das outras crianças. Até porque meus pais sempre me trataram igual aos meus irmãos --Thaís, de 24 anos, e Marcelo, de 20. Mas é claro que chamava a atenção na época da escola e ouvia piadinhas desagradáveis.
Só que isso não era um problema, pois sempre tive familiares e amigos maravilhosos, que me blindavam. Quando acontecia alguma situação chata, eles imediatamente me puxavam de lado e me distraíam. Na hora, até ficava chateada, mas depois nem lembrava mais.
Até hoje sei que chamo a atenção de desconhecidos quando ando pela rua. Percebo pessoas comentando e alguns olhares, mas não passa disso. Até porque se vejo uma pessoa olhando feio, já olho desafiadora de volta.
Moro em Santa Isabel, uma cidadezinha no interior de São Paulo, onde todo mundo se conhece. Até já acostumei um pouco, pois penso que tanto o olhar de curiosidade quanto o de preconceito é direcionado para qualquer coisa que não seja o padrão.
A minha aparência nunca atrapalhou o lado amoroso, tanto que já estou há três anos namorando o Fellipe [Koroboff, 24]. Nos conhecemos assistindo a mesma partida da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, e minhas marcas de nascença nunca foram um problema para ele, que me ama e me ajuda a sentir confiante.
Sempre tive a liberdade de usar a roupa que quisesse e nunca me privei de colocar shorts, blusas de alcinha ou biquíni para esconder a minha pele das outras pessoas.
Chega de cirurgias
Agora, aos 22 anos, decidi parar de fazer cirurgias para o nevos. Isso não cabe mais na minha vida. Primeiro que cresci e toda vez que faço alguma intervenção cirúrgica preciso ficar uns dois meses de cama e sem andar, além de visitar o hospital para fazer a troca de curativos. É uma situação bem chata, pois para totalmente a minha vida e acabo perdendo aulas e sendo obrigada a faltar no emprego.
Existe ainda o fato da maior parte de as pintas estarem em regiões delicadas, como barriga e ombros, que são partes que articulamos muito. Para o sucesso pós-cirurgia, precisaria ficar muito tempo parada. Colocando isso na balança, vi que não precisava. Estou muito bem assim. Óbvio que essa decisão não me desobriga a acompanhar as pintas que tenho. É preciso ir, no mínimo, uma vez por ano ao hospital fazer o mapeamento das pintas, para vermos se elas cresceram, se estão estranhas, etc.
Além disso, quando você tira a pinta, a pele fica de um jeito que lembra uma queimadura. Esse também foi um dos motivos para eu parar com as cirurgias. Se é para a minha barriga ficar com a pele assim, melhor deixar do jeito que está. Sou linda desse jeito."
Nevo Melanocítico Congênito: especialista explica o caso
Quem cuida do caso de Beatriz é o cirurgião plástico Luiz Philipe Molina Vana, professor-doutor da Universidade de São Paulo (USP), que também é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras. De acordo com o médico, Beatriz tem uma quantidade de lesões extremamente grande, com algumas que são praticamente impossíveis de retirar.
"Isso porque, quando você tira uma pintinha, basta dar dois pontos e pronto, mas o nevo dela pega o braço inteiro é necessário trocar toda aquela pele por uma doação de alguma outra região do corpo da pessoa. Mas a Beatriz, especificamente, não possui área doadora, porque todas as regiões dela são pintadas, o que torna o processo difícil. Mas ela é uma pessoa absolutamente normal e linda como qualquer um de nós, que aceitou muito bem isso e monitora constantemente as lesões para ver se tem alguma com suspeita para ser retirada", explica.
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