"Passei uma semana em um retiro na Índia, foi uma jornada incomum"
Passando pela foz do rio Aghanashini, os corpos inflados pelos salva-vidas cor de laranja grandalhões, cruzamos um vilarejo pesqueiro e um trecho arenoso da costa chamado Paradise Beach. "Ali! Olha! Olha!", gritou uma mulher lá de trás do barco, apontando para um golfinho que viu à distância. O jovem que era nosso capitão desligou o motor.
Alertas, aguardamos em silêncio e quando nossa professora de ioga, Larissa Carlson, começou a entoar o "om", palavra em sânscrito que simboliza a união do corpo, da voz e da mente, nós nos juntamos a ela, criando uma vibração contínua. Como se despertos pela força do nosso chamado, surgiram vários outros, pulando no ar, um a um. Pensei comigo: "Essa vai ser uma jornada incomum".
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Embora eu quisesse há anos fazer uma viagem para a Índia, ela não parecia iminente. Mas, um dia, em meio à correspondência espalhada na despensa, eu me deparei com o catálogo 2016 do Centro Kripalu para Ioga & Saúde. Folheando o livreto, parei, de repente, na página vinte, ao ver as palavras: "Kripalu na Índia".
Centro de bem-estar e ioga sem fins lucrativos de Lenox, Massachusetts, o Kripalu, já em seu 40º ano, recebe cerca de 50 mil pessoas por ano, interessadas em participar de seus mais variados programas. Na última década, estive lá algumas vezes para tomar parte em workshops de redação, aulas de ioga e fazer vários cursos ligados à minha atividade de coach de vida. Parada na cozinha com o folheto na mão, de repente comecei a me imaginar como uma das primeiras inscritas para conferir a missão do Kripalu de oferecer "uma educação íntegra de corpo, mente e coração" longe de sua sede, em Berkshires.
Assim, em maio passado, viajei para a Índia em companhia de minha filha Nicole, de 23 anos, para uma semana de ioga, meditação e ayurveda --sistema medicinal milenar indiano cujo objetivo é manter o equilíbrio e a saúde do corpo e do espírito. Passamos a primeira noite no hotel Alila Diwa, em Goa.
Situado entre arrozais e coqueiros, oferecia uma piscina infinita perfeita para amenizar o calorão intenso --o verão indiano vai de abril a junho e a umidade é bem alta no sul, com as temperaturas médias nunca abaixo dos 30ºC. No dia seguinte, bem cedo, encontramos nosso grupo sob uma figueira gigantesca para receber instruções e praticar algumas posições mais suaves de ioga, liderado por Carlson, professora de ioga do Kripalu e ex-diretora de sua escola ayurvédica.
Ao todo, éramos 14 pessoas: treze mulheres com idades entre 23 e 82 anos, e o noivo de Carlson, David Lipsius, que, como ex-CEO do Kripalu, estava envolvido nos estágios iniciais do planejamento do retiro. Cada um estava ali por uma razão: fazer uma pausa na rotina estressante; aprender mais sobre práticas salutares antigas; fazer a conexão entre a respiração e o corpo através da meditação e da ioga --e, no caso de Nicole, por ter saído de um emprego sem ainda ter outro em vista e ter sido convidada por mim.
A princípio, quis fazer a viagem para descobrir e explorar o único lugar onde a prática da meditação e a busca pelo equilíbrio são tão comuns quanto o uso do celular, mas ela adquiriu nova importância e significado depois da morte repentina de meu irmão, três semanas antes da nossa partida.
No retiro, encontrei espaço para o luto, para me conectar com a gentileza humana e dar mais valor ao cuidado comigo mesma --corporal, mental e espiritual-- em um ambiente seguro e acolhedor.
Tratamento ayurvédico: sou uma pitta-kapha
Uma viagem de três horas de ônibus, incluindo uma parada de emergência no banheiro externo de uma senhorinha, nos levou para aquela que seria nossa casa pelos seis dias seguintes: o resort SwaSwara, em Gokarna, litoral sudoeste da Índia. Quando estávamos chegando ao hotel, nossos guias pediram que preenchêssemos um formulário de autoavaliação. Mastigando umas castanhas de caju gigantes, respondi à bateria de perguntas que incluía desde hábitos e características a preferência de gostos, temperatura da pele, padrão de sono e proeminência de veias. Cada resposta forçosamente se encaixava em uma de três colunas, "vata", "pitta" e "kapha".
Devolvemos os questionários aos guias, que anunciaram que, além dos três tratamentos corporais, o retiro dava direito a uma consulta com um especialista ayurvédico. Ele definiria nossas terapias depois de identificar nosso "dosha", termo sânscrito usado para descrever a constituição biológica da pessoa, em combinação com os elementos "vata" (ar e éter), "pitta" (fogo e água) e "kapha" (terra e água).
Nicole e eu ocupamos nosso quarto, na verdade um dos 24 chalés de paredes de pedra, piso de lajotas e telhado de sapé. Tínhamos nosso próprio pátio gramado, banheiro e chuveiro externo, ar-condicionado no quarto e um deck ideal para a prática da ioga, uma soneca ou observação dos macacos de cara preta que pulavam de galho em galho. Desfazendo as malas e organizando as leggings e regatas caras nos armários, paramos para atender o camareiro que trouxera dois conjuntos de calças e túnicas moles e claras --as roupas de ioga separadas para nós. Na hora, brincamos com a possibilidade de usá-las, mas percebemos após uma única sessão o benefício do tecido leve e as formas largas, que deixavam a pele respirar.
A 6,5 km do vilarejo de Gokarna, o SwaSwara fica às margens do Mar da Arábia, estendendo-se por 10,5 hectares, embora mais da metade de sua área seja de vegetação protegida. Dedicado à sustentabilidade, o hotel, suas plantações e a piscina usam apenas água de chuva, acumulada durante a estação das monções, que é filtrada e tratada.
Depois de entrar na clínica ayurvédica para a consulta marcada no dia da chegada, fui recebida pelo Dr. Firoz Varun, um bigodudo de trinta e poucos anos cuja mulher, a Dra. Kripa Krishnan, também fazia parte do corpo médico do hotel. Depois de medir meu pulso e a pressão sanguínea, perguntou se eu tinha alguma "perturbação corporal".
"Se você está falando de lesões, tenho algumas, sim", respondi, meio confusa. Falamos dos músculos da minha coxa, de dor no quadril e hipermobilidade e como o estilo de vida a dieta e os relacionamentos sofrem a influência do nosso dosha. Varun explicou, então, que cada pessoa tem uma combinação de cinco elementos: fogo, terra, água, ar e éter, embora algumas sejam mais destacadas que outras, determinando assim o dosha primário e, muitas vezes, secundário. Com o questionário que eu preenchera na mão, ele escreveu, em letras garrafais: pitta-kapha [mistura dos elementos fogo com água e terra].
Para driblar o calor, os dias começavam às 6h
Os colchonetes já nos aguardavam quando entrávamos no "shala", sânscrito para "casa", e Carlson nos guiava através dos exercícios de respiração, meditação, cantos e posições para despertar o corpo. Fazíamos, então, uma pausa e ela pedia que prestássemos atenção aos sons --ouvíamos a cantoria de muitos pássaros--, cheiros e visões que nos chegavam pelos janelões. Para diminuir a temperatura do corpo, ela nos ensinou a respiração sheetali, feita através da língua enrolada ou os dentes cerrados.
Seus ensinamentos e a voz límpida eram uma presença constante e calmante em um lugar onde o calor, os aromas, sons e sabores, às vezes, pareciam excessivos.
A professora dizia: "Estou aqui para convocar lembretes para 'ser' e não só 'fazer', para convidar a uma pausa de reflexão. É um convite para desacelerar e saborear a Índia com a ioga estilo Kripalu."
Com o corpo mais ágil e a mente mais calma, da ioga íamos para o café da manhã no Cocum, restaurante a céu aberto no centro do resort que ganhou o nome da fruta vermelho-arroxeada usada na medicina ayurvédica para tratar inflamações, melhorar a digestão e diminuir a dor artrítica. Todas as refeições estavam incluídas no pacote e a refeição consistia em ovos ao gosto do freguês, aveia e frutas frescas. Para me manter hidratada, enchia minha garrafinha nos tanques imensos do shala e da sala de meditação.
Descobri, também, que a doutrina ayurvédica recomenda água morna para fria para uma melhor absorção. Nas refeições, então, ela era servida em temperatura um tanto elevada, com adição de sabores naturais, tais como feno-grego ou cominho.
Cardápio ayurvédico
O alimento --o que comer, quando e quanto-- também é um fator importante na ayurveda. Almoço e jantar no SwaSwara, servidos ou no Cocum, ou na praia, em uma enseada assombreada chamada Beach Grill, começavam com o suco do dia (vai uma mistura de mirtilo e limão aí?), seguido de uma entrada tipo salada de pepino e amendoim ou gazpacho de amêndoas, uma escolha entre dois pratos principais, como curry de peixe com especiarias, ou korma de legumes com coentro, hortelã e pasta de coco.
A sobremesa era pobre em chocolate para o meu gosto, mas os quadradinhos de banana com gengibre e tâmara fizeram sucesso. Os ingredientes são orgânicos e todas as refeições consistiam de pratos frescos, principalmente os legumes, verduras e o peixe, em porções calculadas para fazê-lo sair da mesa saciado, mas não cheio --o que, segundo a ayurveda, facilita a digestão.
Nossos dias no SwaSwara forma tranquilos e longos, pontilhados por sessões de ioga, uma atividade em grupo no final da manhã, como observação de pássaros, caminhada, passeio de barco, tratamento corporal, natação na piscina ou uma volta pela praia Om, onde as vacas se movimentam sem destino, deixando marcas de cascos na areia ao lado da dos visitantes. Reunido no salão, no fim do dia, com exceção dos que estavam tirando um cochilo, nosso grupo Kripalu se reunia para meditação guiada ou uma aula tranquila de ioga com Carlson ou outro professor de plantão.
Na manhã de quinta, fomos dar um giro pelo vilarejo de Gokarna, a quinze minutos do hotel no tuk-tuk, versão motorizada de três rodas do riquixá. Nosso guia, Matthew Raj, que também é o professor de arte do SwaSwara, nos levou ao Mahabaleshwar, templo hindu do século IV; a Koti Tirtha, tanque de água sagrado usado para o ritual do banho; uma sessão de compras onde pudemos adquirir os colares de contas mala, tradicionalmente usados para oração e meditação, muito em moda nos círculos dos praticantes de ioga.
Quinta é dia de feira e nós nos misturamos às vacas e ao pessoal local para dar uma espiada nas frutas, verduras e legumes frescos empilhados sobre pedaços de linóleo esticados no chão. Minhas Singh deu a cada um de nós cem rúpias (cerca de US$ 1,50) para comprarmos os ingredientes que, mais tarde, o chef do SwaSwara usaria para uma demonstração culinária. Gastei 60 em um quilo de berinjelas e o resto em rabanetes crocantes e maravilhosos. Nicole e Dana Rhoden, uma editora de Miami, juntaram o que tinham para comprar couve-flor, mais cara (150 rúpias, ou US$2,30).
Tratamento com óleos de ervas
Depois da manhã na aldeia lotada, voltar ao SwaSwara foi a oportunidade de retomar o sossego. Naquela tarde, eu passaria por uma sessão rejuvenescedora com óleo murivenna, feito de uma mistura de ervas, escolhido por Varun porque melhora a circulação e alivia as dores nos músculos e articulações.
Todos os três tratamentos por que passei foram feitos a quatro mãos, entre a pequenina Anchu Ajikrishna, uma massagista de vinte e poucos anos, e sua assistente --que me fez segurar o riso com força ao soltar gases no maior volume (o que, na ayurveda, é estimulado, como sinal de saúde do cólon) enquanto aquecia as ervas e o óleo sobre uma labareda. Ajikrishna amarrou um tipo de avental na minha cintura e me fez sentar em um banquinho, pôs as mãos sobre minha cabeça e recitou uma oração em sânscrito que, segundo tradução de Varun, pedia "ao supremo deus desconhecido e grande médico que curasse nosso corpo, mente e espírito de todas as misérias".
As quatro mãos trabalharam em todo o meu corpo, frente e costas, em uma coreografia afiada. Depois da aplicação do óleo e do sal, Ajikrishna pediu que eu me lavasse no chuveiro externo, com pó de feijão mungo, um exfoliante natural que limpa a pele sem remover os benefícios do óleo. Seca e embrulhada em um robe verde, fui levada de volta ao banquinho onde Ajikrishna recitou a oração.
Enquanto bebericava uma xícara de chá de ervas com mel, ela esfregou pó de "rasna churna", uma mistura de raízes e ervas, no meu couro cabeludo, para ajudá-lo a manter a temperatura do meu corpo. Para concluir, colocou um "bindi" ("ponto", em sânscrito) feito de pasta de sândalo, no centro da minha testa, estratégia adicional ayurvédica para refrescar o corpo, mesmo no calor do verão.
Nosso grupo fez a última reunião no salão de meditação no sábado à tarde, onde Carlson nos pediu que refletíssemos sobre a experiência e compartilhássemos o que levaríamos para casa. "Quero manter um horário regular para a prática da ioga gentil e enriquecedora, sem exigir demais do meu corpo", eu disse. Teve quem chorou, falando sobre sentimentos de perda e força. "Como a caçulinha do grupo, ganhei muito com a sabedoria dessas mulheres, que se dispuseram a compartilhar suas experiências comigo", disse Nicole.
Na manhã de nossa partida de SwaSwara, acordei às quatro e meia, sem querer. Como os golfinhos que pularam na água para nós no início da semana, senti uma atração quase magnética lá fora. Com cuidado para não acordar Nicole, eu me vesti, peguei a lanterna e saí na escuridão, rumo a Meditation Hill, uma estrutura ao ar livre ao lado de um penhasco, com esteiras de palha e vista para o mar de Om Beach. Sentei-me, fechei os olhos e prestei atenção às ondas, pensando no meu irmão e na cura e na acolhida que aquele lugar me proporcionava. Abri os olhos bem a tempo de ver a luz do dia despontar.
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