'Nossa, você é muito organizada. Tem TOC?' Não, a doença não é tão simples
Sou muito organizada e gosto das coisas do meu jeitinho. Esses dias, estava em um churrasco na casa de uma amiga e vi aquela bagunça de pratos, copos e garrafas. Resolvi arrumar tudo, para me sentir mais aliviada. Enquanto recolhia o lixo, alguém brincou: "Nossa, você tem TOC?!". Aquilo me fez ficar na dúvida: será que a doença é algo tão simples assim, como querer jogar fora uns ossinhos de frango e pedaços de carne largados na mesa?
Não, não é. O fato de se importar com organização, limpeza ou de sempre notar quando alguém está com a etiqueta da camiseta aparecendo não caracteriza Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). O problema é bem mais complicado e sofrido do que isso.
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"A Organização Mundial da Saúde classifica o TOC entre as 20 doenças mais incapacitantes, é muito complexo", diz Daniel Costa, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, participante do grupo Pró-TOC.
Como funciona a cabeça de quem tem TOC?
Quem é diagnosticado com o transtorno normalmente tem obsessões e compulsões. As obsessões aparecem como pensamentos, ideias ou imagens que brotam na cabeça e causam um incomodo enorme, como uma forte ansiedade.
"O paciente não consegue escapar, são pensamentos involuntários, espontâneos, repetitivos e que trazem sentimentos negativos", afirma Diego Tavares, do Grupo de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas.
A mente é inundada com ansiedade, medo, mal-estar, e busca uma saída para conseguir um alívio. É aí que as compulsões aparecem: são comportamentos repetitivos que o paciente faz para se acalmar.
Um exemplo: alguém com TOC corta o dedo e tem pensamentos obsessivos de como bactérias vão entrar no machucado, causar uma doença grave e acabar em morte. Para desviar o pessimismo, o paciente lava as mãos, o que logicamente afasta as bactérias e traz alívio momentâneo. E assim cria uma compulsão, associa que quando se cortar terá que lavar as mãos para ter alívio e não adoecer.
"Quando falamos em doença trata-se de algo que extrapola o limite da normalidade. Todo mundo lava as mãos se acha que se contaminou, mas quem tem TOC faz isso diversas vezes, passa a lavar a mão 10 vezes sempre que se corta para evitar riscos", explica Costa.
O congestionamento psicológico que o TOC causa também pode trazer compulsões de checagem. Por exemplo, a pessoa sai de casa e começa a ter obsessões de que não fechou a porta, então ela volta para verificar. Mexe a maçaneta e nota que está tudo fechado, mas ao ir embora acredita que talvez não tenha trancado a porta direito. Aí, fica preocupada e vai checar novamente.
"O paciente tem o senso crítico, ele sabe que é um exagero, que acabou de confirmar que realmente fechou a porta, mas tem os pensamentos de que talvez esteja enganado, cria a necessidade de fazer um rito, conferir diversas vezes até que aquilo se concretize na cabeça de alguma forma", diz Ricardo Ouchi, psiquiatra do hospital São Luiz.
Não é só sobre limpeza e organização
A necessidade de simetria e receio de germes são os tipos mais conhecidos da doença, mas os pensamentos também podem estar ligados a medo de eventos violentos, catástrofes, nojos específicos, preocupações constantes e até ideias obscenas.
Comumente, o paciente tem problemas com apenas um tema, mas com a evolução da doença pode ser que outros incômodos sejam somados ao quadro.
Pessoas diagnosticadas com TOC têm prejuízos sérios na vida com os rituais. A sequência de pensamentos e ações interfere na rotina e causa incapacitação. Há casos graves em que pacientes perdem dez horas do dia focados nas obsessões e compulsões.
O sofrimento é tamanho que pode inviabilizar a vida social e profissional. A pessoa costuma se atrasar para compromissos por ter que lidar com os sintomas. Além da dificuldade de completar tarefas, se concentrar é uma missão difícil. Ainda há receio de praticar as compulsões em público e, em casos crônicos, os pacientes deixam de sair de casa para não ser ridicularizado e evitar os riscos de suas obsessões. O comportamento pode facilitar casos de depressão, crise do pânico e ataques de ansiedade.
"Alguém com TOC tem urgência, precisa executar a ação, não consegue deixar de fazer e sofre com isso. Quem tem organização na personalidade arruma por prazer, não por não conseguir se controlar. É muito diferente. Provavelmente, alguém com o transtorno nem teria ido ao churrasco que você foi, porque se atrasaria fazendo verificações em casa e saberia que o ambiente despertaria obsessões", conta Jorge Gustavo Azpiroz, psiquiatra do hospital São Lucas da PUC-RS.
E não sou poucos, de 1% a 3% da população mundial tem TOC, sendo que cerca de 2% dos brasileiros sofrem com o problema, segundo Azpiroz.
Há tratamento?
A doença é muito complexa e ainda há dificuldade na ciência para explicar como ela se dá no cérebro. O que se sabe é que há uma predisposição genética, ou seja, quem tem familiares com TOC possui risco maior de desenvolver o transtorno. Os cientistas também acreditam que algumas estruturas específicas do cérebro estão relacionadas ao TOC, mas não há estudos que expliquem tal ligação.
"Existem fatores que facilitam o transtorno, mas são coisas que causam qualquer doença psiquiátrica. Vivências difíceis na infância, situações de abuso físico e negligência podem facilitar o quadro", explica Costa.
É importante deixar claro que ninguém desenvolve TOC do dia para a noite, e que é improvável que o prazer por organização ou limpeza evoluam para o quadro. Em geral, é algo ativado na infância que cresce ao longo da vida até o comportamento virar mania patológica. Os casos costumam aflorar aos 25 anos, e os pacientes demoram para buscar ajuda, pois acreditam ter controle do problema ou não reconhecem seus sintomas, além dos que se sentem envergonhados de dividir suas histórias.
Para controlar o TOC, os médicos recomendam medicação. Os remédios são os mesmos usados em alguns casos de depressão e costumam aliviar a ansiedade. Assim, quando as obsessões aparecem, elas não causam tantas consequências.
Mas é um tratamento conjunto, o paciente também deve fazer terapia. A mais indicada é a terapia comportamental. Ela ajuda a lidar com os pensamentos e usa a técnica de exposição, que consiste em expor gradualmente o paciente aos medos e mostrar que ele consegue encará-los.
Caso você acredite que tem TOC e está buscando ajuda, saiba que há um ambulatório especializado em tratamentos do transtorno com vagas em São Paulo. Entre em contato por e-mail com o Pró-TOC, do Hospital das Clínicas: protoc.projeto@gmail.com.
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