Síndrome do impostor: como é sempre ter a sensação de que você é uma fraude
Criado em 1978 por duas psicólogas norte-americanas, Pauline Clance e Suzanne Imes, o termo "síndrome do impostor" encontra cada vez mais ressonância nos dias atuais, em que a pressão para ser bem-sucedido (e exibir isso nas redes sociais) é esmagadora.
Trata-se de uma condição na qual a pessoa tem medo constante de ser descoberta como uma fraude no âmbito intelectual, seja no trabalho ou na vida particular (pense, por exemplo, em mães perfeitamente normais que acreditam não estar desempenhando bem suas funções).
Na verdade, a "síndrome" não é exatamente uma doença —não consta no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), livro elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria e que elenca as diferentes categorias de transtornos mentais.
A própria Pauline, uma das autoras do trabalho original, declarou, anos depois, que, se tivesse a chance de refazer o estudo, chamaria o fenômeno de "experiência de impostor", porque "não se trata de uma síndrome ou um transtorno, mas algo que quase todo mundo passa, em maior ou menor grau".
Sentimento que atinge até quem tem sucesso
Os especialistas costumam observar com frequência esse sentimento nos consultórios. São pessoas que se sentem incompetentes, incapazes, insuficientes, apesar de terem sucesso profissional, uma boa vida social, um comportamento satisfatório em casa.
Ainda que todos os sinais apontem o contrário, essas pessoas convivem com a sensação de que são uma fraude, e que, na verdade, não têm competência para as funções que desempenham. Por isso, acreditam que, cedo ou tarde, serão "desmascaradas".
Personalidades como Sheryl Sandberg, ex-chefe operacional do Facebook, e a escritora, poetisa e ativista dos direitos humanos Maya Angelou, morta em 2014, declararam publicamente que se sentiam incapazes em suas atividades e receavam serem "descobertas".
Dificuldade em enxergar os próprios acertos
Embora ela não se manifeste da mesma forma para todos, existem sintomas que podem ajudar a identificar o problema. A dificuldade em reconhecer que conseguiu algo por mérito próprio é um deles —para quem se julga "impostor", seus feitos sempre são alcançados graças a fatores externos, como sorte ou ser amigo das "pessoas certas".
Ansiedade extrema antes de realizar alguma tarefa importante, seguida por procrastinação ou preparação em excesso para ela, atribuir o sucesso ao trabalho duro (que, na mente do impostor, não é indicação de uma habilidade real), sentir necessidade de ser melhor que seus pares (ainda que secretamente), perfeccionismo, achar que os outros são sempre mais inteligentes e medo do fracasso são outros indicativos.
Não conseguir aceitar elogios e não estar aberto para receber outros tipos de demonstração de afeto também podem demonstrar a presença da síndrome de impostor. É como se houvesse um censor interno que está sempre a postos para sabotar iniciativas, boas atitudes e até a própria criatividade.
Adultos criados por pais exigentes sofrem mais
É na infância que a síndrome começa a ser desenhada. Podemos perceber que pessoas que tiveram uma educação muito rígida e sempre foram extremamente exigidas por membros próximos da família podem ter esta divisão emocional entre ser competente, para corresponder às expectativas alheias, e sentir-se uma fraude, já que é impossível ser bem-sucedido em tudo.
Pais que colocam muita culpa no filho e carregam muitas angústias, de algum jeito, contribuem para que a criança nunca se sinta suficientemente à altura. Muitas vezes, essa queixa está relacionada a uma personalidade insegura. Em linhas gerais, é provável que isso tenha a ver com a maneira como a pessoa foi criada, e se o meio em que ela viveu proporcionou um reforço positivo ou negativo em relação à percepção que ela tem de si mesma.
E, sim, a síndrome pode ser a ponta do iceberg de um distúrbio maior. Em muitas situações, por exemplo, quando a pessoa está deprimida, ela pode ter essa sensação de incapacidade, de ver tudo sob uma ótica negativa. A queixa, nesse caso, seria apenas o sintoma.
Homens também são afetados
O estudo original, de 1978, teve apenas mulheres como entrevistadas. Por isso, até hoje persiste a percepção de que a síndrome ocorre apenas na ala feminina, mas isso não é verdade. Vários estudos subsequentes, realizados nas décadas de 1980 e 1990, observaram que homens também podem se sentir uma fraude.
Um estudo realizado na Universidade Purdue, nos Estados Unidos, observou que, embora homens e mulheres apresentem a síndrome, com sintomas similares, cada sexo reage de maneira diferente.
Elas costumam assumir uma atitude esforçada e trabalham duro para superar suas possíveis limitações. Já os homens que participaram do estudo procuraram evitar situações nas quais suas fraquezas poderiam ser expostas.
Desta forma, acaba sendo mais comum relacionar a síndrome do impostor às mulheres, porque demonstram insegurança e fragilidade com mais facilidade que os homens. Em relação à faixa etária, a maior incidência é observada em adultos jovens, entre 30 e 50 anos, em média.
Como superar a "síndrome"?
Existem algumas perguntas que, dependendo da resposta, podem indicar a existência da síndrome: você atribui seu sucesso à sorte e nega as próprias realizações? Acredita que o sucesso não é seu? Fica arrasado com críticas, ainda que construtivas, vendo-as como evidência da sua incompetência? Você se martiriza por erros insignificantes no trabalho? Quando é bem-sucedido em alguma coisa, sente secretamente que enganou todo mundo?
Se respondeu sim à maioria das perguntas, você pode estar convencido de que é uma farsa. Se esses sentimentos impedem a realização de sonhos profissionais, freiam o bem-estar no dia a dia, e já chegaram até a atrapalhar a vida prática (você recusou uma promoção no trabalho por achar que não daria conta, por exemplo), é hora de procurar ajuda.
A psicoterapia é o melhor caminho. É preciso trabalhar a visão que você tem de si mesmo, que em geral é muito negativa, para tentar entender o quanto há de distorção em relação à realidade. Um coach voltado para carreira, feito com um bom profissional, também pode ajudar a pessoa a enxergar suas competências e aceitar seus erros (porque eles sempre vão existir) com mais compaixão.
Fontes: Mario Louzã, doutor em psiquiatria, médico assistente do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da USP; Dorli Kamkhagi, psicanalista e psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria da USP; Cris Kerr, publicitária e idealizadora do Fórum Mulheres em Destaque, evento sobre empoderamento feminino e familiar.
*Com informações de matéria publicada em abril de 2018.
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