Atrofia muscular espinhal: "Por 30 anos achei ter paralisia cerebral"
Sergio Nardini, 51 anos, é artista plástico autodidata e mora em Amparo (SP). Quando bebê, seus pais perceberam que ele não conseguia andar nem engatinhar, pois parecia ter uma musculatura muito fraca.
Os médicos o diagnosticaram com paralisia cerebral, e durante quase 30 anos Sergio acreditou ter a condição, até descobrir que na verdade possui atrofia muscular espinhal (AME), uma doença neuromuscular progressiva que, além da movimentação, pode comprometer o sistema respiratório e a deglutição, entre outros problemas.
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Em sua infância e adolescência, a doença não era muito conhecida e os médicos nunca a haviam mencionado. A suspeita veio conforme os sintomas foram piorando e foi confirmada quando ele realizou exames genéticos ao participar do Projeto Genoma Humano da USP (Universidade de São Paulo).
"Minha mãe me carregava até a sala de aula"
Sergio foi alfabetizado em casa pelas tias e cresceu sendo considerado uma criança com paralisia cerebral. Quando seus pais decidiram matriculá-lo em uma escola regular, a instituição não permitiu ao saber que ele era cadeirante, e sugeriu encaminhá-lo para uma Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) --voltada para pessoas com deficiência intelectual.
"Minha matrícula só foi efetivada com a interferência da Delegacia Regional do Ensino e o laudo médico, que dizia que não era aluno de APAE porque tinha apenas uma limitação física, não intelectual".
Sergio conta que sua mãe o levava a pé para a escola, empurrando a cadeira de rodas, pois não tinham carro na época. "A gente atravessava a cidade para chegar na escola. Lá, ela tinha que me carregar para subir as escadas até a sala de aula". Além disso, como não havia um profissional qualificado para acompanhá-lo, sua mãe ficava esperando no pátio para atender suas necessidades.
Apesar dessas dificuldades, o artista enfatiza que sempre foi muito respeitado e bem tratado pelos colegas, professores e funcionários do local. "Foi aí que eu percebi a diferença entre ser acolhido e ser apenas incluído. Incluir é fácil: você coloca um aluno com deficiência na sala de aula e, fisicamente, ele está incluído. Mas o acolhimento é outra coisa."
Em decorrência de pneumonia, muito comum em pacientes com AME, Sergio concluiu o ensino médio à distância. Depois, ficou um período sem estudar e entrou na faculdade com 44 anos, onde concluiu o curso de marketing. "Foi uma experiência muito positiva. Tanto que, no baile de formatura, meus colegas de sala me presentearam com uma cadeira de rodas motorizada --que até então eu não tinha".
A força da família e a paixão pela pintura
Quando parou de estudar, Sergio encontrou na pintura uma nova forma de se expressar. Começou a pintar camisetas para vender e, depois, passou a pintar quadros e se aperfeiçoou por conta própria, chegando a dar aulas e receber prêmios. "Na época, meu pai ficou desempregado e começamos a viver de arte. Ele pegava meus quadros e ia vender na avenida. Consegui comprar um computador, um carro melhor. Costumo dizer que tudo que eu sou, devo a minha família, e tudo que eu tenho, devo à pintura", relata.
Com a progressão da AME, o artista teve que abandonar o pincel. Hoje, ele é ativista das causas de pessoas com deficiência e voluntário do programa Acesso Especial da Rádio Cultura de Amparo, onde discute principalmente sobre inclusão e acessibilidade.
Pai de rodinhas
Sergio mora com o pai, sua esposa e sua filha de 8 anos. Ele conta que conheceu Elisangela em 2001, pela internet, e casou-se em 2007. Por meio de um tratamento de fertilização in vitro, o casal teve sua filha, Lavínia, três anos depois.
Depois que sua filha nasceu, o artista começou a registrar histórias e momentos de sua experiência como pai. Algumas delas podem ser encontradas em sua página no Facebook. "Para mim, é uma alegria passar uma mensagem para as pessoas. Agora, sem a pintura, me expresso por meio de textos", explica. Todos os relatos sobre a paternidade feitos ao longo dos últimos anos, unidos aos relatos de sua infância, acabaram resultando no livro Pai de Rodinhas, projeto que foi abraçado por uma editora da cidade e está em campanha de financiamento coletivo no Catarse.
Para outras pessoas com AME e seus familiares, Sergio Nardini destaca a importância de ter paciência, serenidade, foco e, acima de tudo, buscar informação. "Se eu for exemplo de alguma coisa, que seja pelas minhas ações e pensamentos, e não apenas por possuir uma deficiência. Uso a internet para levar informação às pessoas, porque a informação mudou a minha vida".
Desde que descobriu a doença, o tratamento de Sergio passou a ser voltado para exercícios respiratórios, que é um problema sério para pessoas com AME. "Fui encaminhado também ao Instituto do Sono em São Paulo, onde vou a cada quatro meses, pois também tenho apneia do sono grave", explica. Atualmente, ele briga na justiça para conseguir pelo SUS (Sistema Único de Saúde) o remédio criado para tratar a doença, aprovado pela Anvisa no final de 2017. O valor de uma dose do remédio é de cerca de R$ 209 mil e o tratamento total custa por volta de 2 milhões.
O que é a atrofia muscular espinhal (AME)
A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença neuromuscular progressiva, de origem genética, que acomete um em cada 10 mil indivíduos. É caracterizada pelo enfraquecimento dos músculos e perda das funções motoras.
O problema ainda não tem cura, mas sua progressão pode ser atrasada com medicamento e terapias de apoio: fonoaudiologia, fisioterapia motora e fisioterapia respiratória.
Segundo a neuropediatra Karina Weinmann, integrante do Centro de Estudo do Genoma Humano da USP e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI), além do diagnóstico e da intervenção precoce, o acompanhamento multidisciplinar (fonoaudiológico, fisioterápico e nutricional) é muito importante no tratamento.
"Às vezes, os pais abandonam as terapias de apoio para tentar comprar o medicamento, que é muito caro. Mas essas terapias são essenciais e comprovadamente eficazes para os ganhos motores", alerta a especialista, que explica que existem quatro tipos de AME:
- Tipo 1 Ocorre quando a doença se manifesta até os 6 meses de idade --a criança não tem força muscular (hipotonia), não consegue realizar movimentos e nem se sentar sem apoio, além de ter o sistema respiratório e a deglutição muito comprometidos. Representa a maioria dos casos: cerca de 50%.
- Tipo 2 Os sintomas aparecem entre 6 meses e 1 ano e meio de idade e, embora a criança também apresente hipotonia e dificuldades respiratórias e de deglutição, consegue se sentar sem apoio, algumas chegam a ficar em pé (com suporte).
- Tipo 3 É quando os sintomas se iniciam a partir do 1 ano e meio; a criança consegue ficar em pé sozinha e, em alguns casos, pode até conseguir andar.
- Tipo 4 A doença se manifesta na fase adulta, por volta dos 20 anos, quando o indivíduo começa a sentir fraqueza muscular, dificuldade de subir escadas, correr, levantar do chão etc.
Qual é a causa?
Weinmann afirma que a AME é causada pelo defeito do gene SMN1, responsável por auxiliar na produção da SMN --a proteína de sobrevivência do neurônio motor, localizado na parte anterior da medula espinhal.
"Trata-se de uma doença autossômica recessiva, ou seja: se o pai e a mãe carregam o gene, a criança desenvolve a AME. Entre casamentos consanguíneos [entre pessoas que têm algum grau de parentesco], por exemplo, o risco é muito maior".
Como ocorreu com Sérgio, o problema é comumente confundido com outras condições e deficiência intelectual, mas é importante ressaltar que pessoas com AME possuem um sistema cognitivo preservado --a limitação é somente física.
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