Maldição de estrelas da Disney: por que famosos mirins piram na vida adulta
A lista de celebridades que começou a carreira quando ainda era criança e aparecia em programas da Disney não é pequena. Só de tocar no assunto já nos lembramos de Demi Lovato, Selena Gomes, Miliey Cyrus e até Britney Spears. Além do passado nas telinhas, as famosas --infelizmente -- também têm em comum uma vida adulta com instabilidades psicológicas.
A dúvida que surge é: o que acontece para que tantas estrelas mirins acabem passando por fortes dramas pessoais ao crescerem? Existe uma "Maldição da Disney?" Calma, o Mickey não tem nada a ver com isso. É mais provável que Freud explique.
Antes de expor qualquer hipótese é preciso deixar claro que cada ser humano reage de um jeito específico a cada contexto. Não é possível generalizar ou prever quem terá problemas. Sempre é importante analisar individualmente como a criança lida em diferentes vertentes e como é amparada. Dito isso, existem algumas respostas e situações que devem servir de alertas.
Como a fama afeta a cabeça de uma criança?
"A infância é o período da vida em que a estrutura psicológica é constituída, sua identidade, personalidade, é o momento de formação do aparelho psíquico. Por isso, todas as vivências têm um impacto fundamental", diz Carolina Santilli, psicóloga especializada em psicologia da infância pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Focando na criação da psique, Santilli ressalta duas respostas emocionais que atores mirins podem ter dificuldade de administrar. A primeira é a distinção entre fantasia e realidade. O que pode ficar um pouco frouxo entre os pequenos famosos, porque encarnar personagens e viver em cenários de faz de conta para televisão podem confundir a criança e deixar marcas enquanto ela está se constituindo.
Outra questão é a construção do que é público e do que é privado. "Esse é um aprendizado que adquirimos, o que podemos dividir, o que exige um trato mais preservado. E quando a pessoa é famosa existe uma extrapolação desses limites, o que dificulta a compreensão da criança", explica.
Ambas questões ajudam os pequenos a concretizar a personalidade, além de construir uma autoimagem, apreender a classificar e lidar com aprovações e desaprovações, critérios que se não forem bem estabelecidos podem levar a lacunas emocionais que propiciam desestabilidades.
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O ambiente também interfere
?As causas que levam a uma crise sempre são multifatoriais, e no caso de celebridades, o ambiente pode ser muito prejudicial?, afirma Marta Lucion, psiquiatra do Hospital São Lucas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Acontece que viver entre atores em festas e com livre acesso não é uma missão tranquila. "Quando você tem dez anos, por exemplo, você não está pronto para administrar situações como festas com muito dinheiro, bebidas, gente usando cocaína...É um cenário muito vulnerável", completa Lucion.
A criança não sabe lidar com tanta informação ou discernir por si só o que é certo e o que é errado em tal contexto. Ao ver todo mundo agindo de forma exagerada, pode acabar "entrando na onda" e achando que o correto é replicar o comportamento. Um exemplo de como é perder o controle em um cenário como esse pode ser o da atriz Drew Barrymore, que contou em entrevistas que aos 12 anos já era viciada em cocaína e que vê seus anos de estrela infantil como "uma receita para o desastre".
É bom ressaltar ainda que em casos de transtornos por uso de álcool e outras drogas já é comprovado que quando o primeiro uso ocorre ainda na adolescência, o risco para abuso e dependência é maior.
Como se isso não fosse o suficiente, é necessário evidenciar que atuar ao ser criança é um trabalho infantil e precisa ser moderado para não pressionar de forma exagerada. A criança ganha grande responsabilidade com gravações, roteiros e divulgações, passando por situações que não são usuais para alguém tão jovem.
"São criadas responsabilidades profissionais, e por outro lado uma criança famosa pode não ter cobranças e limites pertinentes a sua idade, como levantar sozinha e arrumar suas coisas, além de não 'precisar' desenvolver habilidades sociais para interagir com as outras crianças. Ainda há falta de rotina, como não dormir regulamente, o que pode levar a um pior desenvolvimento comportamental", exemplifica Carolina Chaim, psiquiatra do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês.
Prioridade dos cuidadores deve ser bem-estar da criança
Com tantas informações chegando até a criança em uma velocidade acelerada, é preciso ter cuidadores que ajudem a manter o controle, sejam eles os pais, tios, empresários ou outras celebridades que acompanham a rotina.
"A criança tem que ser respeitada. Ela tem que trabalhar porque gosta, a família precisa conversar, saber equilibrar horários, apoiar e não abusar", diz Lucion. "Ao mesmo tempo, é preciso ficar atento para manter o máximo de normalidade no dia a dia, colocar os pés da criança no chão e respeitar o crescimento interno", completa.
Os pequenos precisam ter garantidos seus direitos de brincar, se relacionar, aprender, ter atenção e cuidado, não só tarefas profissionais. "A fama é um desafio extra na infância e exige que os responsáveis fiquem na linha de frente para filtrar as exigências, sem exceder a capacidade estrutural da criança de lidar com os conflitos e desafios do trabalho", complementa Santilli.
Outro fator complicado nessa equação é o dinheiro. Com a carreira artística é comum que a criança vire a maior provedora da casa e que os pais percam a linha tanto na hora de pôr limites quanto na hora de abusar dos dons dos filhos em momentos de ganância ou vaidade.
Exemplos também não são difíceis de encontrar, como Macaulay Culkin, que se afastou dos pais após briga para ver quem ficaria com seu dinheiro, ou até Michael Jackson, que teve o pai como empresário que não media esforços para vender apresentações do filho.
"As crianças e adolescentes precisam de espelhamento saudável por parte dos pais, isto é, precisam receber reforço positivo quando fazem coisas boas, e da mesma forma, reforço negativo e limites quando fazem coisas nocivas", resume Chaim.
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Será que a culpa também não é nossa?
É fácil apontar os dedos para vários culpados, mas também temos que assumir o peso que os fãs colocam em astros mirins. Ao ver um famoso nós o enaltecemos e criamos a necessidade daquela pessoa se encaixar em padrões, ser exemplo e ter a vida pública para acompanharmos --e opinarmos.
Todos sofremos com críticas nas redes sociais, por exemplo, então imagine o quanto essas palavras não afetam os pequenos, que por estarem sob os holofotes são cobrados a não serem criticados e terem uma aura de respeito e admiração.
Para crianças a opinião de adultos é muito representativa. Quando você é mais velho consegue discernir entre o que vale ou não ouvir dos outros, uma criança não está estruturada para isso e fica fragilizada?, explica Lucion.
Agora você pode estar negando e falando que jamais criticaria uma criança. Mas não é só o fato de a xingar nas redes sociais. Pense comigo, quando você soube que a Demi Lovato sofreu uma overdose você não falou: "Nossa, mas logo ela"Rica, bonita, famosa, tem tudo o que quer, uma vida perfeita, para que isso". Pois é, ficamos deslumbrados ao imaginar o que é a fama e esquecemos que somos todos humanos.
"Todos somos vulneráveis a ter transtornos psicológicos, mas os dos famosos são mais expostos, enquanto quem tem poucos seguidores no Instagram pode se tratar de forma discreta", pontua Mark Costa, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
Quais as consequências mais comuns?
A criança que se sente pressionada a satisfazer os olhares e projeções alheios, perde o espaço para descobrir o que a faz realmente feliz. "E a reação que cada criança terá depende do seu temperamento e do ambiente em que está inserida. Podem surgir sentimentos de onipotência, inconsequência - que já existem nos jovens, mas podem vir de forma exacerbada. Assim como podem surgir sintomas de ansiedade, importantes naqueles que tendem a internalizar o que sentem", diz Chaim.
Além da ausência de cuidadores, ambientes e pressões sociais ou profissionais, ainda é preciso afirmar que os genes são fortes determinantes dos transtornos mentais.
Dentro de todos os contextos, são comuns respostas como depressão, ansiedade, dependência de drogas, álcool e remédios, ou comportamentos extravagantes e exagerados. E, novamente, não é difícil encontrar exemplos. Como as já citadas na reportagem: Selena Gomez, que teve problema com álcool, ou Britney que raspou a cabeça e Miliey que foi da perfeitinha Hannah Montana para alguém desinibida e imprevisível.
De acordo com Chaim, o acompanhamento psicológico nestes casos é importante diante de alguns sinais, como problemas importantes de comportamento, uso precoce de álcool ou outras drogas, demonstrações de tristeza ou irritabilidade excessiva, ansiedade (demonstrada muitas vezes com ranger dos dentes ou roer unhas), isolamento, mudanças bruscas de amizades, algum sinal de transtorno alimentar (como medo patológico de engordar ou indução de vomito ou uso de diuréticos/laxantes), automutilação e tendência a guardar muitos segredos. E é preciso que alguém esteja de olhos bem abertos para essa criança para notar tais transformações.
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