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Conhece o HTLV-1? Vírus da família do HIV infecta milhares no Brasil

O Brasil é o país do mundo com maior número de casos - Getty Images
O Brasil é o país do mundo com maior número de casos Imagem: Getty Images

Do UOL VIvaBem*, em São Paulo

23/11/2018 15h55

Centenas de milhares de brasileiros são infectados pelo HTLV-1, o vírus linfotrópico de células-T humanas, pertencente à mesma família que o HIV, o vírus da Aids.

O Brasil é o país do mundo com maior número absoluto de casos. O HTLV-1 afeta mais pessoas do que o HIV, a hepatite C ou a tuberculose. Apesar disso, o vírus recebe pouca atenção. Os médicos que trabalham com o HTLV-1 denunciam falta de estrutura e a ausência de ações específicas contra ele.

“Não existe um programa nem nacional, nem estadual, nem municipal”, afirma Augusto Penalva, coordenador do serviço de HTLV-1 no Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “É a doença mais negligenciada das negligenciadas. Inclusive, quando se lança um programa sobre doenças negligenciadas não é incomum deixar fora o HTLV.”

Uma das possíveis razões pelas quais o vírus não é alvo de ações mais enérgicas por parte do poder público é que a grande maioria dos pacientes é assintomática.

“Como é um vírus antigo [evolutivamente falando] e está bem adaptado, a maioria das pessoas não desenvolve as complicações mais graves, o próprio sistema imunológico do paciente controla o vírus”, explica Arthur Maia Paiva, médico da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió.

Apesar de só entre 5% e 10% dos portadores desenvolverem complicações médicas, estas podem ser graves e inclusive fatais. Uma delas é a leucemia de células-T do adulto, um câncer das células sanguíneas bastante agressivo. Outra, a que sofre João Paulo, é a paraparesia espástica tropical, uma condição que afeta a medula espinal e pode deixar o paciente em cadeira de rodas.

O alto número de pacientes assintomáticos, unido ao fato de que, no caso da paraparesia, o desenvolvimento da doença é progressivo ao longo de anos, dificulta o diagnóstico.

“Normalmente os pacientes nem percebem. Têm uma dificuldade de subir escada, uma dor… Quem vai no médico quando tem isso? É muito difícil. E às vezes vai e faz raio-X, tomografia, ressonância… Geralmente isso está normal, e acaba acontecendo que a pessoa passa sete, às vezes até dez anos, até descobrir a causa”, diz Jorge Casseb, médico do Ambulatório de HTLV e professor associado do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.

Outro problema que contribui para o largo intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico é o desconhecimento do HTLV-1 por parte dos próprios profissionais da saúde. O professor Casseb menciona o caso de uma paciente do interior de São Paulo que passou por 29 médicos até encontrar um que tinha sido residente no Ambulatório de HTLV do Emílio Ribas e estava familiarizado com o vírus.

“Ele pediu a sorologia, que custa uns 3 reais, e deu positivo. Mas se você não pensar e não pedir o exame, não tem como identificar”, ele explicou.

O diagnóstico tardio reduz as chances de melhora dos pacientes e supõe um alto custo para o sistema de saúde. Para a médica Jerusa Smid, neurologista do Ambulatório de HTLV, o impacto da doença na vida dos pacientes justifica um maior investimento na prevenção e identificação do vírus.

“Se a autoridade pública colocar na conta o paciente que vai evoluir para uma mielopatia [distúrbios que afetam a medula], que vai se tornar dependente de cadeira de rodas no final da vida dele, que tem uma incapacidade irreversível, progressiva, grave, que está associada a uma maior taxa de infecção, a uma maior hospitalização, a um paciente jovem, que para de trabalhar em uma faixa etária ainda economicamente ativa. Então não entendemos como é que essa conta não considera esses aspectos”, ela disse.

Sem cura, mas com solução

Existem três formas de contrair o vírus: por relações sexuais desprotegidas, por contato com sangue infectado (por transfusão, compartilhamento de seringas) e através do aleitamento materno. Isso faz com que a doença se transmita principalmente dentro das famílias, entre parceiros através de relação sexual, e de mães para filhos via aleitamento. Por isso, cada novo paciente identificado vira um “fio” de origem de novos portadores.

“O novelo grande está atrás da porta [do ambulatório]. Você puxa aqui e não sabe o que vai ter lá fora”, diz Casseb, que conta que a cada ano surgem uns 60 pacientes novos, quase sempre por meio de testagens de familiares.

A forma mais efetiva de reduzir a incidência do vírus na população é testar as gestantes e orientar as mães portadoras do HTLV-1 a não amamentar os seus filhos, ou a fazê-lo por períodos mais curtos. Com essa estratégia, cidades como Nagasaki, no Japão, conseguiram reduzir a prevalência da doença de 20,3% para 2,5% em vinte anos.

No Brasil, os especialistas consideram que estamos muito atrasados na luta contra o HTLV-1. Programas como o de Nagasaki começaram a ser desenvolvidos há mais de 30 anos, enquanto aqui ainda não existe nada parecido. Os bancos de sangue são testados desde 1993, mas mesmo nesse caso só se faz uma prova de triagem, sendo que o diagnóstico requer uma segunda prova confirmatória com um teste mais sensível. “E quando você tem a sorologia [positiva para o HTLV-1], você não é encaminhado para lugar nenhum”, disse Augusto Penalva, coordenador do Ambulatório de HTLV do Emílio Ribas.

Adele Schwartz Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST [infecções sexualmente transmissíveis], do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, disse que estão preparando um estudo nacional para o ano que vem para conhecer a prevalência do HTLV-1 em gestantes no Brasil. O resultado servirá para definir as linhas de ação futuras para combater a transmissão do HTLV-1 de mães para filhos.

Benzaken espera que os resultados estejam prontos antes do final de 2019. Além disso, o Ministério também disse estar trabalhando na atualização do protocolo de HTLV-1. Quando estiver pronto, o protocolo servirá de guia para a capacitação dos profissionais da saúde.

*Com informações do Jornal da USP